Um governo em XEQUE
Apontado por diversos analistas como uma administração eficiente em termos de gestão fiscal, o governo centra sua propaganda na divulgação do cumprimento de acordos com as prefeituras e na obtenção do déficit zero conjuntural. “Pode parecer bobagem, mas a atual administração tem cumprido os compromissos firmados com os municípios”, declara o presidente da Federação das Associações de Municípios do RS (Famurs), Marcus Vinícius Pereira de Almeida (PP), prefeito de Sentinela do Sul.
Mesmo os chamados pontos positivos são alvo de questionamentos. No caso do déficit zero, a oposição argumenta que a meta foi obtida a partir da redução drástica de investimentos. E os números divulgados pela Secretaria da Fazenda em junho mostram que o equilíbrio das contas pode ser frágil frente à crise. A arrecadação de ICMS entre janeiro e maio ficou 3,8% abaixo do previsto no orçamento. Em maio a arrecadação de ICMS foi R$ 36 milhões inferior à quela projetada no orçamento e as estimativas dos técnicos para junho não apontam para melhora.
O governo estadual queixa-se da redução dos repasses de recursos federais como os referentes à Lei Kandir e ao Fundo de Participação dos Estados mas, na outra ponta, a União argumenta que nunca houve tanta disponibilidade de recursos – só que são necessários projetos para buscá-los. “A partir do equilíbrio do déficit conjuntural, o governo obteve várias outras vantagens, como pagar fornecedores em dia”, defende o economista da Fundação de Economia e Estatística e professor da Faculdade de Economia da PUC/RS, Alfredo Meneghetti Neto. “A propaganda do governo estadual anuncia que o Estado está vivendo o Século de Péricles, mas na prática as pessoas não vislumbram nada”, rebate a professora do Programa de Pósgraduação em Ciência Política da Ufrgs, Maria Izabel Noll.
Sobram problemas nas áreas de Saúde,
Educação e Segurança
No que é mais visível para que a população avalie o desempenho de um governo, como os serviços oferecidos em Saúde, Segurança e Educação, a marca da administração de Yeda Crusius tem sido a polêmica. Na Saúde, as denúncias e divergências referentes à não destinação dos percentuais constitucionais (de 12% do orçamento) para a área são uma constante.
Conforme os dados preliminares do Conselho Estadual de Saúde (CES/RS), a previsão para 2009 é a reserva de 6,47% do orçamento. O CES aponta dificuldades na regulação, nas centrais de marcação de consultas e nas referências de média e alta complexidades, insuficiência de leitos em UTIs e de medicamentos. O governo argumenta que a regulamentação da Emenda Constitucional no 29/00 que determina que os estados apliquem 12% e os municípios 15% da receita líquida de impostos em saúde – resolverá a questão do financiamento. Enquanto isso, o RS se debate com o aumento dos casos de gripe A, que trouxeram de novo ao debate os questionamentos sobre as deficiências dos mecanismos de controle e a importância de investimentos.
A área da Segurança tem dado o que falar. Há meses, o governo se desgasta com as denúncias feitas pelo ex-ouvidor da Segurança, Adão Paiani, a respeito de vazamento de informações e de falta de controle sobre o Sistema Guardião. No início de junho o Executivo abriu nova frente de atrito. Anunciou o desenvolvimento de parcerias público-privadas para o sistema prisional, medida que não têm o aval do governo federal. Quase que simultaneamente, um procurador de Justiça do Estado pediu a intervenção federal nos presídios do RS. O motivo: a superlotação nas cadeias, nas quais o déficit chega a 10 mil vagas.
Na Educação, as dificuldades de relacionamento entre a titular da secretaria estadual, Mariza Abreu, e os representantes dos professores da rede pública são conhecidas. O Cpers está entre os que lideram o movimento de entidades sindicais que pede o afastamento da governadora. No cotidiano das escolas, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) na rede estadual no RS segue distante da meta 6, existente nos países desenvolvidos. É de 4,3 para os anos iniciais e de 3,6 para os finais do Ensino Fundamental – os piores entre os três estados da região Sul. Como se não bastasse, dados do relatório Situação da Infância e da Adolescência Brasileira, divulgado em junho pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), indicam que, em números absolutos, o RS é o décimo estado do país com mais crianças da faixa etária entre sete e 14 anos fora da escola: 31 mil. Os motivos, conforme indicado pelo próprio Unicef, incluem deficiências físicas e mentais das crianças e questões culturais, como a prioridade do trabalho sobre a educação. A Secretaria Estadual da Educação divulgou que o dado está ligado às dificuldades na alfabetização.
Reeleição: de sonho a pesadelo
Apesar da turbulência que marca o governo de Yeda Crusius desde seu início, e de 2008 ter sido agitado por várias mudanças no primeiro escalão (ocasionadas por denúncias de corrupção) e pela polêmica em torno da prorrogação dos contratos de pedágios, as projeções feitas pelo PSDB para 2009 no final do ano passado eram boas. Incluíam o anúncio de investimentos e mudanças na comunicação visando aproximar a governadora da população. Seria um ensaio para o lançamento da candidatura de Yeda à reeleição em 2010.
Agora, integrantes da oposição já citam até a possibilidade de impeachment – que é pedido nas ruas em manifestações de estudantes e entidades sindicais – caso se confirmem as denúncias que vêm assombrando integrantes do governo. Parlamentares de oposição tentam instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Todos apostam em uma manifestação do Ministério Público Federal (MPF) para este início de julho. A base aliada na Assembleia já começa a se rearticular para as eleições de 2010. E o PSDB nacional não pretende ter sua imagem arranhada na disputa pela sucessão presidencial.
Foto: Jefferson Bernardes/ divulgação Pal. PiratinI
“A governadora está inviabilizada em termos eleitorais. Mais do que um afastamento, tanto para a oposição como para o hoje aliado PMDB, o desgaste é mais vantajoso. Um acordo com o PMDB no RS seria bem interessante para a candidatura à presidência do governador de São Paulo, José Serra (PSDB)”, avalia o analista político Carlos Eduardo Pellini, do escritório da consultoria Arko Advice em Porto Alegre. Pellini lembra que Serra mantém uma relação muito boa com o deputado federal Eliseu Padilha (PMDB), “que é habilidoso politicamente e tem força no PMDB nacional”. Segundo o analista, a costura entre PMDB e PSDB já está em andamento. “O deputado pode assumir a coordenação da campanha de Serra no RS e, caso o PSDB chegue ao Planalto, pleitear um ministério ou outra função importante no plano federal”.
Morte de Cavalcante ainda assombra o Piratini
A inviabilidade da governadora apontada pelo especialista começou a se desenhar com mais força no mês de fevereiro, quando morreu o ex-chefe da representação do governo do RS em Brasília, Marcelo Cavalcante. Até agora, as circunstâncias da morte não foram esclarecidas. Cavalcante foi um dos integrantes do governo afastado em função das denúncias referentes à Operação Rodin, que apontou um esquema de fraude milionário no Detran gaúcho e cujo processo tramita na Justiça Federal, em Santa Maria. Poucos dias depois da morte de Cavalcante, integrantes do Psol convocaram uma coletiva onde anunciaram que sua morte poderia estar vinculada às denúncias já investigadas, informaram que o empresário Lair Ferst, espécie de pivô do escândalo do Detran, havia feito uma delação premiada ao Ministério Público Federal (MPF) e que este também teria agendado depoimento de Cavalcante. Mais: afirmaram ter visto vídeos e ouvido gravações que evidenciariam a existência de caixa 2 durante a campanha eleitoral de 2006.
Pauta governista na AL é mínima
Quem acompanha a pauta de votações semanais da Assembleia Legislativa consegue entender porque analistas políticos consideram o atual momento como caracterizado por uma certa paralisia. Do início do ano legislativo, no final de janeiro, até 25 de junho, ocorreram em plenário pouco mais de 130 votações. Entre os projetos importantes, o do reajuste do salário mínimo regional, e a de aumentos para determinadas categorias de servidores.
Mas, via de regra, até agora, a pauta de 2009 foi dominada por temas como doações de imóveis a municípios, novas denominações a entroncamentos rodoviários, títulos a cidades, criação de comissões, controle reprodutivo de animais de rua, declaração de localidades ou associações como integrantes do patrimônio histórico cultural do estado, homenagens a categorias profissionais.
Representantes do Executivo chegaram a assegurar que o polêmico projeto a respeito da reestruturação das carreiras dos servidores estaduais seguiria para o Legislativo no primeiro semestre, mas agora até deputados da base aliada têm dúvidas a respeito de seu encaminhamento, apesar da divulgação sobre as “discussões” a respeito das mudanças.
“O Executivo enviou muitos projetos importantes nos dois primeiros anos de governo. E há vários em tramitação. O envio se dá quando há necessidade. O das carreiras poderia ser encaminhado, mas precisa ser bem analisado”, justifica o líder da bancada do PSDB na Assembleia deputado Adilson Troca. “Esse governo já acabou, não tem mais como se recuperar. Sua paralisia está aliada à adoção de políticas equivocadas e a um sem número de indícios de corrupção”, devolve o líder da bancada do PT, deputado Elvino Bohn Gass.
Um protagonismo inexistente
De acordo com a professora Maria Izabel Noll, do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Ufrgs, em termos políticos, a forma como o atual governo estadual se constituiu já preconizava um problema porque, para se eleger, Yeda precisou construir alianças com partidos muito maiores, nas quais o PSDB não é o núcleo forte. “Até poderia ter dado certo, mas a governadora se desfez de bons quadros e é muito confiante em um protagonismo que na verdade não tem. A oposição está em seu papel ao criticála, mas não há como desconsiderar as pesquisas de opinião que evidenciam o quanto a população desaprova o atual governo”, destaca Maria Izabel.
Governadora adota agenda light
A agenda diária da governadora Yeda Crusius também dá mostras do momento pelo qual passa a política estadual. Ela não chega a ser alvo de críticas da oposição, mas vários assessores do Executivo e do Legislativo utilizam o termo light quando tratam da rotina de compromissos de Yeda. As comparações com os governos de Olívio Dutra (PT) e Germano Rigotto (PMDB) são inevitáveis.
Rigotto mantinha uma rotina diária que começava às 5 horas – às 5h30min lia a clipagem dos jornais de dentro e fora do estado – e dificilmente terminava antes da meia-noite. Olívio, que residia no Palácio Piratini, também podia ser visto em atividade antes de o sol surgir. Ambos percorriam regularmente o estado em roteiros de trabalho.
Yeda dificilmente dá início aos trabalhos antes das 10h. Não raro, a agenda oficial informa um compromisso pela manhã e outro à tarde, à s vezes no final do dia. Em feriados e finais de semana é comum não haver agenda pública.
Foto: Jefferson Bernardes/divulgação Pal. Piratini
Às segundas-feiras, no início da noite, ocorrem as reuniões do Conselho Político do governo, integrado por representantes de todos os partidos da base aliada, mas nem sempre ela acompanha os debates na íntegra.
A governadora participa de posses e congressos, destina as tardes de quinta para o recebimento de convites e comitivas, inaugura algumas obras, a maior parte delas fora de Porto Alegre. Na Capital sua presença é mais restrita às solenidades no Piratini e em seu entorno. Desde o mês passado, cancelou algumas participações em eventos depois que seus deslocamentos passaram a ser seguidos por manifestantes que protestam contra o governo e bradam pelo impeachment. A agenda diária de Yeda pode ser acessada no site oficial do governo do Estado, pelo www.estado.rs.gov.br.