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Extra Classe – Essa é a sua primeira participação no Colóquio Nacional de Educação Popular em Passo Fundo?
João Francisco de Souza – Sim, pela primeira vez participo do Colóquio. Tenho grandes expectativas, pois, acompanhei a distância os anteriores que trataram de temas relevantes para a Educação de modo geral e especialmente para as temáticas do campo da Educação Popular. Neste ano, se reveste de um caráter especial tendo em vista os problemas nos quais estamos envolvidos: a quebra da reforma econômica da Argentina e do Brasil, a Alca e as eleições nacionais; ademais por ser uma grande esperança pelo fato de já ser a nova edição no nível nacional e sétima de seu caráter internacional.
EC – Qual a sua experiência em Educação Popular?
João Francisco – Minha experiência na educação popular tem início com o próprio começo da construção da atual visão de Educação Popular, nos idos de 1961, aos 16 anos. Entrando no curso de Ensino Médio (à época, denominado curso secundário na modalidade Científico porque também havia o Clássico para aqueles que se destinavam às Ciências Humanas e Sociais), envolvi-me com a JEC (Juventude Estudantil Católica) através da qual participei das primeiras atividades do MCP (Movimento de Cultura Popular) criado em Pernambuco por intelectuais da esquerda católica e do partido comunista apoiados pelo recém eleito Prefeito de Recife, Miguel Arraes de Alencar, sindicatos e organizações de bairros. Comecei atuando nas Praças de Cultura nas quais, além da Biblioteca Popular, de Grupos de Teatro e de Análise de Programas de Televisão, incentiva-se a criação de grupos de vizinhos para lutar pela solução dos problemas locais.
Como sabemos, até o final dos anos 1950, a expressão Educação Popular se referia apenas à extensão da escola, tal a qual existente, aos filhos e filhas de trabalhadores e trabalhadoras rurais e urbanos. E, para a educação desses trabalhadores, se usava a expressão Educação de Adultos. A partir dos sessenta, Educação Popular começa a adquirir outro sentido no Brasil e por toda a América Latina. O marco oficial dessa mudança podemos localizar no II Seminário Nacional de Educação de Adultos, convocado pelo governo federal e realizado no Rio de Janeiro em julho de 1958.
EC – Na sua opinião, quais os principais avanços da Educação Popular nos últimos 50 anos?
João Francisco – Houve mudanças extraordinárias. Primeiro, a própria construção de uma educação que pode fundamentar práticas pedagógicas (escolares e não-escolares) que respondam às necessidades, aspirações e desejos dos setores do trabalho rural ou urbano, os denominados genericamente de pobres. Esses não foram contemplados no Projeto da invenção da Escola. Nem eram sujeitos de outros projetos educativos a não ser como objetos da assistência social, mais ou menos como hoje através de tantas bolsas: bolsa alimentação, bolsa escola, PETI, bolsa renda, Agente Jovem, bonus gás. Até os anos 1950, como me referi acima, esses eram pouco pensados como sujeitos da aprendizagem escolar, a não ser por alguns rebeldes ou por vozes isoladas de alguns intelectuais. No Brasil, em 1942, cria-se o Fundo do Ensino Primário, semelhante ao FUNDEF atual que era um fundo mais amplo, pois incluía as criancinhas e os maiores de 15 anos. O de hoje os exclui. Implantado em 1947, começa a se ampliar a escolarização no país como responsabilidade também do governo federal.
EC – Então, a Educação Escolar inicialmente não incluía os (as) trabalhadores (as)?
João Francisco – Incluía-os apenas marginalmente. Como se sabe, a educação escolar tal como a conhecemos, para tomar o marco do que aconteceu na Prússia, de 1871, como sistema público de ensino, como responsabilidade dos governos nacionais e direito subjetivo dos cidadãos não incluía em seu projeto original os trabalhadores urbanos ou rurais. Cidadãos na época eram apenas os setores médios urbanos que estavam se desempregando. Esses setores inventaram, então, a Escola para instrumentalizá-los para a realização de atividades econômicas regulamentadas. Casaram a escola com a regulamentação das profissões. A partir de então, só se pode exercer determinadas profissões com o certificado escolar (o diploma). E foi um sucesso total. Viraram médicos, engenheiros, advogados, enfim criaram-se as profissões liberais, e os quadros para servir à burocracia dos Estados Nacionais, esses inventados, com sucesso, à raiz da vitória da Revolução Industrial. Inventa-se, assim, a estrutura escolar seriada (cada ano letivo, correspondente a um ano civil), com aprovação e reprovação no final do ano, um professor por turma até a quarta série e, a partir daí, um professor por disciplina. Requisito essencial à certificação da educação básica para ingresso na educação superior profissionalizante. Uma diretora e supervisora por escola ou por grupamento de escolas dependendo do tamanho da mesma.
EC – E como funciona nos dias de hoje?
João Francisco – A educação popular, como a conhecemos hoje, ainda que alguns intelectuais e sistemas de ensino continuem identificando educação popular com a expansão da escola para os setores populares, começa a ser inventada na América Latina no final da década de 1950 início de 1960, especialmente no Brasil com a instalação do MCP de Recife que se espalhou por outros estados brasileiros, o MEB (Movimento de Educação de Base) da Conferência dos Bispos da Brasil em convênio com a Presidência da República e os CPC (Centros Populares de Cultura) da União Nacional dos Estudantes (UNE) etc.
A educação popular passa a ser identificada com uma Proposta Pedagógica, que partindo das aspirações, frustrações, desejos, projetos e anelos dos diferentes setores da classe trabalhadora, concretiza-se através das mais diversas e diferentes atividades sociais, econômicas, sociais, políticas e religiosas, organizativas, artísticas e de lazer, inclusive das escolas de educação básica e superior. Começa, então, a invenção da Educação Popular, ainda que, por um certo tempo, tenha se desenvolvido por fora das escolas de educação básica e superior. A partir da segunda metade dos 1980, retoma-se a aproximação entre escola e Educação Popular.
EC – Houve algum retrocesso? Qual?
João Francisco – Quaisquer movimentos humanos têm seus avanços e recuos. Diferente não poderia ter sido com a construção da resposta da educação popular, inclusive porque a sua identificação com o movimento socialista da América Latina e contra as ditaduras militares do continente leva-a a sofrer os reveses que experimentaram esses movimentos. Mas, o movimento da educação popular qual Fênix da modernidade/pós-modernidade renasce de suas cinzas e se afirma como uma das propostas pedagógicas (teoria, práticas pedagógicas escolares e não-escolares) mais “esperançadoras” do atual contexto histórico. Ainda que muitos lhes rejeitem o batismo (EDUCAÇÃO POPULAR), assumiram todas as suas intuições básicas e as teorizações que foram sendo elaboradas ao longo do seu percurso. Mas, o maior risco é a sua excessiva institucionalização e apropriação por grupos e governos que não têm uma perspectiva de emancipação humana, de construção da humanidade do ser humano e de todos os seres humanos em todos os rincões da terra e em todas as modulações humanas possíveis.
EC – E quais os avanços na formação do Educador Popular? Houve algum retrocesso?
João Francisco – O debate sobre a formação de educadores e educadoras para a Educação Popular se intensifica a partir da formulação do problema da qualidade de sua prática pedagógica, bem como dos possíveis impactos de suas bases teóricas na educação escolar, e ainda da discussão da necessidade de garantir a dimensão pedagógica em suas práticas diferentes.
Essas questões explicitam a necessidade de melhor formular e resolver o problema da formação de educadores e educadoras que possam tanto interferir nos movimentos sociais populares quanto nas práticas educativas escolares e na formulação de políticas públicas de educação que garantam qualidade de vida para as maiorias latino-americanas.
Assim sendo, a formação dos profissionais da Educação Popular emerge como o desafio mais importante para suas atividades. Não que ela, por si só, seja capaz de resolver todos os problemas da educação, mas sem uma formação adequada dos educadores e das educadoras pouco se conseguirá.
As perspectivas emergentes consubstanciam as exigências acima indicadas e devem ser preocupação e ocupação dos envolvidos com idéias, processos e práticas de Educação Popular. Entre essas exigências está a convicção de que a formação inicial e continuada de educadoras e educadores não pode se restringir a momentos pontuais, mesmo que seguidos. Há necessidade de se conceber um Curso sistemático e orgânico que garanta uma sólida formação a ser desenvolvida de maneira permanente. A formação implica, portanto, tanto o processo intelectual e prático quanto a profissionalização de educadores e educadoras: perspectivas, exigências e desafios que ficaram consagradas na formulação da missão do CEAAL (Conselho de Educação de Adultos da América Latina) em sua IV Assembléia Geral da seguinte maneira:
“Fortalecer as capacidades e a formação integral dos educadores e educadoras populares, para que possam incidir na ação de pessoas, grupos e movimentos sociais, nos diversos âmbitos de sua prática educativa, na promoção de processos socioculturais emancipadores e na elaboração de agendas e políticas públicas em favor da transformação democrática de nossas sociedades e da conquista da paz e dos direitos humanos” .
Essa missão se propõe atingir fundamentalmente a questão da formação/capacidade do educador na suposição de que repercutirá tanto na sua atuação junto às pessoas, grupos e movimentos sociais quanto nas suas reflexões, sem, portanto, perder a perspectiva libertadora apostando que esta pode ser efetivada na transformação democrática de nossa sociedade como condição de efetivar a paz e os direitos humanos.
Na dimensão pedagógica se identificam, entre outros, três grandes problemas além da formação/capacidade da educadora e do educador: a própria teoria educacional (Educação Popular), a qualidade e o resultado dos processos educativos e a relação pedagógica. Problemas que estão necessitando de maior compreensão não apenas dos educadores populares, mas dos educadores de qualquer modalidade educativa. É a educação em todas as suas dimensões e modalidades que se encontra em face de uma necessidade de reinvenção.
EC – Como e quando conheceu o educador Paulo Freire?
João Francisco – Conheci o Prof. Paulo Freire, no idos de 1961, no Movimento de Cultura Popular de Recife (MCP), quando ele se encontrava experimentando o que viria a ser conhecido posteriormente como o Sistema Paulo Freire de Educação. Naquele momento ele coordenava a Divisão de Pesquisa do MCP. E logo, em seguida (1963) passou a coordenador o Serviço de Extensão Cultural (SEC) da Universidade de Recife, a hoje UFPE. A partir do SEC, coordenou a primeira realização massiva de seu sistema em Angicos, Rio Grande do Norte. A partir dessas experiências, forjou a proposta pedagógica que continua sendo a mais completa e consistente teorização da Educação Popular. Essa afirmação não implica que não necessite de confrontação com os problemas atuais que enfrentam os processos educativos escolares e sociais.
EC – Qual a influência dos ensinamentos de Paulo Freire na sua vida e no seu trabalho?
João Francisco – Essa é uma pergunta difícil de responder. Avaliar a influência de uma pessoa e de um pensamento na nossa vida e no nosso trabalho não é coisa simples. Deixemos que outros tentem fazer essa avaliação. Acho muito estranho alguém se denominar freireano, gramsciano, marxista; além de pretensioso, é arriscado. No entanto, posso dizer o que mais me impressiona em Paulo Freire. Primeiramente, sua estatura humana, sua capacidade de respeitar, de ouvir e de prestar atenção no outro. Intelectualmente, sua capacidade de questionar-se, de refletir, de fazer os outros pensarem, seu desejo de rever seu próprio pensamento, de refletir sobre sua prática teórica e sua ação. Se, por acaso, isso aprendi dele, já teria aprendido demasiado.
EC – Em seu trabalho “Atualidade de Paulo Freire: contribuição ao debate sobre a educação na diversidade cultural”, analisa as implicações da diversidade cultural ou pluriculturalidade para a prática pedagógica. Que implicações seriam essas?
João Francisco – O pensamento de Paulo Freire nos vacina, espero que de uma vez por todas, contra o pedagogismo e o politicismo nos processos educativos, propugnando pela politicidade e pedagogicidade da educação, ao tempo que assume uma perspectiva inter/multicultural crítica para as sociedades da pós-modernidade/mundo como feição de uma democracia que combine representação com participação. Essas perspectivas político-pedagógicas proporcionarão as condições para que os processos educativos garantam sua contribuição à formação do sujeito humano que exige colocar a extraordinária competência científico-tecnológica conquistada pela humanidade a serviço da competência humana de todos os seres humanos, nas mais diversas expressões culturais. A competência humana implica eficiência e eficácia econômica e simbólica, em outras relações de poder e de saber.
A pedagogia do oprimido, do saber, da esperança, da autonomia, ou seja, a obra de Paulo Freire propõe uma compreensão integral do ser humano e de sua cultura, da sociedade e da história, como possibilidades e não fatalidades, que engloba as ações, as idéias, as emoções de todos os homens e mulheres em todas as idades e condições, inclusive a luta pela construção da humanidade do ser humano em sua integralidade individual e coletiva, econômica, política e gnosiológica. Propõe uma educação pensada e, sobretudo, praticada, não apenas no nível da formação do sujeito humano individual, mas também do humano coletivo, de tal maneira que garanta a liberdade, constitutiva do ser humano sujeito na construção de si mesmo, e a justiça entre os seres humanos que, organizadamente, conformam novas relações sociais, necessárias ao contexto da pós-modernidade/mundo-inter/multicultural e crítica.
EC – O Brasil é uma país com diversidades culturais dentro das próprias regiões. Quais são as conseqüências disso na Educação?
João Francisco – Uma educação, na perspectiva em que acabo de desenhar algumas características, se faz necessária, em todas as nações, apresentando-se mesmo tão necessária quanto urgente, desafiante pela complexidade dos cenários atualmente existentes. Implica uma democratização ampla, radical, profunda, consistente e criadora das condições de promoção da competência humana de todos os seres humanos em todos os quadrantes da Terra. Faz-se de modo especial necessária, dado o aprofundamento e as sutilezas das dominações, desigualdades econômico-sociais e exclusões culturais predominantes, em todas as dimensões do ser humano e das relações sociais. Uma democratização fundamental implica uma democratização cultural; ou melhor, uma nova feição e um novo dinamismo para a cultura que, por sua vez, não pode se concretizar sem uma atenção especial aos déficits quantitativos e qualitativos de nossa educação escolar que impedem, dificultam ou contribuem para a criação de uma mentalidade democrática, como defende Paulo Freire.
A questão da diversidade cultural evidencia, portanto, o problema das possibilidades e/ou impossibilidades da convivência inter e intragrupal das diferenças étnico-culturais, de gênero, de religiões, de perspectivas políticas, redução das diferenças econômico-sociais e da superação das inclusões perversas. No limite, tratar-se-á de uma democracia ou processo de democratização cuja expressão seria uma sociedade pluti/inter/multi-cultural crítica. Os problemas a serem enfrentados diuturnamente, inclusive nos processos educativos, serão:
– Como as singularidades individuais e grupais vão conviver, sem ser essa convivência uma mera justaposição (pluriculturalidade), mas a conformação de uma comunidade humana em sua singularidade convivendo (multiculturalidade) pelo diálogo (interculturalidade) de tal maneira que todos ganhem e possam se enriquecer material e culturalmente?
– Então, como conceber e manejar o problema das identidades socioculturais que, ao configurar as singularidades, geram as diferenças e, muitas vezes, as desigualdades econômico-sociais?
Inicialmente, é importante salientar que não se está a buscar uma convivência sem conflitividade; mas a entrar em uma luta pela redução, ao máximo, das desigualdades econômico-sociais e exclusões culturais, provocadoras de violências e antagonismos que estão se tornando insuportáveis. Portanto, temos que pensar uma identidade cultural, seja de um indivíduo ou de uma coletividade, não importa o tamanho, como uma construção a partir da convivência com as diferenças singularizadoras e não desequalizadoras de todas e quaisquer naturezas.
EC – A diversidade cultural tem como conseqüência diversos conflitos: ideológicos, étnico-religiosos, de classe, de gênero, entre outros. Mas há, muitas vezes, no conflito, potencialidades e descobertas enriquecedoras. Você poderia citar exemplos de experiências em educação popular em que o conflito oportunizou novos caminhos?
João Francisco – Todas as experiências sérias de Educação Popular têm se desenvolvido nesse confronto. No mínimo se dá um conflito entre os intelectuais e os populares que participam de diferentes culturas (uma predominantemente escrita e a outra predominantemente oral). Mas, talvez, as mais importantes sejam aquelas que constituíram os movimentos sociais populares nas quais se deu o confronto entre intelectuais e populares.
As tensões entre intelectuais e populares têm resultado, entre outras razões, das diferentes conformações e racionalidades de classe, de diferentes níveis de escolaridade e de diversas perspectivas de vida e ideológicas: entre os populares, pela busca de espaço, disputa de liderança, suspeição; entre as organizações de assessoria por divergências ideológicas e busca de poder e prestígio.
Os membros dessas assessorias, que têm sido promotores do começo dos movimentos sociais populares, como revelam e reconhecem alguns dirigentes, numa pesquisa comparativa que realizei entre o Brasil e o México, em determinados momentos da trajetória, têm sido alvo de muitas maledicências. As relações se tornam desagradáveis entre eles, conforme pude constatar, porque põem em risco a autonomia da organização popular ou a própria continuidade do trabalho. Às vezes, a sua preocupação política os leva a aparecer abertamente ao lado das organizações populares, oportunizando críticas muito severas de governos de turno e/ou de intelectuais de direita.
Mas, atualmente, as instituições de assessoria e também as organizações populares, tanto da área urbana quanto rural, parceiras da pesquisa, vivem uma transformação nessas relações e as reconstroem num nível de cooperação mais horizontal. Também estão construindo seus próprios horizontes. Estão as assessorias se conformando num amplo movimento social de “classe média”, com perigos e potencialidades. Desde que continuem se vendo como pólos inseparáveis das organizações populares, no processo de democratização, do processo de transformação social, de inovação cultural e de produção de saberes, é uma perspectiva politicamente importante. Cada segmento social tem seus interesses específicos a promover, além da inserção na construção dos interesses comuns. E, como tais, têm que ir construindo suas especificidades e as inter-relações necessárias, sob pena de prejudicar o próprio processo que desejam construir.
Estão essas assessorias procurando conformar redes para unificar trabalhos, recursos humanos e financeiros, e adequar sua forma de vinculação com os movimentos sociais populares, urbanos e rurais, buscando organizar, juntos, projetos para a cidade, para o campo, para a capacitação dos membros dos movimentos que entram nas administrações municipais, na elaboração, no apoio e monitoramento das políticas sociais, iniciativas de caráter legislativo, questões técnico-ambientais . Mas, conforme estou argumentando, é fundamental a intensificação das relações entre intelectuais críticos e organizações populares, urbanas e rurais.
Depoimentos de vários dirigentes dos movimentos sociais populares identificam a importância de sua relação com as IAMOPs, valorizam sua contribuição. Percebem as causas das dificuldades em suas relações, na falta de clareza dos papéis específicos e, sobretudo, na luta pelo poder, no interior dos movimentos. Cito, só para exemplificar, o depoimento de um dirigente do MST aqui mesmo do Rio Grande do Sul:
Ajudar-nos a relacionar a prática com a teoria é um negócio complicado. Quem já trabalhou mais isso e acredita na nossa ação tem a obrigação de nos ajudar. Tem que apoiar o trabalhador para que ele evolua no conhecimento. O assessor já domina certos conhecimentos que o trabalhador ainda não tem. O conhecimento é uma coisa que tu não podes ficar com ele só para ti. Tem que passar para os outros. Então, o assessor tem uma tarefa importante, fértil: semear esse conhecimento. Mas tem que ter jeito de trabalhar com o camponês. Só a teoria não vai. Tem que levar de uma forma bem-adequada. Há uma grande necessidade de ligação da teoria com a prática e da prática com a teoria. Só o intelectual não vai fazer mudança. Ninguém faz mudança sozinho. Os trabalhadores têm que ir mudando sua cultura, aumentando seu entendimento, aprendendo.
Começam a formular essa relação como uma confrontação necessária, tanto na produção do saber como na construção de um poder social mais desconcentrado e descentralizado. Essa confrontação não é apenas o diálogo de lógicas diferentes, mas de compromissos de vida e de perspectivas ético-políticas diversas e, às vezes, divergentes.