O Rio Grande do Sul entrou com toda a força na rota dos megainvestimentos da indústria da celulose. O custo poderá ser a descaracterização definitiva do Pampa gaúcho. O maior temor dos ambientalistas é a possibilidade de ocorrer no Rio Grande do Sul o que aconteceu no Espírito Santo, Uruguai e também no Sul do Chile. Nestes lugares, os chamados “desertos verdes” reduziram a água disponível, extinguiram espécies e também empregos, pois as atividades foram todas mecanizadas. Os investimentos de três grandes indústrias de celulose no Rio Grande do Sul estão tirando o sono da maioria dos ecologistas gaúchos. Empresas estão comprando grandes quantidades de terra na Metade Sul para a monocultura de árvores exóticas. Vários órgãos ligados ao governo do Estado possuem informações diferentes sobre a quantidade de área que será utilizada. Nos próximos dez anos pode chegar a 1 milhão de hectares o total de áreas utilizadas para essa finalidade.
A ex-professora de Educação Física Ana Camila Caringi, de 57 anos, costuma passar os fins de semana em seu sítio de oito hectares em Piratini (RS), na zona Sul do Estado.
Como a família tem terras na região desde o século XIX, a ligação com o local é intensa. Desde a meninice em Pelotas ela adora a paisagem dos campos, as árvores dos capões, os arbustos e as múltiplas pastagens. O gado solto, os pássaros e os animais, como a coruja, que há tempos já não é mais vista por aquelas bandas.
A rica diversidade biológica do Pampa faz dele uma espécie de Amazônia do Rio Grande. Um convívio mais freqüente com esta paisagem pampiana que forjou a cultura do gaúcho está nos planos de aposentadoria de Ana, que há 30 anos trabalha em Porto Alegre na Fundação de Atendimento Socio-educativo (Fase), a ex-Febem, como técnica de recreação. Mas de maneira inesperada, o sonho bucólico da gaúcha foi embaçado por uma imagem exótica: a plantação, em filas, de 256 hectares de eucalipto.
O plantio uniforme, de uma grande indústria de celulose, apareceu ao lado da chácara da funcionária da Fase. As fileiras de mudas chegam bem perto da cerca do Sítio do Chico Pitangueira, tanto que a aplicação de dessecante químico intoxicou a família do capataz. “Eu não sou contra o progresso, mas estas monoculturas precisam ser controladas”, suplica. Ana Carolina procurou o movimento ecológico para tentar mobilizar a imprensa, que, segundo ela, só tem mostrado o lado positivo das novas plantações industriais.
Investimentos pesados na Região Sul
Os investimentos de três grandes indústrias de celulose no Rio Grande do Sul estão tirando o sono da maioria dos ecologistas gaúchos. Enquanto as empresas compram terras na Metade Sul e o órgão ambiental do Estado trabalha na elaboração do Zoneamento Ambiental da Silvicultura para disciplinar os plantios de pínus, eucalipto e acácia, ambientalis-tas alertam que as monoculturas de árvores, ao invés de desenvolvimento, podem aumentar a pobreza na Metade Sul e transformar a cultura do Pampa.
O clima e o solo do Rio Grande do Sul são os principais atrativos para as grandes empresas de celulose. O tempo de rotação chega a ser até 10 vezes menor do que em países nórdicos. Em sete anos a árvore pode ser “colhida”. Além disso, há facilidade de acesso marítimo devido à proximidade do Porto de Rio Grande, domínio tec-nológico para o manejo dos plantios e terras disponíveis. Calcula-se que entre 3% e 6% dos 15 milhões de hectares da Metade Sul poderiam ser ocupados pelas árvores exóticas.
O principal temor dos ecologistas é com a possibilidade de ocorrer no Rio Grande do Sul o que aconteceu no Espírito Santo, Uruguai e também no Sul do Chile. Nestes lugares, segundo os ambientalistas, os chamados “desertos verdes” reduziram a água disponível, extinguiram espécies e também empregos, pois as atividades foram todas mecanizadas. O governo do Estado garante que as empresas só irão se instalar se cumprirem todas as normas ambientais, que ainda não foram definidas.
A ecologista Kátia Vascon-cellos Monteiro, do Núcleo Amigos da Terra Brasil, vê o incentivo às monoculturas de árvores como um retrocesso para o Rio Grande do Sul. “O governo do Estado tinha que incentivar a pecuária no Pampa. Um grupo de pecuaristas inclusive já criou um selo para diferenciar a produção da região. De todas as atividades econômicas, ela é a que menos impacta e foi a que manteve os campos até hoje. O José Lutzenberger já defendia isso”, defende a ambientalista gaúcha.
Movimentos de ecologistas contra a monocultura
Preocupados, os ecologistas gaúchos estão em contato direto com o chamado Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais, uma rede internacional com sede em Montevidéu, no Uruguai, e escritório na Inglaterra, que desde 1998 promove campanhas contra as monoculturas de árvores na América do Sul, África e Ásia. “Estas plantações nunca levam em conta a realidade local e sempre são instaladas com forte apoio dos governos”, avalia Ana Filippini, militante uruguaia da rede.
Entre os danos ambientais denunciados pelo Movimento estão a degradação do solo, que geralmente fica descoberto nos dois anos após a plantação e nos dois anos depois da colheita, a erosão e a compactação gerada pelo uso de máquinas pesadas. Outro grave impacto, apontado por Ana Filippini, é a escassez dos recursos hídricos em função do alto consumo de água necessário para as monoculturas. No Sul do Chile, dois milhões de hectares plantados reduziram a disponibilidade de água para as comunidades.
“O pior de tudo é que todas estas monoculturas de árvores são implantadas apenas para satisfazer o consumo insustentável de papel dos países desenvolvidos. Uma pessoa chega a consumir 320 kg/ano nos Estados Unidos, contra apenas 28 kg/ano no Brasil. Só que os impactos negativos ficam com os países do Sul, como no Uruguai, onde foram plantados 700 mil hectares sem o retorno prometido pelas empresas e pelo governo”, reflete Ana Filippini, do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais.
O termo “reflorestamento” é contestado
No Brasil, também já existe um movimento contra as monoculturas, trata-se da Rede Alerta contra o Deserto Verde, com sede em Vitória, no Espírito Santo. “As grandes empresas de celulose estão comprando áreas brasileiras porque as terras e a mão-de-obra são mais baratas e as árvores podem ser colhidas rapidamente. Além disso, os governos, boa parte da academia e a imprensa apóiam”, analisa o holandês Winfridus Overbeek, um dos militantes da rede que acompanha os danos causados pelas plantações de pínus e eucalipto.
Overbeek questiona os termos “reflorestamento” e “plantio de florestas” usados pela indústria da celulose. “Esta é uma simplificação grosseira. Áreas tomadas por pínus e eucalipto não são florestas, mas plantios industriais de árvores exóticas. Na verdade, são imensos desertos verdes”, compara o ecologista. O termo plantio de florestas foi importado da Europa, onde as florestas não têm a rica diversidade encontrada no Brasil.
No Espírito Santo, cinco rios foram desviados para abastecer o maior complexo de produção de madeira para celulose do mundo. Há, segundo Overbeek, escassez de água em diversas comunidades. Outro problema acompanhado pela rede é o aumento do desemprego nestas regiões ocupadas pelas plantações de árvores exóticas. “Muitos desempregados estão sobrevivendo dos restos dos eucaliptos, que usam para produzir carvão. Eles são perseguidos pelos seguranças privados e pela polícia”, relata.
Tecnologia e omissão dos riscos
A chegada da Stora Enso no Rio Grande do Sul tem espantado o jornalista Júlio César Prates, do jornal A Hora de Santiago. Ele conta que existe uma euforia na região em função dos investimentos que a empresa vem realizando. “Só em Santiago, eles já compraram 9.800 hectares de fazendas, e estão seduzindo a mídia regional que nada publica sobre os riscos ambientais destas monoculturas. Também estão comprando terras em São Francisco de Assis, Manuel Viana, Alegrete e Cacequi”, relata o jornalista.
Para o presidente da Comissão de Agricultura do Rio Grande do Sul, Elvino Bohn Gass, as monoculturas de árvores estão sendo vendidas pelo governo do Estado como uma salvação, da mesma forma que aconteceu com o capim Anoni e a soja transgênica. “A pobreza da Metade Sul se deve à baixa diversidade produtiva e à concentração de terra. A solução não pode ser mais uma monocultura e a concentração de terras na mão de grandes empresas de celulose”, questiona o deputado petista.
“O governo do Estado está trabalhando para garantir projetos de florestamento com sustentabilidade. Estamos exigindo o cumprimento da legislação ambiental”, garante o agrônomo Floriano Isolan, coordenador do Comitê Executivo do Arranjo Produtivo de Base Florestal do Rio Grande do Sul, criado em dezembro de 2004.
“Este é um caminho que estamos encontrando para mudar a capacidade de rentabilidade da terra na Metade Sul, a região mais pobre do Estado”, justifica o secretário do Desenvolvimento e dos Assuntos Internacionais, Luis Roberto Ponte.
Zoneamento disciplinará plantio
O diretor da Divisão de Planejamento e Diagnóstico da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), Jackson Muller, anunciou aos ecologistas gaúchos que em quatro meses será concluído o levantamento de dados para o Zoneamento Ambiental da Silvicultura. O estudo vai dizer onde e como podem ser plantadas e manejadas as árvores exóticas.
De acordo com as estimativas do órgão, a Aracruz, a Votorantim e a multinacional sueca-finlandesa Stora Enso juntas pretendem plantar 160.000 hectares de árvores exóticas nos próximos dez anos. A Fepam determinou à empresa que continue desenvolvendo projetos para diminuir os impactos negativos da atividade. Os dados da Fepam são diferentes das informações divulgadas pelo próprio governo do Estado. De acordo com as notícias publicadas no site da Caixa RS (www.caixars.com.br), a área plantada com árvores exóticas – pínus, eucalipto e acácia negra – no Rio Grande do Sul deve subir para um milhão de hectares nos próximos dez anos. Além das plantações financiadas pelo ProFlora, também estão previstos plantios próprios das empresas Votorantim, Aracruz, Stora Enso, Isdra, Satipel, Cambará, Unidos, Tanac e Seta.