Yankees, go home. A frase estampada em muros por toda a América Latina, nos anos 60 e 70, soa longínqua e fora de moda. É como se o grito ideológico fizesse pouco sentido. E poderá fazer menos ainda, a partir de 31 de dezembro de 2005. Nesta data, deverão cair as barreiras comerciais entre 34 países dos três continentes americanos (a exceção é Cuba), com a instalação da ALCA – Área de Livre Comércio das Américas –, conforme proposta apresentada pelos Estados Unidos, em 1994. Se rabiscar palavras de ordem nos muros aparenta atitude saudosista, algumas perguntas reclamam respostas urgentes: quais países sairão ganhando com a derrubada das tarifas alfandegárias? Quais setores da economia brasileira serão beneficiados? Quem ficará vulnerável a uma concorrência devastadora? Os trabalhadores terão vantagens? E os que vivem abaixo da linha da miséria terão acesso à grande feira de produtos transnacionais?
A partir de fevereiro de 2003, as dúvidas começarão a ser esclarecidas com a fixação das bases concretas da ALCA. É o que o Itamaraty qualifica de “núcleo duro das negociações”. Até aqui, os futuros parceiros debateram o formato genérico e as regras de acesso à zona de livre comércio. Por imposição dos Estados Unidos, por exemplo, Cuba foi excluída. Os 15 comitês de trabalho discutiram política de concorrência, propriedade intelectual e soluções de controvérsias, entre outros temas. No próximo ano, passarão a tratar de produtos e serviços específicos. Cada país apresentará uma lista de exceções, relacionando os itens que deseja excluir da tarifa zero. A queda de braço determinará com clareza quem terá privilégios na região. As regras serão fixadas em cinco áreas: bens industriais, agricultura, compras governamentais, serviços e investimentos.
No Brasil, não há consenso. “Potencialmente, a ALCA é positiva, na medida em que dá acesso privilegiado para boa parte de nossos produtos ao maior mercado do mundo. Alguns setores perdem, mas a sociedade ganha. A rapadura é doce, mas é dura”, afirma o advogado Renato Stetner, especialista em Direito Comercial Internacional. “Não podemos fechar a porta para o intercâmbio. Mas é preciso fazer com que os ganhos do comércio se traduzam em bem-estar e melhor qualidade de vida para a população”, diz Manuel Enriquez Garcia, coordenador do curso de Economia da USP. “O Brasil não precisa da ALCA. Tubarões e sardinhas precisam ficar em viveiros diferentes. Quando estão juntos na mesma piscina, as sardinhas correm sério risco”, contrapõe o deputado Aldo Rebelo (PC do B-PE), presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara Federal.
O debate promete esquentar com o plebiscito nacional sobre a ALCA, em setembro, organizado pela ONG Caritas, da Igreja Católica, com apoio da CNBB, CUT e MST, entre outras entidades. Em junho, a OAB/SP promoveu audiência pública em São Paulo, com a participação de magistrados, advogados, parlamentares e sindicalistas. “Os EUA querem conquistar nosso mercado, sem abrir as portas de sua economia”, acusa o presidente da seção paulista da OAB, Carlos Miguel Aidar. Há o temor de que o sistema legal doméstico seja atropelado com a implantação de câmaras de arbitragem. “Se a importação de um equipamento mecânico estiver em discussão, um engenheiro poderá ser eleito árbitro”, adverte Urbano Ruiz, da Associação de Juízes para a Democracia.