Crescem em todo o Brasil iniciativas para incentivar a população a entender quais são seus direitos e ir atrás deles. Com os instrumentos de fiscalização dos gastos dos governos municipais, estaduais e federal, é possível averiguar a idoneidade de pessoas públicas e escolher com mais consciência os representantes a serem eleitos nos pleitos deste ano. Nas próximas eleições, o eleitor pode e deve se informar para exercer o voto cidadão. E informação é o que não falta sobre corrupção, desvio de dinheiro público, má versação de verbas, negociatas, falta de transparência, interesses suspeitos.
A participação da sociedade na fiscalização dos gastos públicos é um direito garantido no artigo 13 da Convenção das Nações Unidas (ONU) contra a Corrupção, do qual o Brasil é signatário. Não devia ser uma preocupação somente no período das eleições, mas no dia-adia de todos. “É preciso que essa consciência vá crescendo dentro das universidades, nas escolas, até que o cidadão comece a saber que isso é um direito dele e que o dinheiro público tem dono, que somos nós”, enfatiza Gil Castello Branco, consultor de Economia e um dos responsáveis pelo site Contas Abertas. Ele acrescenta: “Não adianta só reclamar que o político é ladrão, ou que o Executivo tem um ministro que é safado, a gente tem que se indignar”. E agir. Lançado em dezembro de 2005, o site teve desde então 7 milhões de acessos. Os técnicos do Contas Abertas prestam assessoria a jornalistas, estudantes, professores e entidades no acompanhamento de gastos dos governos, disponibilizando informações para o controle de orçamentos, convênios, licitações, investimentos públicos. Dados revelados pelo Contas Abertas possibilitaram a jornais darem manchetes com graves denúncias que levaram, em alguns casos, a demissões de ministros e processos na Justiça.
Outra iniciativa semelhante, o Transparência Brasil permite a qualquer pessoa verificar pela Internet as prestações de contas dos políticos através do projeto Excelências, que cobre o Congresso, todas as Assembléias Legislativas e, até o final de maio, as 26 Câmaras Municipais das capitais, inclusive identificando quem responde a processos na Justiça. Estas informações adquirem ainda mais importância durante o período eleitoral.
“Nas eleições, há uma tendência de as atenções se voltarem para os cargos majoritários”, diz Claudio Weber Abramo, diretor executivo do Transparência Brasil. “Mas há membros do Parlamento que são esquecidos. Como conseqüência, o público fica sem informação, dependendo da propaganda deles mesmos ou do que o adversário afirma”, explica. No Às Claras, há um mapa detalhado do financiamento eleitoral no Brasil. E dois novos projetos estão para ser lançados: o Meritíssimos, em que serão divulgados os nomes de juízes e advogados que “sentam” em cima dos processos e quais os tempos de tramitação; e os de Pessoas Politicamente Expostas, identificando aquelas com influência política e poder de negociação.
Estes instrumentos gratuitos de acesso à informação são um avanço para a sociedade. Mas, mais do que individualmente, são as ações coletivas que têm conseguido melhores resultados, diz Iara Pietricovsky, do Colegiado de Gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
Mobilização coletiva garante conquistas da população
Representantes do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) iniciaram há quatro anos um trabalho de formação de lideranças nos estados do Maranhão, Rio Grande do Norte e Minas Gerais, e agora começam a implantar o projeto no Distrito Federal. No Maranhão, foram capacitadas 90 lideranças de 22 municípios. Discutindo o que são direitos sociais, ambientais e políticos, e temas nem tão fáceis para os leigos, como ciclo orçamentário, provocam mudanças de consciência e realidades. “Há cidades em que a população conseguiu que a Prefeitura colocasse na porta do prédio um cartaz com o orçamento”, comemora Iara Pietricovsky, do Inesc.
Flávio Pereira de Oliveira, 27 anos, da Cáritas Brasileira – Diocese de Viana, compreendeu que o caminho para a transparência passa por sua própria luta e de outros moradores em Buriticupu, no Maranhão. Nesta cidade com cerca de 75 mil habitantes, a 400 quilômetros da Capital (São Luís), Oliveira e outros integrantes do Fórum de Políticas Públicas utilizaram os conhecimentos repassados pelos técnicos do Inesc para mobilizar a comunidade e evitar que o presidente da Câmara Municipal seguisse conivente com as irregularidades em licitações propostas pela Prefeitura, como vinha ocorrendo. O grupo reivindicou junto à Secretaria de Segurança Pública a nomeação de um delegado isento para o município, e conseguiu. Esteve na Assembléia Legislativa expondo os problemas causados pela ausência de um promotor público e teve a garantia da Procuradoria de Justiça de que o promotor terá presença efetiva em Buriticupu. “Isto para nós é importante, porque aqui tem muita compra de voto – há pessoas que se vendem por um saco de cimento e, se não houver fiscalização, fica inviável”, observa Oliveira.
No Brasil, no entanto, dependendo da região, este tipo de mobilização ainda oferece risco de vida. Quem vai contra a ordem estabelecida corrupta sofre ameaças, atentados, ou morre. “Estas pessoas estão botando a cara a tapa, então precisam ter apoio no âmbito federal. Em alguns casos de ameaça de morte, a gente teve de acionar o Ministério da Justiça”, informa Iara.
Desconfiança está ligada à impunidade
Nos estados e municípios, os Tribunais de Contas e o Ministério Público são – ou deveriam ser – os órgãos encarregados de fazer o controle dos gastos públicos. No Rio Grande do Sul, o escândalo mais recente envolvendo o desvio de R$ 1 milhão por mês na fraude do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) começou a ser desvendado a partir de uma conversa do procurador-geral Geraldo Costa da Camino, do Ministério Público de Contas, com um delegado. “Ele narrou os fatos e encontrei plausibilidade suficiente para dar encaminhamento, em março de 2007, a um ofício solicitando informações da Fundação de Apoio à Ciência e Tecnologia (Fatec)”, observa Camino.
As investigações levaram à Operação Rodin, da Polícia Federal, e à denúncia de 44 pessoas. Entre os suspeitos de participação, foi divulgado o nome do filho do próprio presidente do Tribunal de Contas do Estado. O Ministério Público de Contas foi também o responsável pela denúncia, em 2006, das licitações fraudulentas no episódio que ficou conhecido como Máfia do Lixo em Porto Alegre. Os dois fatos – Detran e Lixo – geraram investigações por parte de outros órgãos através de “forças-tarefa”.
Apesar disso, ainda há muita desconfiança por parte da população de que o Tribunal de Contas vá atuar com eficiência e isenção, uma vez que, dos seus sete conselheiros, quatro são indicados pela Assembléia Legislativa e um pelo Executivo. “A descrença faz parte de um processo histórico de impunidade e descrédito das instituições”, afirma Camino. “A Operação Rodin não encerrou ainda, mas, pelo seu porte e o nível dos envolvidos, será certamente o maior escândalo da história da vida pública do Rio Grande do Sul, o que deve dar um novo ânimo”.
Para Hélio Saul Mileski, conselheiro, ouvidor e corregedor-geral do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul, a desconfiança é injusta. Somente em maio de 2008, o TCE recebeu mais de mil denúncias. Destas, garante Mileski, 80% foram apuradas. Além disso, ele explica que o órgão faz o controle externo por amostragem, e eventualmente pode não constatar algumas falhas, mas sempre que tem conhecimento toma providências. Mileski admite que ainda há percalços quanto à transparência de grande parte dos órgãos públicos, porque isso envolve uma mudança cultural e comportamental de quem detém o poder – antes, os políticos não davam satisfação para ninguém.
O economista Gil Castello Branco acrescenta: antes, a sociedade brasileira participava muito pouco por causa da ditadura militar. Até por temor, não podia discutir questões importantes da vida brasileira. Além disso, com a inflação alta durante muitos anos, se perdia a noção da moeda, e era mais difícil comparar gastos públicos. “Com a inflação domada, a gente pode discutir melhor a qualidade dos gastos”, diz. Quanto à qualidade do parlamentar, ele calcula que talvez ainda seja preciso várias legislaturas para que se tenha um Congresso mais eficiente. “Mais de 80% da população não acredita nos políticos, mas quem votou neles fomos nós”, salienta. Para Castello Branco, o processo de “purificação” do Congresso Nacional passa pela própria sociedade, com maior conscientização.
Amarribo seguiu em frente
Ribeirão Bonito é uma cidade de apenas 12 mil habitantes no interior de São Paulo, a 270 quilômetros da Capital, tão pequena que seus filhos saiam do município em busca de melhores oportunidades. Em 1999, os moradores dali pediram ajuda para os que haviam partido e fundaram a Amigos Associados de Ribeirão Bonito (Amarribo). Queriam investir em projetos de Educação e desenvolvimento, porque as ruas estavam esburacadas, a cidade empobrecida. Realizaram os primeiros projetos até que, em 2001, surgiram denúncias de corrupção na Prefeitura, com superfaturamento de merendas escolares, notas frias de combustível e outros serviços. Integrantes da Amarribo procuraram o Ministério Público para denunciar as fraudes. As denúncias levaram a ações civis públicas contra o prefeito. E a Amarribo não parou mais.
No início, ainda sem experiência, a entidade contratou um investigador para analisar as notas fiscais frias. Hoje, é a Amarribo, em parceria com o Instituto de Fiscalização e Controle (IFC), quem presta assessoria para outras entidades interessadas em fiscalizar e combater o desvio de recursos públicos. Ajudou a formar mais de 150 organizações, seus representantes dão palestras Brasil afora, e pelo menos 1.250 cidades brasileiras pediram auxílio para aprender como fazer o controle. Todos os membros são voluntários e não é permitido à associação receber recursos públicos. “A corrupção não acabou em Ribeirão Bonito, mas diminuiu”, assegura Josmar Verillo, integrante do conselho da associação. Cinco vereadores foram afastados, e há maior participação popular.
Entre outras ações, a Amarribo criou uma forma criativa de cobrar transparência dos candidatos à eleição. Faz com que assinem cartas, que são registradas em cartório, em que assumem compromissos morais. O primeiro da lista é não roubar. “O último prefeito que assinou e não cumpriu, divulgamos na rádio. Isso ajudou a população a ir para a porta da Câmara pressionar os vereadores a cassarem o prefeito”, explica Verillo. Está para começar um projeto-piloto com a Fundação Avina, que prevê realizar palestras nos bairros para orientar os eleitores a não votarem em candidatos que já foram processados por desvio de verbas.
Indignação que deu resultados
Em 2004, o pai do jornalista Fábio Henrique Carvalho Oliva morreu dentro de uma ambulância, quando estava sendo transportado de Januária para Montes Claros, em Minas Gerais, porque no meio do caminho acabaram o combustível e o balão de oxigênio. Pouco tempo depois, um sobrinho dele precisou ser atendido no hospital da cidade e não havia médico. O irmão de Oliva pôs abaixo a porta do hospital, até que conseguiu o atendimento. Mas nem Oliva, nem seu irmão se conformaram. Em 30 de outubro daquele ano reuniram familiares e membros do Conselho Municipal de Saúde e de Assistência Social e fundaram a Associação dos Amigos de Januária (Asajan).
“O objetivo era atuar na questão ambiental, na assistência social e no combate à corrupção, mas o combate à corrupção nos absorveu tanto, que não pudemos nos dedicar aos outros temas”, explica Oliva. O jornal Folha do Norte surgiu logo depois, para driblar o bloqueio dos veículos de comunicação da cidade, na maioria controlados por políticos.
O grupo foi aumentando, e o trabalho também. “Estamos no sexto prefeito em quatro anos e meio”, avisa. Os políticos foram denunciados e afastados a cada constatação de irregularidade. Além disso, a comunidade conseguiu mandar para a cadeia um prefeito acusado de corrupção. “Mais importante é a mobilização social”, comemora. Em Januária, as pessoas não iam à reunião da Câmara Municipal. Nunca tinha havido uma manifestação pública. Tudo isso passou a acontecer desde então.
Oliva já foi ameaçado e escapou de atentados; foi processado, mas não se deixa intimidar. A tática, diz, é diminuir o tamanho do alvo, aumentando o número de pessoas envolvidas, comprometendo os moradores com a causa. O irmão, que é analista de sistemas e presidente da ONG, vasculha diariamente nas páginas dos Diários Oficiais dados sobre licitações suspeitas de compras. O próprio Oliva se acostumou a pesquisar nos sites do Tribunal de Contas, no Portal da Transparência, da Controladoria Geral da União, sempre checando e comparando números e informações.
Para fiscalizar os gastos públicos
1) SIGA BRASIL – Portal do Orçamento
www9.senado.gov.br/portal/page/portal/orcamento_senado
2) MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO
www.planejamento.gov.br (Orçamento)
3) SIAFI
www.tesouro.fazenda.gov.br/siafi
Em nível estadual e municipal – Siafem
4) CONTAS ABERTAS
(fazem pesquisas para jornalistas e entidades)
www.contasabertas.uol.com.br/asp/
5) TRANSPARÊNCIA BRASIL
www.transparenciabrasil.org.br
www.asclaras.org.br
www.deunojornal.org.br
www.licitassist.org.br
www.excelencias.org.br
6) INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (INESC)
www.inesc.org.br
7) TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RS
http://www.tce.rs.gov.br
Denúncias para a Ouvidoria: 0800 541 9800 (ligação gratuita de segunda a sexta-feira, das 10h às 18h)
8) AMIGOS ASSOCIADOS DE RIBEIRÃO BONITO (AMARRIBO)
www.amarribo.org.br
Dicas sobre como identificar, investigar e reunir provas sobre corrupção; acesso ao livro O Combate à Corrupção nas Prefeituras do Brasil e informações sobre como abrir uma ONG para atuar nessa área.
CIDADANIA SE APRENDE DESDE CRIANÇA
No site da Controladoria Geral da União (CGU – www.cgu.gov.br), há um link para o Portalzinho Criança Cidadã
(http://www.portalzinho.cgu.gov.br/). Com jogos, história em quadrinhos e sala do conhecimento, o Portalzinho traz indicação de outros sites dedicados a ensinar política e transparência para as crianças, como o Plenarinho (site infantil da Câmara dos Deputados –
www.plenarinho.gov.br).