Educar não é punir
Extra Classe – Como o senhor começou a trabalhar como educador na Justiça juvenil?
Forrest Novy – Comecei na área de Educação com interesse pela Educação especial. Vim para o Brasil em 1981 para dar aula na UFPR para crianças com necessidades especiais e fiquei três anos lá lecionando num curso de especialização que tentava desenvolver programas para crianças com deficiências. Naquela época comecei a me interessar mais pelo Brasil e pelo sistema escolar daqui. Depois voltei aos EUA para continuar minha carreira na Educação especial, e sempre voltava ao Brasil para dar palestras. Há oito anos fui convidado pelo estado do Texas para trabalhar com jovens em conflito com a lei e desde então estou envolvido no trabalho em três escolas com esta população, que é muito desconectada do sistema escolar.
EC – Como está sendo esta troca experiência entre Brasil e Estados Unidos na questão da Justiça juvenil?
Novy – Estamos entendendo que as experiências têm mais coisas em comum do que diferenças. A população que trabalhamos é em torno de 90% meninos de camadas socioeconômicas pobres, negros em sua maioria e, nos EUA, também de origem latina. Possuem características de insucesso escolar com dificuldades na alfabetização, e habilidades matemáticas que normalmente estão cerca de cinco a sete séries atrás do esperado para um aluno da sua idade. Além disso, existem situações de abuso na família, seja físico ou sexual. Outro número significativo está envolvido com gangues e tráfico de drogas. Ou seja, o perfil desse jovem e os riscos para ele não progredir na escola e não se encaixar na sociedade são os mesmos e existem tanto lá nos EUA como aqui.
EC – Se os problemas são parecidos, então pode-se propor as mesmas ações para esses jovens?
Novy – É importante ressaltar que os princípios que guiam as intervenções são iguais, mas a maneira de implementar essas intervenções não. Ou seja, ações voltadas ao desenvolvimento da família, subsídios escolares, empregabilidade, todos estes princípios são iguais, pois estaremos criando conexões para estas crianças, sejam eles americanos ou brasileiros. Acreditamos que esses são lugares que têm uma sociedade muito desconectada do pró-social, no sentido de que eles estão vivendo, fazendo parte da sociedade, mas como vítima.
EC – O senhor credita parte dos problemas desses jovens infratoresà falta de estrutura familiar?
Novy – Sem dúvida, um grande número de jovens que está em privação de liberdade nos EUA vem de situações familiares precárias. Pesquisas mostram que cerca de 30% dos pais ou familiares dessas crianças já tiveram contato com a Justiça penal. Isso quer dizer que já existe uma história dentro da família de conflito com a lei. Os dados também indicam que muitos destes meninos foram abusados fisicamente, sexualmente ou em termos de negligência. Então, quando você observa as características escolares dessas famílias, os pais e mães também apresentaram dificuldade na escola ou não terminaram os estudos. Acho que é um fato muito significativo a situação da família, a maneira que os pais atuam, o amor e afeto que são mostrados, a maneira que os pais cuidam dessa criança e participam da vida deles.
Foto: René Cabrales |
EC – Qual a taxa de reincidência nos EUA de crianças e adolescentes que cometem crimes?
Novy – Nos EUA a taxa de reincidência é de 50% a 75%, muito parecida com o Brasil. Mas o interessante é que estamos descobrindo alguns fatores protetores que impedem o menino de continuar uma vida de delinqüência. Um dos fatores mais fortes é a Educação. Quando a gente analisa as taxas de reincidência, as mais altas são daqueles jovens com muito insucesso escolar. Mas quando a gente começa a avaliar o nível de alfabetização, leitura e habilidades matemáticas, quanto mais altos são esses níveis, menor é reincidência. Alguns dados também mostram que para os jovens que recebem um diploma ou aprendem uma profissão, esse índice cai muito. O mesmo está acontecendo quanto aos tratamentos para usuários de drogas, quando eles têm apoio escolar o retorno ao vício também cai. O que é preciso para estes jovens é acesso a oportunidades escolares e de viver numa situação mais estável, onde eles se sintam mais seguros. Assim terão condições de fazer escolhas. E quando um elemento da comunidade chamá-lo para cometer um crime, ele terá condições de dizer não.
EC – Como reeducar jovens depois de sete ou 12 anos de idade?
Novy – Sem dúvida, é um grande desafio. Mas pesquisas mostram que com uma educação acelerada e diferenciada para esse jovem eles aprendem e mostram que têm condições de redirecionar a sua aprendizagem. Isso faz com que a distância entre eles e os jovens com desenvolvimento regular diminua. Outra grande diferença é que temos uma expectativa e acreditamos que ele pode mudar. Se você é uma professora que acha que “já era” para esses alunos, que não tem como eles desenvolverem, o que vai acontecer é que eles vão demonstrar aquilo que a gente espera deles. É nos momentos mais difíceis que o professor tem que pensar em outros caminhos para reconduzir esses meninos à sociedade. Eles precisam perceber que a comunidade deles é um lugar onde eles podem ser respeitados e tudo isso vem através da Educação, que também inclui o preparo profissional desses jovens.
EC – Quais são os crimes mais cometidos pelos jovens norte-americanos?
Novy – Em torno de 70% são crimes não-violentos, de assalto, uso de drogas, infrações que se fossem cometidas por um adulto seriam leves. Mas também há casos violentos como furto com arma, agressão com arma, homicídio, estupro, violências físicas. Também temos o problema com o tráfico de drogas, que cria outras situações. O aumento de gangues dos EUA é muito significativo.
EC – Como o senhor avalia o papel do Estado para com esses jovens?
Novy – O Estado tem um papel muito importante no sentido de criar subsídios financeiros para apoiar as entidades na comunidade que queiram trabalhar com essa população. Podem ser entidades religiosas, ONGs, instituições estaduais ou municipais envolvidas no atendimento das populações carentes. O Estado tem um grande papel na formação de diretrizes, criando através da sua liderança as expectativas perante esse grupo. Também tem um papel importante na divulgação de intervenções que funcionam, coletar dados que possam ajudar a comunidade a entender melhor o que está ou não funcionando, além do papel de formação de professores, psicólogos, treinamento dos pais, entre outros. Na verdade, o Estado é um dos grandes elos na rede de entidades e profissionais necessários para criar oportunidades pró-sociais.
EC – E a sociedade o que pode fazer para não ser apenas mera expectadora?
Novy – Quanto à sociedade, acho importante ressaltar que a segurança dela é importante, por isso eu falo mais sobre a reabilitação desses jovens. As entidades de segurança têm um papel muito importante. O Estado deve envolvê-los no desenvolvimento de ações e programas. Nos EUA o grande papel da sociedade é de achar caminhos para reconectar esses jovens. Uma pesquisa feita por um professor da Universidade do Rio de Janeiro(informações de 2004 do livro Juventude e violência no Brasil contemporâneo, do professor Luiz Eduardo Soares, apontam por meio de entrevistas com meninos de rua, inclusive aqui em Porto Alegre, que a sociedade está se afastando deles. Tratando-os como se eles fossem invisíveis. Esses meninos, como todos nós, têm necessidade de respeito, de amor, eles não estão recebendo isso da sociedade, então eles procuram outros caminhos para ter suas necessidades supridas. A sociedade tem que abraçar mais esses jovens por meio de ações concretas.
EC – No Brasil se discute a redução da maioridade penal, que hoje é 18 anos. Como é nos EUA? Qual sua opinião sobre isso?
Novy – Nos EUA o Estado tem mais controle sobre as leis, diferente daqui do Brasil. A idade que define o menor varia, mas em geral também é 18 anos. No entanto, mesmo sendo menor pela lei, no caso de um crime, o juiz tem a autoridade e decidir tratá-lo como adulto, conforme o crime cometido. Na minha experiência, o jovem com menos de 18 ou até 21 anos não é um adulto em termos de desenvolvimento cognitivo e crítico. Algumas pesquisas mostram que o desenvolvimento cerebral está em ação até os 23 ou 24 anos. Portanto, isto me leva a não olhar para o menor como um adulto. Acho que sempre é mais correto tomar uma posição de reabilitação em vez de punição, pois ele tem condições de mudar sua maneira de escolher. Pesquisas também mostram que um sistema mais punitivo não ajuda a mudar a maneira que esse indivíduo se desenvolve.
EC – No Brasil, em 2007, apenas 11,6% das unidades de internação no Brasil estavam adequadas às exigências sociopedagógicas, de acordo com os Centros de Defesa de Crianças e Adolescentes (Cedecas). Como fica a questão da falta de estrutura física e humana para atender esses jovens?
Novy – Eu entendo essa realidade brasileira, pois nos EUA não é muito diferente. A melhor maneira de ajudar esses meninos é criar uma comunidade onde eles podem desenvolver comportamentos pró-sociais. Nos EUA, hoje, identificamos que o melhor ambiente para esses jovens é uma instituição com no máximo 30 indivíduos, onde eles estejam mais perto da sua comunidade, onde exista oportunidade para a família acompanhar, em que possa ir à escola como qualquer outro que não tenha conflito com a lei, além de ter professores bem formados, acesso a psicólogos e psiquiatras para trabalhar aspectos mentais. É difícil formar uma equipe adequada se você coloca as unidades de reabilitação distantes de tudo. Claro que a segurança é importante, pois muitos são violentos. Mas é preciso uma formação adequada para as pessoas que trabalham nesses locais, com enfoque para a nãoagressão, para que o jovem entenda que está lá para reabilitação e não para ser punido. Esses profissionais devem ser reciclados anualmente. Não é fácil, mas nossa experiência diz que a violência cai. Nos EUA, o Estado de Missouri iniciou um sistema de justiça juvenil para os mais violentos com modelos menores e mais voltados à comunidade.
EC – O senhor acha que a Justiça Restaurativa pode ser aplicada a crianças e adolescentes?
Novy – Conheço um pouco esse conceito e na Universidade do Texas foi criado recentemente um instituto de Justiça Restaurativa. Na minha opinião, existem boas saídas quando o jovem infrator pode desenvolver empatia e um conhecimento mais profundo daquilo que ele fez. Acho que o resultado de uma Justiça Restaurativa é de criar oportunidade para ele entender o mal que ele faz, pois a sua vítima se torna uma pessoa real, além de também ter a oportunidade de participar da vida desse jovem. Um ponto que acho interessante na Justiça Restaurativa é que ela está relacionada com coisas positivas. A própria palavra restaurativa fez pensar que existe um a caminho melhor. Educar não é punir.