Foto: Tânia Meinerz
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É difícil encontrar um cidadão que não tenha precisado dos registros e tabelionatos. (Veja no box as finalidades de cada um.) Começando no nascimento, a relação entre o brasileiro e os cartórios se estende ao longo de toda a vida, com trâmites obrigatórios tanto para registrar as relações afetivas, como o casamento; quanto as comerciais, como a compra de um imóvel. Só para se ter uma idéia, são 20 mil estabelecimentos espalhados nos 5.560 municípios. Porém, o desconhecimento da população sobre as regras de funcionamento é tão comum quanto as exigência para usá-las.
O senso comum é de que os cartórios são hereditários e autônomos, o que é reforçado pela falta de padrão no atendimento. Em Porto Alegre, por exemplo, o consumidor tanto pode ser atendido com o curto tempo de espera de cinco minutos, com direito a cadeiras confortáveis e chamada eletrônica, como ter de se submeter a filas intermináveis a céu aberto, pagando o mesmo preço. Aliás, fila na calçada, debaixo de chuva e frio foi a situação encontrada por nossa reportagem, à qual se submetiam usuários do serviço cartorial em um dos dias mais frio do ano, no 8º Tabelionato de Porto Alegre, na av. João Pessoa. O que poucos sabiam era que a Lei Federal 8.935/94, que regulamenta o setor, prevê que o atendimento deve ser adequado e eficiente. Também desconheciam que denúncias poderiam ser feitas na Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça, órgão responsável pela fiscalização, delegação e a tabela de custo, ou no Fórum.
Foto: Tânia Meinerz
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O juiz-corregedor, José Luiz Azambuja, que coordena a vistoria dessas instituições no Estado, reconhece que há discrepâncias. Segundo ele, o 8º Tabelionato já foi notificado. “Atualmente, está em fase de análise de recurso.” Ele assegura que a inspeção dos 496 registros e tabelionatos gaúchos é feita sistematicamente por um grupo formado por três pessoas. “Não há grandes irregularidades, a maioria é apenas inadequação no arquivamento de documentos”, pontua. Já o presidente do Colégio Notarial do Brasil (entidade que congrega tabeliões), Flávio Fischer, avalia que o acompanhamento deveria ser mais ostensivo. “Já propomos um trabalho conjunto com a Corregedoria”, diz, alertando sobre o direito à qualidade. “Se eu sofresse o que as pessoas sofrem em alguns locais, não aceitaria.”
Inês Dolci, coordenadora de Relações Institucionais da Pro Teste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, ressalta que, como qualquer outra prestação de serviço, o direito a informações claras acerca de preços e a qualidade no atendimento são assegurados no Código de Defesa do Consumidor. “Poderiam ser feitos convênios com Procons para encaminhamentos das queixas”, sugere.
Consumidores reclamam dos preços
Um dos aspectos questionados pela população é o preço. Um levantamento entre os valores cobrados nos estados mostra que, como no atendimento, tem diferença de até 100%. Para uma simples autenticação da carteira de identidade, o brasileiro pagaria R$ 4,00 no Rio Grande do Sul, ou R$ 2,00 na Bahia, onde os serviços são estatizados. O advogado Cláudio Jorge Kohama acredita que nem todos podem pagar os preços cobrados. “Uma procuração para o INSS custa em torno de R$ 15,00 a R$ 20,00. Acho cara”, opina Kohama, lembrando que o salário mínimo é de R$ 300. Em relação a empresas, o contador Nestor Bihel diz que o gasto mensal varia conforme a necessidade dos encaminhamentos. “Mas, quando utilizados, a despesa é expressiva”, atesta. Além do valor, ele pontua que alguns órgãos poderiam exigir o documento original e uma cópia simples. “Era só certificar que o documento realmente está ok”, sugere. Já Abel Brum, proprietário de uma loja de calçados em Gravataí, critica o valor para a retirada de um título protestado. Ele paga cerca de R$ 30 a R$ 40 de custas ao tabelionato por cada um. “Para quem tem um pequeno negócio, é pesado”, reclama.
PEC propõe estatização
No Projeto de Emenda Constitucional 304/2004, a deputada federal Clair da Flora Martins (PT) propõe que estados e municípios assumam a administração desses serviços. A parlamentar critica os custos e a falta de qualidade. “Como os preços são muito elevados, gera a impossibilidade de acesso de grande parte da população, e como há pouca ou nenhuma concorrência, como no caso do registro de imóveis, a qualidade dos serviços prestados é baixa”, ressalta.
E quando o tema é preço, o difícil é o consenso. O presidente do Colégio Notarial, Flávio Fischer, avalia que há distorções tanto de um lado como de outro. Para ele, alguns serviços poderiam baixar os valores e outros, serem reavaliados, como os testamentos. “Independente do trabalho, o preço é o mesmo, seja para a pessoa mais rica de uma cidade ou para quem tiver só uma casa”, destaca Fischer, que também é dono do 1º Tabelionato de Novo Hamburgo. Em relação ao faturamento, Azambuja e Fischer calculam que apenas 10% proprietários de registros e tabelionatos das grandes cidades ganham significativamente. “O restante tem dificuldade, inclusive, de arcar com os custos mensais”, diz o juiz-corregedor, informando que não é possível fazer uma média da arrecadação. “Não retrataria a realidade”, justifica. Ele alega ainda que, em função da gratuidade das certidões de nascimento e óbito a partir de 1997, alguns registradores mal conseguem se manter. Porém, foi constatado pela nossa reportagem que em muitos registros, tanto da Região Metropolitana como do interior do Estado, estavam agregados o Tabelionato de Protesto e o Centro de Registro de Veículos Automotores, cujos serviços não são gratuitos. A possibilidade de administração dos CRVAs é uma espécie de compensação da gratuidade, “oferecida apenas no RS”, diz o juiz-corregedor.
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Já a abertura de registro ou tabelionato depende da vontade da população. Para isso, a comunidade deve solicitar aos vereadores ou ao prefeito. Depois, o pedido é transformado em um projeto na Câmara de Vereadores, e a palavra final caberá ao Tribunal de Justiça que avaliará a necessidade ou não, “considerando critérios como o crescimento populacional e econômico do município”, pontua Azambuja. Após, é aprovado na Assembléia Legislativa.
Os cartórios hereditários
A idéia de que os cartórios passam de pai para filho é decorrente da forma como foram estruturados no país. No período colonial, o cargo era vitalício e doado pelo rei. O professor de História e Metodologia do Direito da USP e da Fundação Getúlio Vargas, José Reinaldo de Lima Lopes, explica que o sistema é herança do Estado Português que, como fazia parcos investimentos na oferta de serviços públicos, criava mecanismos burocráticos privados para compensar sua incapacidade de estar presente em todos os locais. “O Estado sempre fez uso dos particulares para suprir sua fraqueza.” Segundo Lopes, no Império, houve tentativas de estatizar os registros, como em vários países, porém, “interesses econômicos, articulações políticas e a falta de investimento do Estado garantiram a continuidade da estrutura”, destaca.
Para o diretor de Relações Internacionais do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, Lamana Paiva, hoje o processo está mais aberto. Ele explica que, mesmo o ingresso sendo por seleção desde os anos 70, o titular registrador ou tabelião indicava o substituto, o qual poderia requerer a titularidade e que, por isso, ficava dentro da própria família por várias gerações.
Também diferente dos outros países, a obrigatoriedade de usar os serviços é tanta que para brasileiros, residentes em outros países, e estrangeiros, que moram no Brasil, vigora a cultura do carimbo. O francês Vincent Leclercq, residente em Porto Alegre há dez anos, estranha a existência dos registros. “Na França, toda a documentação relacionada à identidade do indivíduo é prestada pelo Estado. Os casamentos também são realizados pelas prefeituras, normalmente pelo próprio prefeito, ou por um suplente”, compara Leclercq. Ele questiona ainda a necessidade de reconhecimento de firma. “Na verdade isso nem passa pela cabeça dos cidadãos, de forma geral, de ter que deixar registrada sua assinatura. Isso fica restrito a negócios envolvendo valores importantes, administrados pelos notaires, tabelião.”
Já a brasileira Patrícia Bohn estranhou a inexistência de cartórios no Canadá, onde está há quatro anos. “Aqui estes processos não são tão burocráticos e sentimos também que as pessoas confiam na gente, na nossa palavra”, conta. Ela diz que, para trocar o nome do proprietário quando se compra um carro, é só levar o documento a um estabelecimento de trânsito. Brasileiros que moram nos Estados Unidos, França e Itália, explicam que nesses países existem apenas notários, que tratam de negócios envolvendo bens e valores, como heranças e vendas de imóveis. Na França, eles, inclusive, compram o cargo junto ao Estado. Já no Brasil, o cargo é uma delegação do Judiciário com o ingresso através de concurso. O professor José Reinaldo de Lima Lopes analisa que a exigência do carimbo também é influência da cultura da desconfiança. “O próprio Estado Português desconfiava desse privado que fazia serviços que deveriam ser assumidos por ele”, pontua, destacando ainda que a impunidade também leva ao descrédito na palavra. “Nos Estados Unidos, se alguém falsificar um documento, com certeza será punido”, frisa Lopes, lembrando que já no Brasil predomina a idéia de que não vai dar em nada.
Modernização facilita o acesso
Enquanto há locais em que o trabalho ainda é quase que totalmente manual, em outros, o consumidor dispõe do que há de mais moderno: foto e impressão digital e escaneamento dos documentos de identificação. O conforto no atendimento e a tecnologia influenciam na avaliação do cliente. Para o funcionário público Jorge Henrique Michel, o serviço é barato, “considerando o investimento em equipamentos”, analisa. O tabelião Fischer pondera que investir na modernização beneficia o usuário e o cartório. “Passo a ter uma segurança e uma rapidez muito maior, evitando, inclusive, as tentativas de fraudes, como a transferência de veículos com documentos falsos”, diz Fischer.
Outro avanço que vem sendo implementado é a solicitação de certidões pela internet. Através do site www.cartorio24horas.com.br, é possível acessar os serviços de cartórios que estão cadastrados no sistema em qualquer parte do mundo, e o documento é enviado pelo correio. Já a certificação digital, quando legalizada, promete mudanças significativas. Ela funcionará através de senha digital, que corresponderá à assinatura. Fischer exemplifica que isso permitirá que a escritura de imóvel seja feita via internet. “O cliente só irá ao cartório uma vez para adquirir o equipamento, menor que uma caneta e, com isso, solicitará qualquer documento do seu computador, com total segurança”, explica.
Via crucis para registrar imóvel
O registrador de imóveis Antônio Vicente Polito orienta sobre os cuidados que o consumidor deve ter ao adquirir um bem. No geral, os preços para legalização arrepiam os consumidores, avalia a corretora de imóveis Amélia Anderle Rocha. Para um imóvel que custou R$ 100 mil, o valor com taxa da prefeitura e custos do tabelionato e registro pode ultrapassar R$ 4 mil.
Veja passo a passo:
1 – Verificar no Registro de Imóveis se não há penhora, hipoteca ou ação na qual o bem esteja como garantia.
2 – Ver no INSS, Receita Federal e no Tribunal de Justiça se há ação tramitando no nome do proprietário. Caso o imóvel seja adquirido enquanto tramita um processo, pode ser requisitado para pagar dívidas.
3 – Após a compra, pagar na prefeitura o ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis), que varia de 2% a 3% dependendo da cidade. Caso a aquisição seja pelo Sistema Financeiro de Habitação, o percentual é 0,5%.
4 – Fazer escritura no Tabelionato de Notas. O consumidor pode optar por tabelião de sua confiança, em qualquer cidade.
5 – Para evitar que o bem possa ser renegociado, registrar no Registro de Imóveis.
Finalidades e responsabilidades dos Tabelionatos e Registros
Registro Civil das Pessoas Naturais: registro e certidões de nascimento, casamento e óbito, etc.
Registro Civil das Pessoas Jurídicas: registro dos atos constitutivos, estatutos e suas respectivas alterações, das sociedades civis, como ONGs, sindicatos, associações e empresas de prestação de serviços.
Registro de Imóveis: registro dos títulos de propriedade de imóveis.
Registro de Títulos e Documentos: registra documentos gerais e é responsável por notificações extrajudiciais, entre outros serviços.
Tabelionato de Notas: lavratura de escritura de imóveis, de escritura de reconhecimento de paternidade, testamentos, autenticação de cópias e procurações, entre outros.
Tabelionato de Protestos de Títulos: protesto de cheques, notas promissórias e duplicatas, etc.
Mais informações: No site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. http://www.tj.rs.gov.br/