O futuro da floresta
Um dos sonhos mais acalentados pelo líder seringueiro Chico Mendes está sendo retomado com força pelas organizações dos movimentos sociais no Brasil. Vinte anos depois de sua criação, a Aliança dos Povos das Florestas volta à cena política do país erguendo as bandeiras da conservação da biodiversidade, da redução da pobreza e da adoção de um modelo de desenvolvimento sustentável. A rearticulação das três grandes redes – o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), berço político de Mendes, e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) – foi selada durante o II Encontro dos Povos das Florestas, que ocorreu entre 18 e 23 de setembro, em Brasília.
A reaproximação das organizações coincide com a proximidade do aniversário de 20 anos do assassinato do líder seringueiro. Mas não se trata apenas de acaso. A volta da Aliança dos Povos da Floresta é uma reação ao avanço de atividades predatórias como o agronegócio, o corte de madeira, a criação de gado e de grandes projetos de infra-estrutura sobre a Amazônia – a maior floresta do mundo – e sobre outros biomas como a Caatinga, o Cerrado, o Pantanal, a Mata Atlântica e o Pampa. “A nossa articulação renasce ampliada e fortalecida. Percebemos que as ameaças são comuns a todos os biomas. Não faz sentido lutarmos separados”, afirma o coordenador-geral da Coiab, Jecinaldo Sateré Mawé, que lidera 165 povos indígenas e 75 organizações regionais.
A crítica ao agronegócio vem também de dentro do governo federal. O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, disse que o Brasil não vai viver apenas do agronegócio. “Precisamos pensar o futuro de outra forma, compatibilizando crescimento e biodiversidade”, disse.
O encontro dos povos reuniu, durante seis dias, no Centro de Convenções Ulissses Guimarães, cerca de 10 mil índios, seringueiros, pescadores artesanais, quilombolas, extrativistas e quebradeiras de coco, além de representantes de governos, organizações não-governamentais e instituições internacionais. Para o presidente do CNS, Júlio Barbosa, a reunificação da Aliança é resultado do amadurecimento das organizações. “Nesses 20 anos, mesmo distanciados, tivemos várias conquistas. Hoje, só unificados seremos fortes para enfrentar as ameaças à nossa sobrevivência”, explica. Ele cita entre esses avanços a identificação de 107 milhões de hectares de terras indígenas e dos mais de 20 milhões de hectares de Unidades de Conservação de Uso Sustentável.
À frente do GTA e de suas 630 organizações na região amazônica, Alberto Catanhede Lopes afirma que a gravidade dos efeitos das mudanças climáticas “acordou os movimentos”. Para ele, o modelo de desenvolvimento predatório em vigor no país precisa ser substituído. “Do contrário, em 20 anos, não haverá mais floresta. A pressa do lucro só agrava o conflito no campo, o desmatamento, e aumenta a grilagem e a corrupção”, adverte.
DIAGNÓSTICO – Há motivos reais para se preocupar. Com base em um diagnóstico apresentado em recente Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, em Curitiba, o diretor do Instituto de Ecologia Política do Chile, Bernardo Reyes, disse que desde 1961 o ser humano triplicou o uso dos recursos naturais da Terra. Representa uma queda de 30% da biodiversidade mundial. Segundo Reyes, hoje só há dois cenários possíveis: a sustentabilidade ou o colapso dos ecossistemas.
Chico Mendes já defendia a sustentabilidade
Chico Mendes enxergou, antes de todos, que a única forma de garantir a sobrevivência dos povos era através do desenvolvimento sustentável, lembra a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. No encontro, ela disse que há condições técnicas de superar os problemas climáticos no mundo. “Para isso, é preciso um compromisso ético de que vamos usar todo nosso conhecimento para reverter esse processo”, afirmou. A ministra ressaltou, ainda, que a disputa em torno do modelo de desenvolvimento dentro do governo e na sociedade está apenas no começo. “Mas é um debate inevitável.”
Segundo Marina Silva, o governo Lula tem adotado políticas para combater as causas das mudanças climáticas na Amazônia e melhorar a qualidade de vida dos povos na região. Exemplificou como avanços “os 18
milhões de hectares em reservas extrativistas criadas nos últimos quatro anos, a homologação de 10 milhões de hectares em terras indígenas e a redução em 50% (2004–2007) do desmatamento na Amazônia. “Mas o governo não pode ter a pretensão de fazer sozinho as mudanças necessárias. Afinal, um país com 500 anos de exploração insustentável de seus tesouros florestais precisa de grande esforço para interromper o processo de degradação”, disse a ministra.
Os principais líderes da Aliança reconhecem o esforço do governo Lula, que consideram “mais aberto que os anteriores”. Na mesma semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi a São Miguel da Cachoeira (AM) para lançar o Programa de Proteção das Terras Indígenas. Anunciou investimentos de R$ 505,7 milhões até 2010 para melhorar as condições de vida das comunidades indígenas. O diretor do Memorial Indígena, Marcos Terena, entretanto, disse que programas de governo não são concessões. “Na verdade, o governo paga em doses homeopáticas as prestações de tanta violência aos povos indígenas.” (TR)
O futuro da floresta
Um dos sonhos mais acalentados pelo líder seringueiro Chico Mendes está sendo retomado com força pelas organizações dos movimentos sociais no Brasil. Vinte anos depois de sua criação, a Aliança dos Povos das Florestas volta à cena política do país erguendo as bandeiras da conservação da biodiversidade, da redução da pobreza e da adoção de um modelo de desenvolvimento sustentável. A rearticulação das três grandes redes – o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), berço político de Mendes, e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) – foi selada durante o II Encontro dos Povos das Florestas, que ocorreu entre 18 e 23 de setembro, em Brasília.
Por Theo Rochefort (Textos) e Paulino Menezes (Fotos)*,
de Brasília
reaproximação das organizações coincide com a proximidade do aniversário de 20 anos do assassinato do líder seringueiro. Mas não se trata apenas de acaso. A volta da Aliança dos Povos da Floresta é uma reação ao avanço de atividades predatórias como o agronegócio, o corte de madeira, a criação de gado e de grandes projetos de infra-estrutura sobre a Amazônia – a maior floresta do mundo – e sobre outros biomas como a Caatinga, o Cerrado, o Pantanal, a Mata Atlântica e o Pampa. “A nossa articulação renasce ampliada e fortalecida. Percebemos que as ameaças são comuns a todos os biomas. Não faz sentido lutarmos separados”, afirma o coordenador-geral da Coiab, Jecinaldo Sateré Mawé, que lidera 165 povos indígenas e 75 organizações regionais.
A crítica ao agronegócio vem também de dentro do governo federal. O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, disse que o Brasil não vai viver apenas do agronegócio. “Precisamos pensar o futuro de outra forma, compatibilizando crescimento e biodiversidade”, disse.
O encontro dos povos reuniu, durante seis dias, no Centro de Convenções Ulissses Guimarães, cerca de 10 mil índios, seringueiros, pescadores artesanais, quilombolas, extrativistas e quebradeiras de coco, além de representantes de governos, organizações não-governamentais e instituições internacionais. Para o presidente do CNS, Júlio Barbosa, a reunificação da Aliança é resultado do amadurecimento das organizações. “Nesses 20 anos, mesmo distanciados, tivemos várias conquistas. Hoje, só unificados seremos fortes para enfrentar as ameaças à nossa sobrevivência”, explica. Ele cita entre esses avanços a identificação de 107 milhões de hectares de terras indígenas e dos mais de 20 milhões de hectares de Unidades de Conservação de Uso Sustentável.
À frente do GTA e de suas 630 organizações na região amazônica, Alberto Catanhede Lopes afirma que a gravidade dos efeitos das mudanças climáticas “acordou os movimentos”. Para ele, o modelo de desenvolvimento predatório em vigor no país precisa ser substituído. “Do contrário, em 20 anos, não haverá mais floresta. A pressa do lucro só agrava o conflito no campo, o desmatamento, e aumenta a grilagem e a corrupção”, adverte.
DIAGNÓSTICO – Há motivos reais para se preocupar. Com base em um diagnóstico apresentado em recente Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, em Curitiba, o diretor do Instituto de Ecologia Política do Chile, Bernardo Reyes, disse que desde 1961 o ser humano triplicou o uso dos recursos naturais da Terra. Representa uma queda de 30% da biodiversidade mundial. Segundo Reyes, hoje só há dois cenários possíveis: a sustentabilidade ou o colapso dos ecossistemas.
Chico Mendes já defendia a sustentabilidade
Chico Mendes enxergou, antes de todos, que a única forma de garantir a sobrevivência dos povos era através do desenvolvimento sustentável, lembra a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. No encontro, ela disse que há condições técnicas de superar os problemas climáticos no mundo. “Para isso, é preciso um compromisso ético de que vamos usar todo nosso conhecimento para reverter esse processo”, afirmou. A ministra ressaltou, ainda, que a disputa em torno do modelo de desenvolvimento dentro do governo e na sociedade está apenas no começo. “Mas é um debate inevitável.”
Segundo Marina Silva, o governo Lula tem adotado políticas para combater as causas das mudanças climáticas na Amazônia e melhorar a qualidade de vida dos povos na região. Exemplificou como avanços “os 18
milhões de hectares em reservas extrativistas criadas nos últimos quatro anos, a homologação de 10 milhões de hectares em terras indígenas e a redução em 50% (2004–2007) do desmatamento na Amazônia. “Mas o governo não pode ter a pretensão de fazer sozinho as mudanças necessárias. Afinal, um país com 500 anos de exploração insustentável de seus tesouros florestais precisa de grande esforço para interromper o processo de degradação”, disse a ministra.
Os principais líderes da Aliança reconhecem o esforço do governo Lula, que consideram “mais aberto que os anteriores”. Na mesma semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi a São Miguel da Cachoeira (AM) para lançar o Programa de Proteção das Terras Indígenas. Anunciou investimentos de R$ 505,7 milhões até 2010 para melhorar as condições de vida das comunidades indígenas. O diretor do Memorial Indígena, Marcos Terena, entretanto, disse que programas de governo não são concessões. “Na verdade, o governo paga em doses homeopáticas as prestações de tanta violência aos povos indígenas.” (TR)
A quebradeira de cocos de Bom Lugar
Aos 67 anos, Raimunda Gomes carrega no rosto e nas mãos as marcas de uma vida de luta pela sobrevivência. Em Bom Lugar, onde nasceu, uma localidade encravada no sertão do Maranhão, conheceu a fome, a violência e o desamparo do Estado. Por ironia ou desgraça, as pessoas que viviam em Bom Lugar não tinham acesso a atendimento médico, educação ou energia. “Quando alguém adoecia, o que era comum, era carregado em uma rede por mais de quatro horas, até a cidade mais próxima. Muitas vezes, não resistia”, conta.
Raimunda quebrou coco de babaçu e trabalhou na roça. Com o apoio de frei Mauro, buscou ajuda para combater a hanseníase e a prostituição. Sem saber, o inconformismo com a miséria e com a exploração forjava a líder que, no final dos anos 70, começaria outra luta, desta vez, contra pistoleiros e grileiros do Tocantins.
Mãe de sete filhos, um adotivo, Raimunda foi viver em São Miguel do Tocantins, na região do Bico do Papagaio. Chegou em má hora. A violência pela posse da terra açoitava os trabalhadores. A quebradeira de coco, que vencera o analfabetismo, assumiu mais um desafio: organizar as trabalhadoras em um sindicato.
Teve muitos companheiros, vários deles abatidos durante a luta. É o caso do padre Jósimo Tavares, morto em maio de 1986 a mando de proprietários rurais. “Era um grande companheiro, que faz muita falta. Eu fui a última pessoa a falar com ele antes de sua morte”, lembra a atual presidente do Memorial Chico Mendes.
Mas Raimunda sempre soube transformar o sofrimento em coragem. Há 37 anos no movimento das trabalhadoras do campo e há 12 no Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), berço político do seringueiro, ela ainda leva sua experiência a milhares de trabalhadoras rurais. A fisionomia risonha decora seu rosto sempre que relata as inúmeras vitórias alcançadas. Mas quando perguntada sobre os desafios ainda não vencidos, a líder muda o semblante e dispara: “Temos que resolver a questão fundiária e impedir a devastação das florestas neste país. Os efeitos das mudanças climáticas afetam primeiro o pobre, que é a maioria. Essa é a crueldade”.
Apesar dos obstáculos, Raimunda não desiste de combater a injustiça social no país. Sempre de forma negociada, ressalta, mas de forma implacável: “Nós não lutamos para enriquecer o pobre ou empobrecer o rico. Lutamos apenas para acabar com a fome da maioria”, discorre. “No Brasil, quando aumentam impostos, os ricos gritam. Os pobres, que sentem fome, gritam, mas ninguém ouve. Não é pra ser assim. Um dia isso tem que mudar!” (TR)
Folha de tucumã é fonte de renda
A folha da palmeira tucumã se transforma em fonte de renda e registro cultural nas mãos das artesãs do projeto TucumArte, desenvolvido na comunidade ribeirinha Urucureá, região do Rio Tapajós (PA). As cestarias foram um dos destaques da mostra de produtos sustentáveis do II Encontro dos Povos das Florestas.
A palha é obtida do manejo sustentável da Amazônia e tingida com tons vibrantes por meio de uma técnica de pigmentação que segue tradições caboclas. Os corantes são todos naturais, como o urucum, o mangarataia, o genipapo, o crajiru e a capiranga. O acabamento é cuidadoso, feito com fios de curauá. Para completar, uma pitada de delicadeza e design.
Os produtos levam o selo FSC, que atesta o uso de técnicas e normas éticas, sociais e ambientais. Atualmente, 37 mulheres trabalham na confecção das peças. Do dinheiro arrecadado, 70% fica com a artesã e 15% vai para um fundo rotativo que ajuda a comunidade em projetos de saúde materno-infantil, infra-estrutura e pequenos empréstimos. Os outros 15% são destinados à remuneração dos profissionais envolvidos na parte administrativa. Desde o início do trabalho coletivo, a remuneração cresceu 80%. (Gisele Teixeira)
O líder histórico
Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançava o Programa de Proteção das Terras Indígenas, na inóspita São Gabriel da Cachoeira, interior do Amazonas, na capital federal, o coordenador da Rede Povos da Floresta, Ailton Krenak, questionava a relação com o Estado: “Se pedirmos para o Estado entrar, depois vamos ter de agüentar ele dentro da nossa casa”, advertiu. E completou: “Será que o Estado é realmente o melhor gestor para as nossas comunidades? Melhor que nós mesmos?”.
Um dos líderes indígenas mais respeitados no país, Krenak ficou conhecido nacionalmente durante a Assembléia Constituinte de 1988. Ele foi um dos principais articuladores das propostas de ampliação dos direitos indígenas. No encontro, o líder criticou também o fato de o projeto do Estatuto das Sociedades Indígenas estar parado no Congresso, desde os anos 90. “Isso prejudica a nossa participação na elaboração e execução das políticas públicas”, disse. (TR)
A floresta on-line
A tecnologia é a nova arma dos povos indígenas, quilombolas, seringueiros e extrativistas para defender seus direitos, preservar sua cultura e proteger seus territórios. Desde 2003, pontos de internet começaram a ser instalados em comunidades indígenas e não-indígenas, dentro do programa Rede dos Povos da Floresta.
A primeira aldeia a receber uma Escola de Informática foi a de Sapucay, habitada por guaranis, no município de Angra dos Reis. De lá pra cá, a rede ganhou 205 pontos na Amazônia e até 2008 a meta é chegar a 350. “A rede vai aproximar as nossas comunidades, permitir que elas compartilhem informações, culturas, tradições, façam alianças, mobilizem-se para defender seus direitos. É um canal de comunicação para os povos da floresta, mas também deles com o homem branco e a cidade”, afirma Benki Piyãko Ashaninka, um dos coordenadores da rede.
Aos 33 anos, Benki é uma das novas lideranças do movimento indígena no Brasil. Em 2004, recebeu o Prêmio Nacional de Direitos Humanos e atualmente também coordena projetos de manejo sustentável, de intercâmbio das comunidades indígenas e de difusão da cultura do povo Ashaninka. A rede tem o apoio do governo federal e da União Européia, num consórcio de 18 instituições européias e latino-americanas. (TR)
A luta indígena como herança
O paranaense Romancil Kretã Kaingang, 36 anos, é um exemplo de renovação do movimento indígena no país. No comando da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpin-Sul), uma organização formada por 41 mil kaingangs, guaranis, xoplengs e xetás, ele teme pelo futuro das comunidades indígenas do sul do país se não melhorar o acesso a políticas públicas de assistência social. “A realidade no sul é diferente. Aqui, as florestas já acabaram, estamos mais próximos do branco e isso trouxe problemas. O alcoolismo e os atropelamentos nas estradas estão matando muitos índios”, afirma.
O jovem de cavanhaque ralo herdou o compromisso com seu povo do pai, Ângelo Kretã, morto em 1980, depois de uma emboscada encomendada por posseiros. Ângelo é um símbolo da luta em defesa das áreas indígenas no país. Romancil reivindica maior presença dos governos para evitar o avanço da degradação ambiental e oferecer assistência médica e educação. “É preciso melhorar o ensino básico e o médio, caso contrário não adianta criar vaga em universidade”, critica o líder da terceira maior população indígena do país. (TR)
“Meio ambiente não precisa de heróis”, afirma Mawé
O representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Jecinaldo Sateré Mawé, defende a elaboração de uma agenda ambiental comum a governos, acadêmicos e povos das florestas. Mas adverte: “Essa agenda não pode ser pessoal. O meio ambiente não precisa de heróis, precisa de ‘vários Chico Mendes’ que enfrentem a luta pela sobrevivência da humanidade”. A seguir, entrevista com Mawé.
Extra Classe – As florestas brasileiras, especialmente a Amazônia, têm sofrido com o avanço do agronegócio e da pecuária, grilagem de terra e queimadas. Qual é a estratégia da Aliança dos Povos das Florestas para reagir isso?
Jecinaldo Sateré Mawé – Ressuscitar neste encontro a aliança de seringueiros, indígenas, ribeirinhos e outras populações da Amazônia é o primeiro passo. Mas não há uma única estratégia. Nesses 20 anos, fortalecemos nossas organizações, amadurecemos. Agora, juntos de novo, vamos aproveitar o debate internacional sobre o meio ambiente para ampliar a nossa luta. Incorporamos novas tecnologias, buscamos investir na formação da nossa juventude, para criar novos quadros. E vamos ampliar ainda mais a base de apoio político, com os governos, a comunidade internacional, a academia e o capital privado responsável.
EC – O que houve de melhor e de pior no governo Lula para os povos da floresta?
Mawé – No primeiro governo, ele apresentou uma carta de compromissos com os povos indígenas. Essa iniciativa foi o melhor. O pior foi o governo ainda não ter cumprido 90% dessa agenda. Mas compreendemos as dificuldades do governo para executá-la. O governo Lula ganhou, mas os inimigos dos povos indígenas continuam na sua base de apoio, emperrando demarcações e outros avanços. Não adianta apenas eleger o presidente, a gente tem que fortalecer o movimento social.
EC – Qual é o melhor caminho para combinar preservação e sobrevivência das comunidades locais nas florestas?
Mawé – Se nós queremos que essa biodiversidade seja usufruída pelas futuras gerações, se nós queremos continuar bebendo água limpa e respirando ar puro, não será com o modelo imposto pelo agronegócio, pela pecuária, pelo reflorestamento, pelo biodiesel e pelos projetos de infra-estrutura. O caminho é outro, é o da sustentabilidade para todos, não o do egoísmo. Propomos uma agenda ambiental comum a governos, acadêmicos e ao nosso povo. Mas não pode ser uma agenda pessoal. O meio ambiente não precisa de heróis, mas de ‘vários Chico Mendes’ que realmente enfrentem a luta. É preciso pensar nas próximas gerações com responsabilidade. É a única forma de garantir no futuro uma vida digna para nossos povos. (TR)
A pauta de reivindicações dos Tikuna
Paulino Manuelzinho Nunes ou Naítchanteci (foto), 52 anos, chegou ao auditório do Centro de Convenções Ulisses Guimarães, em Brasília, com um envelope para ser entregue ao presidente da Funai, Marcio Meira, contendo a pauta de reivindicações do povo Tikuna. Naítchanteci é vice-coordenador do Conselho Geral da Tribo Tikuna (CGTT). Paciente, esperou o terceiro dia do evento para cumprir a tarefa em nome dos 32,6 mil Tikuna que vivem na região do Alto Solimões (AM). O Tikuna é o povo indígena mais numeroso do Brasil. Faz seis anos que uma carta com reivindicações foi entregue ao governo federal e até hoje poucos foram os avanços. (TR)
O som da floresta
Nando Reis, Gilberto Gil, Lenine. A lista de clientes da Oficina Escola de Lutheria da Amazônia não é nada modesta. E deve crescer ainda mais com a chegada de um novo produto no mercado: o banjo feito com madeira certificada. O instrumento tem o selo FSC (“Forest Stwardship Council” – Conselho para o Manejo Florestal) e foi apresentado ao público durante o encontro, em Brasília. Confeccionado em madeira Tavari, o banjo começa a fazer parte de um portfolio que inclui ainda violão (de 6,7 e 12 cordas), viola caipira, bandolim e cavaquinho. Todos os instrumentos são feitos com madeiras de espécies amazônicas alternativas e custam entre R$ 800 e R$ 1,2 mil. Espécies ameaçadas e de uso tradicional como mogno e jacarandá da Bahia não são utilizadas.
O secretário executivo da escola de luteria, Rubens Gomes, conta que o objetivo é resgatar a arte e a ciência da fabricação artesanal de instrumentos musicais de alta qualidade, além de oferecer uma oportunidade profissional aos jovens da periferia de Manaus. Quando eles se formam, podem trabalhar como luthiers ou na restauração de instrumentos musicais, diz. O luthier é o profissional que confecciona o instrumento à mão, um por um. Alguns foram tão especiais que se tornaram celebridades na história, como Amati, Guarnieri e o mítico Stradivarius. (GT)