Os episódios envolvendo terrorismo de extrema direita e neonazismo tem crescido nos últimos anos. De acordo com o Guia de Europa Negra, livro do espanhol Manoel Florentin, atualmente o número de organizações ultra nacionalistas, de extrema direita, neonazistas e afins já são mais de 300 em toda a Europa. O ambiente para essa proliferação foi criado com o fim da Guerra Fria, pelo desemprego causado pela evolução tecnológica e pelas doutrinas da globalização. Outro fator é o irracionalismo causado pelo conceito de pós-modernidade que criou um ambiente filosófico-cultural propício a fenômenos como o fundamentalismo, o nacionalismo e até o novo nazismo e outras formas de discurso que buscam no absurdo as soluções para os problemas do homem contemporâneo. Para comentar estes temas, o Extra Classe ouviu dois professores da área de ciência política. Dietrfid Krause-Vilmar, historiador e cientista político, é professor titular da Universidade de Kassel, na Alemanha, onde leciona Pedagogia e História Escolar e professor convidado da Universidade de Marburgo. Fundou o “Breitenau Memorial”, em Guxhagen, local onde funcionava um campo de trabalhos forçados para prisioneiros políticos de guerra, nas décadas de 30 e 40. Krause-Vilmar publicou sete livros sobre campos de concentração e sobre ideologia revisionista. As suas obras mais conhecidas são O Campo de Breitenau, Sobre os Argumentos do Negacionistas do Holocausto, O Nacional-socialismo e Populismo e Nazismo. O outro entrevistado é Paulo Vizentini, diretor do Instituto Latino-Americano de Estudos Avançados da Ufrgs e professor de História Contemporânea na universidade. Graduado e Mestre em Ciência Política pela Ufrgs, Paulo Vizentini é Doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo e Pós-Doutorado em Relações Internacionais na London School of Economics and Political Science. Dentre os diversos livros de sua autoria, os mais recentes são: Dez anos que abalaram o século XX, política internacional de 1989 a 1999 e A política externa do regime militar brasileiro. Ambos participaram do simpósio internacional Neo-nazismo, Revisionismo e Extremismo Político: Desafios para os Direitos Humanos, realizado em Porto Alegre, na Ufrgs, na primeira quinzena de agosto.
Extra Classe – Há um crescimento real dos movimentos de extrema direita e neo-nazistas nos últimos anos? O que motiva isso?
Fotos: René Cabrales
Fotos: René Cabrales
Paulo Vizentini – Na verdade, sim. Existe tal crescimento. O surgimento das transformações econômicas, da revolução tecnológica que, desde a década de 70, vem gerando desemprego e o desmonte do Estado de Bem-Estar Social. Mais recentemente, com o fim da Guerra Fria, desequilibrou-se o panorama político, desaglutinando o discurso do Ocidente em torno de valores da democracia liberal, o que abriu espaço para as manifestações de cunho nacionalista e de direita. O processo de globalização tem enfraquecido os estados nacionais, assim como o papel do indivíduo na sociedade globalizada está alterado. Muitas vezes, um cidadão se prepara a vida inteira para exercer uma profissão e esse exercício é impedido por uma evolução tecnológica. Além disso, os que estão empregados vivem uma insegurança permanente. Isso dá uma idéia geral de por que pessoas comuns, que antes não apoiavam determinado tipo de idéia, de repente, passam até a votar em partidos e ver com simpatia algumas posições, principalmente as camadas da baixa classe média. A questão das migrações e imigrações também causa verdadeiro pânico aos europeus. Mas não precisamos ir muito longe. Há pouco tempo, no Rio Grande do Sul, uma prefeitura do interior proibiu a entrada de pessoas desempregadas de fora do município. Só reviu sua posição ante a inconstitucionalidade desta ação.
EC – Quando se fala em enfraquecimento dos estados nacionais, como se dá a influência da globalização no crescimento da direita?
Vizentini – É preciso contar um pouco de história da Europa e referente à União Européia. Antes dos estados nacionais, a Europa era fragmentada em feudos e a igreja católica era a única forma de integração. Mais tarde, vieram os estados nacionais e isso acabou, durando 400 anos. Com o processo de globalização e no momento em que a União Européia passa a se integrar e se reduz o poder dos estados, conseqüentemente as regiões passam a ter maior autonomia. Refiro-me aos bretões, os corsos, os gauleses, os escoceses, bascos, irlandeses e demais povos com características culturais ou étnicas que, durante séculos, acomodaram-se como sub-nacionalidades e que ressurgem fortalecidos dentro da união Européia com forte sentimento nacionalista e até separatista. Esse sentimento muitas vezes se traduz não necessariamente em extremistas de direita ou neo-nazistas, mas é o ambiente propício para o crescimento desses movimentos. Além disso há a questão da irracionalidade remanescente da pós-modernidade que propicia todo tipo de manifestações que vão do fundamentalismo islâmico ao ultra-nacionalismo croata. Tudo isso é conseqüência de poderes remanescentes de políticas adotadas durante a Guerra Fria, que levaram ao poder, com o apoio da Otan, grupos das mais diversas correntes políticas com o objetivo de frear o avanço socialista em países do Terceiro Mundo. As conseqüências disso estão aparecendo hoje.
EC – O fato de a Alemanha ter uma política generosa de imigração não favorece este clima de insatisfação dos extremistas?
Dietrifid Krause-Vilmar – A Alemanha é um dos países que mais recebe imigrantes em toda a Europa e certamente o número elevado de imigrantes tem relação com a ascensão dos movimentos nacionalistas, neo-nazistas e extremistas em geral. Quando um país aceita um número tão grande de pessoas de outras nacionalidades em seu território, também assume uma responsabilidade de integração dessas pessoas na sociedade e isso é um problema grave que os alemães ainda não conseguiram resolver.
Vizentini – A questão do Leste Europeu também se faz presente neste caso. Para se ter uma idéia, na época da guerra de Kosovo, as manifestações de rua a favor da Iugoslávia eram enormes em Berlim. Outro fator é a grande quantidade de russos, descendentes de alemães que migraram para Rússia no século 18 e requerem a cidadania alemã para fugir da miséria encontrada em seus países de origem.
EC – Como funciona o processo de negação do holocausto na Alemanha?
Dietrifid – Tenho me ocupado com o tema do nazismo há vinte anos. Trata-se de um tema de permanente atualidade. O meu interesse aumentou ao encontrar um documento de um antigo campo de concentração nas proximidades de Kassel, do qual não se tinha registro e ao qual a população local não fazia qualquer referência. Quero dizer com isso que a negação desses fatos é um sintoma de quanto esta realidade pode ter sido acobertada e posteriormente negada, inclusive por nossos pais e avós, por motivos óbvios.
EC – Qual foi a reação da população local a essas descobertas?
Dietrifid – Ao fazermos isso, nos envolvemos em um processo de conflitos na própria região onde vivemos. Mas é assim que a questão deve ser abordada, como uma coisa próxima e não como algo distante.
EC – O que se fala sobre a ascensão da direita na Áustria corresponde à importância que vem sendo dada pela imprensa internacional ou há alarmismo?
Vizentini – Não é uma questão de alarmismo. Uma coisa que tem passado despercebida são justamente os eventos do Leste Europeu. Há uma mistura de ultra- nacionalismo, formas autoritárias de poder de extrema direita crescentes.
Dietrifid – Quando nos preocupamos com o tema do neo-nazismo e do crescimento de manifestações de extrema direita, não devemos voltar nossos olhares tão somente para a Áustria. Infelizmente a Áustria é apenas um caso. Os desdobramentos dessa questão estão ocorrendo em muitos países europeus e até mesmo fora da Europa. Também temos movimentos de direita e nacionalistas, por exemplo, na França, na Itália, na Escandinávia, Bélgica e em vários outros países, inclusive fora da Europa. Na Suécia, no ano passado, cerca de 20 jornalistas e sindicalistas ligados a partidos de esquerda foram assassinados. Na Rússia, esses casos também acontecem com muita freqüência. O que é peculiar no caso austríaco é que , pela primeira vez, em anos, um partido com tendências à extrema direita passou a fazer parte do governo, o que em si é um escândalo. Mas seria totalmente errado dizer que na Áustria temos o nazismo no poder. O que temos é a irrupção de uma coalizão de grupos políticos radicais de direita e grupos que tendem a posições neonazistas dentro da estrutura política estabelecida.
EC – Que fatores levaram à ascensão de Rider e da direita na Áustria?
Vizentini – Em primeiro lugar, é preciso dizer que a imagem de Rider está diretamente associada ao novo, e não àquela imagem clássica e conservadora tão comum aos direitistas. Ele é uma espécie de Collor de Mello. Vende uma imagem de jovem esportista, alegre, brincalhão e esperto. Diria, até, carismático. Mas sua política restritiva aos imigrantes e estrangeiros em geral é xenofóbica, embora ele recuse a designação de nazista. Inclusive criticava a política do governo socialista por ser intervencionista. Rider no final das contas se diz um neoliberal. EC – Pode-se dizer que o modelo político de vários países europeus fracassou e isso propicia a evolução da direita?
Dietrifid – Se desviarmos o olhar da Áustria, podemos observar que o sistema dos partidos estabelecidos fracassou em pelo menos três pontos nevrálgicos que favoreceram essa ascensão da extrema direita. Se se tivesse conseguido atacar estas três questões que vou mencionar ter-se-ia tirado o tapete que estava debaixo dos pés dos direitistas. O principal problema é o desemprego em massa. Em segundo, não foi resolvido o problema da integração do número crescente de estrangeiros que estão entrando nos países europeus. Afinal, elegemos os políticos para que dêem solução para este tipo de problema e, nesse sentido, são necessárias novas idéias e investimentos. Esses problemas nem de longe foram resolvidos. Na Alemanha, por exemplo ainda não há uma diferença entre asilo político e imigração. A lei é bastante deficiente. E a terceira questão é que a democracia deve ser vivenciada e mostrada exemplarmente. Disso depende a relação entre governo e oposição.
EC – Por que essas manifestações de extrema direita têm se proliferado nos últimos anos e desde quando têm ocorrido?
Dietrifid – O radicalismo de direita não é um fenômeno novo na Alemanha e na Europa, afinal já ocorrem casos desde o final da Segunda Guerra. O fato novo é que houve um crescimento que se poderia comparar a um fogo que se espalha pela floresta. Além disso, as formas como tem ocorrido têm sido muito mais brutais do que no passado, em muitos casos causando a morte das vítimas. Pela primeira vez na história, os jornais regionais publicam diariamente notícias relacionadas a este tipo de acontecimento.
EC – Existem dados numéricos?
Dietrifid – Conforme dados fornecidos pelo governo alemão, referentes a atos violentos praticados por organizações de extrema direita no país percebe-se claramente que o maior número de ocorrências se dá na ex-Alemanha Oriental contra dados bastante reduzidos na ex-Alemanha Ocidental. Alguns estados alemães orientais registram dez vezes mais casos do que estados da parte ocidental. Também se sabe que o número de extremistas de direita que estão dispostos a praticar atos de violência tem aumentado, atingindo um número de nove mil militantes em toda a Alemanha, o que pode ser considerado um pequeno exército.
EC – Como a internet tem servido aos extremistas?
Dietrifid – Nos últimos cinco anos, o número de home pages de organizações de neonazistas e de extrema direita em geral aumentou de 30 para 300, o que significa um número 10 vezes maior. O problema é que os provedores estão situados em países como Estados Unidos, onde este tipo de coisa é permitido, assim podem ser acessados tanto da Alemanha como de qualquer lugar do mundo.