Foto: Tânia Meinerz Foto: Tânia Meinerz
O boom vivenciado pela Educação Superior a partir de 1996 se assemelha à corrida pelo ouro. A flexibilização das exigências para a entrada da iniciativa privada, implementada no segundo mandato do governo FHC, com a promulgação da LDBEN, atraiu de tal forma o interesse do mercado que o setor contabiliza taxas na ordem de três dígitos. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), o número de instituições privadas aumentou no país em 151,6%, passando de 711 para 1.789, no curto período de 1996 a 2004. Segundo dados do Ministério da Educação (MEC), existem hoje no Brasil cerca de 2.300 instituições, entre privadas e públicas. A rede particular representa 89,9% do total, com 2.135 unidades de ensino.
Jaime Giolo, coordenador-geral de Estatísticas da Educação Superior do INEP, avalia que a expansão geográfica já aconteceu. “Mesmo as cidades de pequeno porte, de 20 mil habitantes ou menos, já contam com uma faculdade”, relata. A principal característica dessa ampliação é que, além de ser marcada pela criação de novos estabelecimentos do terceiro grau e de novos cursos, veio acompanhada de uma avalanche de pequenas instituições. “Essas abriram todos os cursos que puderam, obrigando as universidades a fazerem o mesmo, sob pena de perderem sua tradicional hegemonia no contexto da Educação Superior brasileira”, avalia.
O aumento exponencial dos cursos de graduação mostra a voracidade com que os investidores entraram no setor. Em apenas oito anos, a partir de 1996, a oferta praticamente quadruplicou, saltando de 3.666 para 12.382. E como é típico de um crescimento desordenado, no qual o mercado dita as regras, teve um inchaço nas graduações que requerem menos investimentos. Dados do INEP de 2004 mostram que 52,2% das matrículas se concentravam em apenas seis opções – Administração, Direito, Pedagogia, Engenharia, Letras e Comunicação. “Na apressada conquista do mercado educacional, a iniciativa privada forçou a ancoragem da expansão em poucos cursos, o que causou um desequilíbrio enorme no panorama das ‘vocações’ profissionais dos jovens brasileiros”, alerta Giolo.
Como um vendaval, as ofertas de pós-graduações lato sensu cresceram de tal forma a ponto de os Conselhos Municipais e Estaduais pressionarem o MEC por mais rigidez na regulação. Vitalina Gonçalves, membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, diz que foi uma avalanche assustadora, porque a certificação é requisito para ascensão no plano de carreira dos municípios e estados. “É comum estabelecimentos de outros estados abrirem cursos no RS sem garantir o mínimo de qualidade. E os professores tendem a optar pelos mais baratos e próximos de casa”, ressalta.
Por Stela Rosa
Editorial
Incongruências e contratualidade
Diferentemente da Educação Básica que vive uma trajetória de redução de alunos há vários anos, a Educação Superior começou a viver um novo momento, mais recentemente, marcado não pela redução de alunos, mas pela redução do crescimento do seu aporte e dos créditos contratados.
Além dos fatores externos, por conta das limitações da clientela e das políticas públicas para o setor, uma nova vertente de questões internas às instituições também se constituiu no cenário. Há ainda o fato de a Educação Superior ser oferecida em diferentes tipos de instituições, distintas justamente pela diversidade das exigências legais para o seu funcionamento, tamanho de suas estruturas físicas e de pessoal e de possibilidades de relação com a sociedade: universidades, centros universitários, faculdades integradas e institutos superiores de educação.
As universidades e os centros universitários têm autonomia. Podem criar cursos, inclusive, fora da sua sede, no caso das universidades. Em contrapartida estão submetidas a exigências maiores quanto à titulação dos seus professores; precisam implementar pesquisas e atividades de extensão para que parte do corpo docente tenha tempo integral na instituição – o que é também exigência para os centros universitários. Das instituições isoladas se espera apenas ensino à base de poucas exigências. Sem dúvida, é mais caro ser universidade. Mas todos querem ser!
O último período foi marcado pela continuidade da política de credenciamento quase indiscriminado de novas instituições e autorização de novos cursos, com condições de oferta cada vez mais questionáveis. Esta quase permissividade oficial para a oferta de cursos presenciais atingiu seu paroxismo com o credenciamento de um número imenso de instituições para a oferta de Educação a Distância – EaD.
E assim temos hoje uma proliferação de ofertas de cursos de instituições de cuja existência até então nem sabíamos, muito menos, do vigor e dinamismo que alicercem projetos de expansão para abranger o país inteiro. E a qualidade vai ficar mais uma vez para ser aferida no processo num claro “faz-de-conta” que ignora a condição de “caça-níqueis” da maioria delas. A intenção oficial, ao que parece, está a serviço de uma melhoria nas estatísticas do país quanto ao número de portadores de diplomas de curso superior, historicamente inferior, até mesmo aos dos nossos vizinhos sul-americanos.
Por outro lado, também, é verdade que vem aumentando a oferta pública, o que é objetivamente uma novidade: Uergs, Unipampa e a transformação da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre em Universidade Especializada, além de várias extensões de campi de universidades já existentes.
É este quadro complexo do setor que tenciona a contratualidade dos professores com as instituições e tem levado os representantes das principais universidades a liderarem as comissões de negociação do Sinepe/RS, pautando a resistência a qualquer avanço nas condições de trabalho e a intenção, inclusive, de retirar conquistas históricas dos docentes.
No plano interno das instituições, particularmente das universidades e centros universitários, trava-se hoje acirrada disputa, mais ou menos evidente dependendo da condição mais privada ou mais comunitária da instituição, e cujos resultados se expressam em elevado número de demitidos ou em propostas de alterações dos planos de carreira das instituições.
É neste cenário, marcado por uma instabilidade sem vislumbres de reversão, que o Sinpro/RS pretende conduzir sua política de defesa de direitos e postos de trabalho, o que exigirá muita negociação, mas fundamentalmente informação e compreensão de toda a categoria para sua participação e decisão nas instâncias próprias e nos momentos específicos que a dinâmica do processo criar.
Direção Colegiada
Sinpro/RS
Modelo não prioriza qualidade
Seguindo a tendência do país, a Educação Superior privada no Estado também cresceu exponencialmente. Pesquisa realizada pelo Dieese – Subseção – Fetee-Sul constatou que, de 1996 a 2004, o crescimento foi de 130% no número de alunos matriculados, 193% no de ingressantes e 94,7% no de instituições, enquanto nesse mesmo período o PIB do país cresceu 21,6%. Essa expansão tem se dado com tal rapidez que, quando foi publicada a matéria “Universidades que não param de crescer”, na edição de abril de 2000 do Extra Classe, havia 44 instituições privadas de terceiro grau. Atualmente, somando as Universidades, Centros Universitários, Faculdades Integradas, Faculdades, Institutos Superiores de Educação, Centro de Educação Tecnológica, são 74.
E enquanto as matrículas aumentavam, as grandes obras passaram a fazer parte do cenário. Animados com o crescimento médio no aumento das taxas, de 10% na época, as universidades passaram a investir na ampliação da estrutura física e de novos campi e núcleos. Para se ter idéia do acréscimo da demanda, em 1998, as matrículas totalizaram 154.981. Em 2004, foram 274.350, conforme o Dieese.
Na contrapartida desse desempenho promissor, o ensino privado foi invadido pelos mais variados tipos de instituições, desde as que primam pela excelência do ensino, passando pelas que ofertam cursos de baixa ou duvidosa qualidade e os casos mais sérios das que atuam como meros fornecedores de diplomas e certificados, obviamente com preços diferenciados. Paula Caleffi, diretora da Pós-Graduação da Unisinos, avalia que o setor foi entregue à própria sorte. “O governo se absteve da regulação, acreditando que o próprio mercado se encarregaria de quebrar as que não tivessem qualidade. Isso é uma ilusão do liberalismo. Vemos muitas instituições abrindo sem nenhuma condição, mas já deixando uma quantidade de alunos prejudicados. Não é justo com as pessoas que compraram um sonho e nem com as instituições que trabalham com seriedade.” A mesma opinião é compartilhada por Gilmar Bedin, presidente do Comung e reitor da Unijuí. “Temos reivindicado um marco regulatório mais adequado, com acompanhamento mais direto do MEC. A oferta de cursos sem qualidade pode significar retrocesso, principalmente nos de Pedagogia que, inclusive, coloca em risco a Educação Básica. Esses formandos estarão em sala de aula, ensinando as próximas gerações”, pontua.
E a qualidade é exatamente o nó do modelo adotado para expansão da Educação Superior. Na liberalização do setor para a iniciativa privada, as normas para a abertura de instituições e cursos acabam se restringindo a aspectos burocráticos e falta averiguação da qualidade. As regras do MEC, que junto com o Conselho Nacional de Educação credencia e autoriza o funcionamento, deixam brechas para atuações ilegais. A autorização de cursos leva de dois a três anos para ser concedida, e a verificação geralmente acontece quando os alunos já estão praticamente concluindo o curso. É esse vácuo que possibilita a ocorrência de casos como da ITP Empreendimentos Educacionais Ltda. e da Faculdade da Bahia (Faba), ambas em Salvador, divulgados no site da Universia (www.universia.com.br). Em 2002, a “faculdade” da ITP, que sequer era credenciada pelo MEC, funcionava com cinco cursos sem autorização e reconhecimento, lesando 400 alunos. Mesmo drama foi vivenciado pelos 200 estudantes da Faba. Apesar de não obter o seu pedido de credenciamento, a instituição “formou” seis turmas com 30 a 40 alunos cada. Longe de serem casos isolados, em 2004 o MEC acionou a polícia federal para fechar seis instituições que funcionavam sem registro ou autorização nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Piauí e Ceará. Além de casos de irregularidades, também disputam o mercado aquelas que, mesmo legalizadas, não têm qualidade, desrespeitam as exigências e atuam como meras “fornecedoras” de diplomas e certificados.
À espera de regulação
Com a concepção de que o próprio mercado se auto-regularia, poucos instrumentos foram criados para separar o joio do trigo, e um deles foi o Exame Nacional de Cursos, o Provão. Com o exame, os cursos são avaliados a partir do desempenho dos alunos. Sérgio Franco, presidente da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes) analisa que os métodos vêm sendo verificacionais, restringindo-se a checar se a instituição tinha condições ou não de ofertar o curso. “Não havia uma avaliação qualitativa, e os prazos para a renovação de credenciamento eram longos”, pontua. À frente da comissão que está implantando o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), criado em 2003, ele explica que a primeira etapa, já iniciada, é uma auto-avaliação da instituição. A seguinte será o trabalho in loco que será feito por 2,5 mil avaliadores. “O objetivo é visitar todas as instituições até o final do ano, com prazo de três anos para concluir o processo.” Ele acredita que o Sinaes repercutirá na qualidade. “As instituições que estiverem fora do padrão assinarão um termo de compromisso, com prazos para a adequação e com a exigência de recadastramento. Vivemos num momento de transição de um modelo em que era muito fácil abrir uma instituição, e o controle, muito pequeno”, avalia.
Mário Pederneiras, diretor de Supervisão da Educação Superior do MEC, diz que havia uma necessidade inquestionável de ampliação. “O país estava em uma posição de fragilidade, com apenas 9% dos jovens de 18 a 24 anos na Educação Superior. O problema foi falta de mecanismos regulatórios”, justifica. Ele acredita que o Sinaes pode ser um divisor de águas porque engloba um processo permanente de avaliação, regulação e supervisão. “Aprovado no Congresso, o projeto é uma lei que independe de governos”, frisa.
Para os representantes das instituições, o Sinaes é bem-vindo. Mas eles insistem na urgência de medidas regulatórias. “Ele é interessante, mas muito demorado. Enquanto isso, o afrouxamento continua”, ressalta Gilmar Bedin, da Comung. A urgência é justificada pelos números: de 15 de outubro a 30 de abril deste ano, foram credenciadas 51 instituições particulares. Já o economista e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Salomão Quadros, acredita na eficiência do mercado, mas concorda com a importância de mais exigências para inibir casos vergonhosos de venda de diploma. Ele destaca que é positivo o aumento dos índices de graduação, mesmo que em alguns casos ele fique abaixo da qualidade. Segundo Quadros, isso é inevitável. “Muita gente vai ficar com a graduação muito elementar, superficial. O mercado vai oferecer o que a população pode pagar”, projeta.