“A verdadeira comunidade entre os homens deve basear-se em interesses de caráter universal. Não são os propósitos particulares do indivíduo, mas os objetivos da humanidade que criam uma comunidade duradoura entre os homens. (…) Quando prevalece esse tipo de união, deve-se levar a cabo até mesmo tarefas difíceis e perigosas, como a travessia da grande água. Porém, para que se possa formar uma tal comunidade, é necessário um líder perseverante e lúcido, que tenha metas claras, convincentes, que desperte entusiasmo e que possua força para realizá-las.”
Não consta que os principais candidatos à sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso sejam dados a leituras esotéricas. Muito menos que subam montanhas para ouvir a palavra de arautos que vivem como ermitões. Os políticos hoje recorrem a magos com outras artimanhas – os especialistas em marketing – para ajudá-los a formular as estratégias de ação. Em vez do embate ideológico, prevalece a construção meticulosa de imagens com base em pesquisas de opinião pública. Ao invés da discussão do conteúdo dos programas de governo, despontam virtudes pessoais dos que ambicionam chegar ao poder. Como decifrar o que está por trás do cenário confuso e incerto de discursos semelhantes, propostas genéricas e promessas vãs da disputa eleitoral?
“Uma das chaves para entender o marketing político é perceber que ele trabalha com elementos objetivos. Não se trata de inventar fantasias, e sim de exagerar e explorar ao máximo traços da personalidade, do estilo e da história de vida do candidato. Portanto, é uma construção sobre a realidade”, afirma o professor de Sociologia da Comunicação de Massa da USP, Álvaro de Aquino Gullo. Um exemplo é o candidato da Frente Trabalhista (PPS, PDT e PTB), apoiado pelo PFL, Ciro Gomes, que num primeiro momento desbancou José Serra, do PSDB, como provável rival de Luís Inácio Lula da Silva (PT), no segundo turno, depois do horário gratuito na TV provou do próprio veneno e acabou caindo novamente. “Ciro fala demais, corta no meio as explanações de interlocutores, é explosivo. A tentativa é transformar uma peculiaridade do temperamento numa demonstração de força política”, assinala Gullo.
A imagem de destemido e valentão foi reforçada para alavancar a subida de Ciro nas pesquisas, por sugestão de Marcos Coimbra, do Instituto Vox Populi, que também assessorou Fernando Collor de Melo na campanha de 1989. Pesquisas qualitativas teriam mostrado que boa parte dos eleitores preferem um candidato com o “estilo” de Collor, sem os “defeitos” do ex-presidente. “Ciro aparece como um falcão, que chega para sacudir a poeira. O discurso não é radical, mas o método é agressivo”, sustenta Aspásia Camargo, professora da Escola Brasileira de Administração Pública da FGV/RJ. “O problema é que ele tem, de fato, pavio curto e perde a cabeça com facilidade”, acrescenta ela. Com o início do horário eleitoral na televisão e no rádio, o candidato amenizou o discurso, temendo perder pontos – na verdade, o destempero programado de Ciro já teria cumprido o papel de ultrapassar Serra e colocar o candidato trabalhista às portas do segundo turno, mas nem a agressividade nem a poderação lhe impediram de perder pontos e empatar com Serra (dados colhidos até o fechamento desta edição, 1º de setembro).