Delegado Ildo Gasparetto: “Becker era o chefe da quadrilha”
O ex-reitor Ruben Becker foi o principal alvo da operação Kollektor da Polícia Federal, que na manhã de quarta-feira, 9 de dezembro, cumpriu 23 mandatos de busca e apreensão em casas e empresas de 14 pessoas ligadas à Ulbra. O objetivo da ação era encontrar documentos que indiquem como R$ 63 milhões foram desviados das contas da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra).
“A Ulbra tem um passivo de R$ 3 bilhões. Esse valor deveria reforçar os cofres da Previdência, mas estava beneficiando terceiros”, acusou o superintendente da Receita Federal no Rio Grande do Sul, Paulo Renato Silva da Paz. O superintendente da Polícia Federal no RS, Ildo Gasparetto acredita que essa cifra deverá aumentar com o decorrer da investigação – a Polícia Federal já investiga a situação há oito meses. “Temos pessoal atuando fora do Brasil, principalmente no Uruguai, para descobrir onde foi parar o dinheiro”, adianta.
O ex-reitor, cuja paixão por automóveis inspirou o nome da operação Kollektor, que significa colecionador em alemão, teve a prisão solicitada pelos coordenadores da operação. “Ruben Becker era o chefe da quadrilha”, afirma Gasparetto. Mas para o juiz federal Daniel Marchionatti Barbosa, da 1ª Vara Criminal, não era caso de prisão. Ele também negou a preventiva de outros seis ex-funcionários da Universidade, entre eles, os ex-contadores da Ulbra, Aérnio Dilkin Penteado e seu filho, Aérnio Dilkin Penteado Júnior. Conforme reportagem do Extra Classe, publicada em novembro de 2009, pelo menos nove empresas ligadas aos contadores estavam entre os prestadores de serviços. Ao todo, as empresas receberam R$ 5 milhões desde 2008. “Agora vamos estudar os documentos para saber qual era o modus operandi”, salientou Gasparetto.
Maioria das empresas prestava serviços de consultoria
Conforme adiantou o jornal Extra Classe nas edições de outubro e novembro de 2009, o desvio de recursos da Ulbra se dava principalmente através de empresas de fachada cujas notas fiscais traziam como objeto o termo “consultoria”. “Já conhecíamos mais de 20, mas só nessa busca, descobrimos outras quatro”, salientou um dos delegados responsáveis pela operação, Aldronei Rodrigues.
Nos 18 volumes de uma das execuções fiscais contra a Ulbra que corre na Vara de Canoas da Justiça Federal, o Extra Classe identificou 33 empresas que possuem motivos para serem investigadas. Duas delas, CPZ e Sulsoja, que trazem o mesmo número de telefone nas notas fiscais – embora os endereços sejam diferentes – receberam 15 repasses financeiros idênticos, nas mesmas datas, que somam quase R$ 20 milhões.
Durante a entrevista coletiva, os integrantes da PF e da Receita Federal negaram que entre as empresas investigadas haja alguma de propriedade de detentores de cargos públicos. A edição de dezembro do Extra Classe detalha quais os indícios de irregularidades encontrados pela auditoria Juenemann, designada judicialmente para acompanhar as contas da Ulbra na prestação de serviços que empresas de políticos como o deputado federal Eliseu Padilha (PMDB) mantinham com a Ulbra. Duas empresas do deputado Eliseu Padilha – Rubi e Fonte – receberam R$ 4 milhões entre 2004 e 2008. Não há comprovação da maioria dos serviços contratados e um dos contratos sequer foi encontrado.
Um dos assessores parlamentares de Padilha é apontado pela auditoria como o responsável pela intermediação de bolsas de filantropia a, pelo menos, 30 estudantes, entre os quais as filhas do ex-prefeito de Canoas, Marcos Ronchetti, e de seu secretário, geral de governo, Chico Fraga. Foi no final da gestão de Ronchetti que a Ulbra recebeu mais de R$ 10 milhões em cheques a título de adiantamento, dos quais quase R$ 6 milhões foram sacados na boca do caixa. Os policiais confirmaram que há indícios do uso de políticos das bolsas que deveriam ter sido destinadas ao ProUni. “Se for preciso chegar ao governo federal, faremos”, garantiu Gasparetto.
Conexões com a Operação Fariseu
Por enquanto, a PF não relata indícios sobre o envolvimento do atual prefeito de Canoas, Jairo Jorge (PT), que atuou durante um ano e meio como pró-reitor de desenvolvimento institucional da Ulbra. Antes disso, ocupou o cargo de adjunto do então Ministro da Educação, hoje na pasta da Justiça, Tarso Genro (Extra Classe de dezembro de 2009).
Nesse período, participou, entre outras atividades, da defesa da instituição perante o plenário do Conselho Nacional de Assistência Social (Cnas). Esse é o processo investigado pela PF (Operação Fariseu – Extra Classe de setembro de 2009) em que o advogado da Ulbra, Luiz Vicente Dutra, foi flagrado oferecendo propina a um dos conselheiros para elaborar um parecer favorável à Universidade, que encontrava inúmera dificuldades para a renovação do seu certificado de Beneficente e Assistência Social (Cebas). No caso, um dos ex-pró-reitores, Pedro Menegat, foi indiciado por corrupção ativa.
O professor Menegat teve seu telefone grampeado, assim como Dutra. Todos aparecem nomeados no relatório da investigação, com exceção de um personagem identificado apenas como Jairo. “Provavelmente sou eu, falei várias vezes com o Luiz Vicente Dutra. Fiz a defesa da Universidade, que era o meu trabalho”, afirmou Jairo Jorge em entrevista exclusiva ao Extra Classe.
“Eu sabia que Eliseu Padilha defendia a Ulbra e não era só nesse processo”, afirma Luis Vicente Dutra. “Mas quem estava lá para fazer a sustentação oral no plenário era Jairo Jorge”, prossegue. Em um e-mail, o advogado pede a um dos conselheiros do CNAS, Ademar de Oliveira Marques a “intermediação do amigo para que o relator do processo Marcelo Garcia receba Jairo Jorge ou, quem sabe, aceite convite para visitar entidade”.
As duas coisas aconteceram, para surpresa da Polícia Federal que garante que em caso de dúvida de um conselheiro quanto ao mérito de uma instituição em possuir o certificado que isenta impostos pela filantropia, o “normal é pedir diligências”. “Claro que processo Ulbra só poderia ser aprovado através de lobby”, conclui a delegada Tatiane da Costa Almeida, que conduziu a Operação Fariseu.
O prefeito de Canoas se defende. “Não há nenhum problema (em visitar o relator). Eu apresentei ao Marcelo o que é a extensão na Ulbra. Foi uma agenda formal”. Até o atual secretário de Saúde do estado, Osmar Terra (PMDB), que ocupa o cargo desde o governo anterior, de Germano Rigotto (PMDB), aparece no relatório da Polícia Federal. “O Reitor Ruben Becker e o professor Menegat informam que o secretario de Saúde está preparado para intervir pessoalmente nos contatos com alguns conselheiros e até, se necessário, de atuar no dia do julgamento”, afirma em um e-mail Luis Vicente Dutra.
De fato, em sua declaração de defesa o também indiciado Marcelo Garcia, cujo voto favorável devolveu a certificação e isentou a Ulbra do pagamento de tributos, afirmou que “sofreu pressão política de toda a ordem para que o processo fosse aprovado”, inclusive de Osmar Terra, que teria dito que “a saúde da Região Metropolitana vai falir” caso a Ulbra não obtivesse o documento.