GERAL

Justiça…só para os ricos

César Fraga / Publicado em 15 de novembro de 2004

O mineiro de fala mansa José Murilo de Carvalho é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mas quando o assunto é cidadania e educação, apesar do volume baixo de sua voz, o conteúdo do que diz é chumbo grosso. Ele tem no currículo diversas experiências no exterior, é graduado em Sociologia e Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre, doutor e pós-doutor em Ciência Política pela Stanford University (EUA), e pós-doutor pela London University (Inglaterra), onde se aprofundou em História Latino-Americana. Hoje é Professor do Departamento de História da UFRJ e Coordenador do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da mesma Universidade. É um crítico contumaz da falta histórica de estrutura no ensino em geral e da precariedade da Justiça e das polícias no Brasil, fatores que considera serem determinantes na precarização do acesso aos direitos civis mais básicos da maioria da população, como justiça e proteção à integridade física dos cidadãos mais pobres, fenômeno que, segundo ele, indica que aspectos da cidadania no país vão muito mal e há muitos séculos. A entrevista que segue foi concedida com exclusividade ao Extra Classe no saguão do Everest Hotel durante sua passagem por Porto Alegre para sua palestra no seminário Intérpretes do Brasil, promovido pela Copesul e apoiado pelo Sinpro/RS.

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Foto: René Cabrales

Foto: René Cabrales

Extra Classe – Como anda a questão da cidadania no Brasil?
José Murilo de Carvalho
– O maior problema relacionado à questão da cidadania no momento atual é o fato de que já estamos com 20 anos de redemocratização política no país, no entanto, certas dimensões da cidadania, sobretudo na parte so-cial, continuam sem solução. A tese com a qual eu trabalho é de que da redemocratização para cá o índice de desigualdade no Brasil não se alterou. Há um crescimento lento da renda, mas a distância entre ricos e pobres continua a mesma nesses 20 anos. O Brasil continua sendo um dos piores países do mundo no índice indicador de desigualdade social, ocupando o quarto ou quinto lugar no ranking. Esse é um problema que me preocupou e me levou a recuar no  tempo para tentar  entender  por  que  temos essa enorme dificuldade em alterar essa realidade. Foi isso que motivou a feitura do meu livro Cidadania no Brasil – O longo caminho que propunha um debate amplo e não apenas acadêmico. Na ocasião, utilizei como instrumento de análise a distinção que o Marshall faz dos vários tipos de direito, das várias dimensões da cidadania. Em geral, quando se fala em redemocratização se pensa quase que exclusivamente na parte política. Ou seja, houve uma redemocratização no país logo que acabou a ditadura militar, mas esse é um conceito muito restrito. A cidadania, na concepção de Marshall, não se restringe apenas à questão política, mas expande para os âmbitos civil e social, sem falar em outros que poderiam fazer parte do debate como identidade coletiva. Esse livro foi feito há três anos e nada se alterou, apesar de ter subido ao poder, se não um partido, um presidente que enfatiza, pelo menos na sua propaganda, discursos e no programa do partido, este lado social.

EC – O Governo Lula pode dar alguma resposta mais efetiva a essas questões?
Murilo de Carvalho
– Está para ser visto o resultado disso, mas até agora nada de impressionante ocorreu. Na realidade, o que se fez foi sistematizar um pouco o que já estava sendo feito no governo ante-rior e ampliar este programa. É preciso aguardar até o final do governo para que se possa fazer uma análise mais consistente. E considero isso importante, pois não há democracia política sólida no que se refere à liberdade e participação caso não se produza resultados que tenham a ver com a vida das pessoas. Significa manter a desigualdade entre elas. Devemos lembrar que a maioria dos direitos, vide a CLT, foram adquiridos durante uma ditadura. Agora está posto um desafio, avançar em relação a isso dentro do ambiente democrático sem que as reformas legais impliquem em perda de direitos.

EC – Isso não tem relação com a história democrática brasileira ser muito recente? Afinal, desde que existe a República, o país teve breves períodos de exercício democrático. Isso obviamente reflete na cultura política.
Murilo de Carvalho
– Se formos olhar por esse aspecto, a democracia no Brasil começou em 1930. Antes disso era muito pequena a participação popular nos aspectos referentes à vida política do país. Mesmo tendo direitos civis desde o início, na prática os que gozavam plenamente desses direitos representavam uma parcela pequena da população.

EC – E é assim até hoje, não é mesmo?
Murilo de Carvalho
– Trata-se de uma questão de classe. Os mais privilegiados financeiramente têm mais informação, sabem a quem recorrer, conhecem minimamente as leis e podem pagar advogados. Agora, quando se vai lá embaixo da pirâmide social, nos 80% da população mais pobres, a coisa é muito precária. No Rio de Janeiro, onde moro, nem se fala.

EC – As condições de acesso à proteção da Lei e da Justiça são precarizados para 80% da população do país. É isso que o senhor está afirmando?
Murilo de Carvalho
– Veja bem. Pelo menos 50 milhões de brasileiros vivem abaixo do nível da pobreza (com renda familiar de até meio salário mínimo). Acrescente-se a esse número os que ganham até um salário mínimo. Essa gente obviamente tem problemas de formação educacional e de recursos para ir atrás dos seus direitos. Nas grandes cidades, como Rio de janeiro e São Paulo, a situação é pior. A polícia atua de forma inadequada e o judiciário absolutamente não cumpre seu dever. A Justiça brasileira trabalha com um grau de lentidão absurdo. Tem uma pesquisa feita no Rio de Janeiro em 1997, mas que ainda reflete a realidade. Utilizei ela para embasar minhas posições no meu livro. A pesquisa mostrou que 57% dos entrevistasdos não sabiam mencionar um só direito e só 12% mencionaram algum direito civil. Quase a metade achava que era legal a prisão por simples suspeita.

EC – O que se conclui disso?
Murilo de Carvalho
– Que o fator mais importante no que se refere ao conhecimento dos direitos é a educação. O índice de desconhecimento dos direitos caía de 64% entre os entrevistados que tinham até a 4ª série para 30% entre os que tinham o terceiro grau, mesmo que incompleto. Os dados revelam ainda que educação é o fator que mais bem explica o comportamento das pessoas no que se refere ao exercício dos direitos civis e políticos. Os mais educados se filiam mais a sindicatos, a órgãos de classe, a partidos políticos. Esses são exemplos que podem ser vistos como um termômetro da cidadania.

EC – A tradição da polícia brasileira vem da caserna, com orientação abertamente militar. O senhor já analisou este perfil de nossa polícia e tem um posicionamento bastante crítico em relação às conse-qüências disso no alijamento de direitos dos cidadãos e na ineficácia da ação policial na proteção das pessoas e na aplicação da Lei. O senhor poderia nos explicar seu ponto de vista?
Murilo de Carvalho
– Aqui vocês chamam a polícia de Brigada Militar, correto? Isso não é polícia. É exército. E isso tem uma história. As polícias militares estaduais cresceram durante a Primeira República, com a implantação do federalismo. Os grandes estados, como São Paulo (que tinha até aviões), Minas Gerais (há o episódio de Artur Bernardes que usou a polícia mineira para tomar posse) e o Rio Grande do Sul, fizeram delas pequenos exércitos locais, instrumentos de poder na disputa pela presidência da República. O Exército, após 1930, estabeleceu o controle sobre as polícias militares pois havia brigas entre ambos pelo monopólio da força. Na ditadura Vargas, no Estado Novo, elas ficaram sob jurisdição do Ministério da Guerra (atual Ministério do Exército), que proibiu o uso de armamento pesado. A Constituição de 1946 manteve parcialmente o controle, declarando as polícias estaduais forças auxiliares e reservas do Exército. Durante o governo militar, as polícias militares ficaram sob o comando de oficiais do Exército e completou-se o processo de militarização de seu treinamento. Elas tinham órgãos de inteligência e repressão política, atuando em conjunto com os seus correspondentes nas forças armadas. A Constituição de 1988 apenas tirou do Exército o controle direto das polícias militares, transferindo-o para os governadores dos estados. Elas permaneceram como forças auxiliares e reservas do Exército e mantiveram suas características. Tornaram-se novamente pequenos exércitos que às vezes escapam ao controle dos governadores. Essa organização militarizada tem se revelado inadequada para garantir a segurança dos cidadãos. O soldado da polícia é treinado dentro do espírito militar e com métodos militares para combater e destruir inimigos e não para proteger cidadãos. Ele é aquartelado, responde a seus superiores hierárquicos, não convive com os cidadãos que deve proteger, não os conhece, não se vê como garantidor de seus direitos. Nem no combate ao crime as polícias militares têm se revelado eficientes. Pelo contrário, nas grandes cidades, e mesmo em certos estados da federação, policiais militares e civis têm se envolvido com criminosos e participado de um número crescente de crimes. Os que são expulsos da corporação se tornam criminosos potenciais, organizam grupos de extermínio e participam de quadrilhas. Mesmo a polícia civil, que não tem treinamento militarizado, vem se mostrando incapaz de agir dentro das normas de uma sociedade democrática. É lamentável, pois existe toda uma cultura incutida aí que não serve mais. Na maioria dos países, as polícias tem controle externo; no Brasil, além de elas brigarem entre si, elas insubordinam-se ao Estado e agem sem controle.

EC – E o Ministério Público?
Murilo de Carvalho
– Em tese, segundo a Constituição, a polícia civil está sob controle do Ministério Público. Mas na prática nenhum promotor vai para as delegacias. O que acontece é que muitos promotores do MP passaram a quebrar o monopólio da Polícia Civil nas investigações. Isso permitiu que muitos graúdos fossem algemados. Há excessos, mas isso foi um grande avanço, pois é um fato novo na história do Brasil. Mas a Polícia Civil continua por conta. Se o MP tiver seu espectro de ação restringido pelo Governo essas iniciativas podem se perder.

EC – Os crimes de colarinho podem ficar sem punição novamente?
Murilo de Carvalho
– Sim. Quando o MP incomodava o Fernando Henrique o pessoal que está no poder hoje era a favor das investigações. Agora que são os investigados querem segurar o MP.

EC – E os cidadãos mais humildes continuam desprotegidos?
Murilo de Carvalho
– Esse é um capítulo que tem a ver com direitos civis. Para a classe média o problema não é tão sério, mas para a maio-ria da população é uma questão central e quando se fala em direitos civis se fala da proteção das instituições e dos direitos dos cidadãos. Em primeiro lugar, há uma necessidade de educação. As pesquisas que a gente andou fazendo apontam que as pessoas não conhecem seus direitos, certo? Isso vem de uma longa tradição que vem de Portugal, de descaso pela educação primária e secundária e de ensino superior voltado para a elite. Chegamos ao século 21 com taxas de 30% de analfabetismo. Foi melhorado o problema do acesso à escola em número de matrículas, mas não se avançou na qualidade. Há um atraso histórico de séculos nesse processo. As grandes discussões existentes no judiciário desde o início da República têm a ver mais com relação com divisão de poderes e menos com a eficácia na garantia de direitos. A independência do Judiciário ainda é a pauta há mais de um século.

EC – São discussões corporativas antigas, então? Mas não há avanço?
Murilo de Carvalho
– Sim. Vemos isso no noticiário há muito tempo. Ora um presidente do supremo está às turras com o executivo, ora outro está em lua-de-mel. Somente de uns 10 anos para cá é que começou a existir dentro do Judiciário uma preocupação de ampliação de acesso à Justiça. Para mim particularmente o que interessa é isso, muito mais do que a divisão de poderes. As estatísticas são lamentáveis. A Justiça deveria ter uma espécie de SUS judiciário. Ao invés de Palácios da Justiça deveriam existir varas dentro das comunidades, nas favelas, para tirar a judiciário do castelo. Mas isso é muito difícil, pois há uma resistência muito grande. Porém há avanços, é o exemplo dos juizados especiais, que pretendem simplificar, agilizar e baratear a prestação de justiça em causas civis de pequena complexidade e em infrações penais menores. Essas inovações legais e institucionais foram importantes, e algumas já dão resultado, principalmente na área de direito do consumidor, mas isso é coisa de classe média. Mesmo assim os juizados especiais têm tido algum efeito em tornar a justiça mais acessível, apesar de já enfrentar o interesse corporativo dos advogados e apresentar alguma lentidão. No entanto, pode-se dizer que, dos direitos que compõem a cidadania, no Brasil são ainda os civis que apresentam as maiores deficiências em termos de seu conhecimento, extensão e garantias.

EC – Mas como podemos medir a falta de direitos?
Murilo de Carvalho
– A questão é simples. Por que um cidadão que faz parte dessa maioria pobre vai se preocupar se há censura na imprensa ou se o Congresso é fechado se tudo que lhe importa é apenas sobreviver? A liberdade é questão secundária para ele. Esse indivíduo está excluído de qualquer debate. Isso pode ser medido por pesquisas feitas pelo IBGE. Os dados que tenho são de 1988, mas não mudou muita coisa, inclusive, de lá para cá, deve ter piorado. O IBGE diz que 4,7 milhões de pessoas de 18 anos ou mais envolveram-se em conflitos. Destas, apenas 62% recorreram à justiça para resolvê-los. A maioria preferiu não fazer nada ou tentou resolvê-los por conta própria. Especificando-se o conflito e as razões da falta de recurso à justiça, os dados são ainda mais reveladores. Assim, nos conflitos referentes a roubo e furto, entre os motivos alegados para não recorrer à justiça, três tinham diretamente a ver com a precariedade das garantias legais: 28% alegaram não acreditar na justiça, 4% temiam represálias, 9% não queriam envolvimento com a polícia. Ao todo, 41% das pessoas não recorreram por não crer na justiça ou por temê-la. Os dados referentes aos conflitos que envolviam agressão física revelam que 45% não recorreram à justiça pelas mesmas razões. É importante notar que também nessa pesquisa o grau de escolaridade tem grande importância. Entre as pessoas sem instrução ou com menos de um ano de instrução, foram 74% as que não recorreram. A porcentagem cai para 57% entre as pessoas com 12 ou mais anos de instrução. A pesquisa na região metropolitana do Rio de Janeiro, já mencionada, mostra que a situação não se alterou nos últimos dez anos. Os resultados mostram que só 20% das pessoas que sofrem alguma violação de seus direitos — furto, roubo, agressão etc. — recorrem à polícia para dar queixa. Os outros 80% não o fazem por temor da polícia ou por não acreditarem nos resultados.

EC – A segurança individual é outro fator?
Murilo de Carvalho
– Sim. A falta de garantia dos direitos civis se verifica sobretudo no que se refere à segurança individual, à integridade física, ao acesso à justiça. O rápido crescimento das cidades transformou o Brasil em um país predominantemente urbano em poucos anos. Em 1960, a população rural ainda superava a urbana. Em 2000, 81% da população já era urbana. Junto com a urbanização, surgiram as grandes metrópoles. Nelas, fazer a combinação de desemprego, trabalho informal e tráfico de drogas criou um campo fértil para a proliferação da violência, sobretudo na forma de homicídios dolosos. Os índices de homicídio têm crescido sistematicamente. Na América Latina, o Brasil só perde para a Colômbia, país em guerra civil. A taxa nacional de homicídios por 100 mil habitantes passou de 13 em 1980 para 23 em 1995, quando é de 8,2 nos Estados Unidos. Nas capitais e outras grandes cidades, ela é muito mais alta: 56 no Rio de Janeiro, 59 em São Paulo, 70 em Vitória. Roubos, assaltos, balas perdidas, seqüestros, assassinatos, massacres passaram a fazer parte do cotidiano das grandes cidades, trazendo a sensação de insegurança à população, sobretudo nas favelas e bairros pobres.

EC – O senhor, como professor que é, também tem uma visão bastante crítica da estrutura educacional brasileira, particularmente da universidade privada e do confronto da cultura ibérica católica e da protestante. O senhor acha que a forma como a educação brasileira se estruturou ao longo da história contribuiu para a precarização da cidadania?
Murilo de Carvalho
– A escola pública básica e secundária sem dúvida negligenciou sistematicamente a promoção dos direitos. Já a superior pública segue a herança portuguesa de ser elitista.

EC – E como o senhor define o modelo brasileiro de educação superior privada diante da realidade mundial e do próprio mercado? O senhor, inclusive, critica o excesso de dependência das Instituições privadas das anuidades dos alunos.
Murilo de Carvalho
– Costumo dizer que a escola particular, em nossa tradição, significa negócio. Os ricos só aplicam dinheiro em educação para ter lucro, mesmo que reivindiquem para suas escolas o status de filantrópicas (não-lucrativas). Para piorar, a educação particular é um negócio que se baseia quase que exclusivamente na anuidade paga pelos alunos. É daí que surge o fenômeno das Universidades caça-níqueis, citadas pelo Ministro. Oferecem graduação de baixa qualidade, sem pesquisa e sem pós-graduação. Se não olhássemos tanto para o próprio umbigo, notaríamos que existe outra tradição de Universidade particular, baseada na idéia do negócio como educação. Das 15 melhores Universidades de pesquisa norte-americanas, classificadas anualmente pelo US News and World Report, e que estão também entre as melhores do mundo, todas são particulares. Em 2002, as dez primeiras eram: Princeton, Harvard, Yale, Caltech, MIT, Stanford, Pennsyl-vania, Duke, Columbia, Dart-mouth. Todas recebem dinheiro do governo via contratos de pesquisa. Mas o grosso da receita vem de fontes privadas e doações. O mais importante é que o dinheiro proveniente das anuidades responda por uma parcela menor do orçamento. Em Stanford, fica em menos de 20% e é quase todo gasto em despesas com estudantes. O restante das receitas privadas provém de doações, de rendas patrimoniais e de investimentos. No ano de 2000, 130 Universidades, particulares e públicas, receberam US$ 14,3 bilhões em doações. A melhor colocada nessa lista, Stanford, arrecadou US$ 580 milhões, 13% de seu orçamento total, várias vezes o orçamento de muitas Universidades públicas brasileiras. As doações vêm de algumas fundações e de uma multidão de indivíduos, sobretudo de ex-alunos, que são constantemente bombardeados com pedidos doações.

EC – Mas isso tem uma história.
Murilo de Carvalho
– A maioria das grandes Universidades de pesquisa foi construída a partir do século 18 – com exceção de Harvard, que é de 1636– com base em doações de particulares. Tome-se, como exemplo, a Universidade de Chicago. Seu desempenho é invejável. Fundada em 1890, por ela já passaram, como professores, alunos ou pesquisadores, 73 prêmios Nobel. Desde 1979, dez de seus professores ganharam esse prêmio. No pólo oposto de nossas Universidades particulares, Chicago tem duas vezes mais alunos na pós-graduação (8.500) do que na graduação (4.000). Os alunos são recrutados nos 50 Estados norte-americanos e em 41 países.

EC –Em um artigo o senhor afirma que essas instituições levantaram mais de 14 bi em 2000? Como o senhor explica esse fenômeno e o que falta aos empresários brasileiros da educação?
Murilo de Carvalho
– Esse é um fenômeno típico americano, mas é um bom exemplo de como as coisas podem ou poderiam ser. Talvez se trate de interesse, religião, filantropia… A religião pode explicar parte do fenômeno. As primeiras Universidades eram con-fessionais. No caso de Rockfeller, por exemplo, as convicções batistas influenciaram sua decisão, que fez uma doação inicial para a Universidade de Chicago de US$ 600 mil sob a condição de que se levantassem, dentro de um ano, outros US$ 400 mil para constituir o fundo inicial da Universidade. A con-trapartida dos foi levantada entre os ricos de Chicago e a Universidade começou a funcionar. Rockfeller continuou fazendo doações até 1910, totalizando US$ 35 milhões, soma equivalente, hoje, a cerca de US$ 620 milhões. Mas muitos doa-dores dessas universidades não eram religiosos. Em todos os casos, no entanto, estava presente o sentimento da filantropia, a vontade de usar a riqueza particular para promover o bem coletivo. Entre nós, quando o Estado federal começou a abandonar a educação superior, cresceu também o interesse dos empresários pela área, que hoje dominam. Mas, até agora, esses empresários só se têm interessado pela educação como negócio, nunca colocaram o negócio a serviço da educação, o lucro particular a serviço do interesse público. Falta entre nós a educação do negócio. Qual a razão? Subdesenvolvimento? Miopia social? Instinto predador? Nossa burguesia parece ter espírito capitalista, mas lhe falta ética protestante ou outra qualquer. Deixo essa provocação.

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