O preço do crescimento
Foto: Igor Sperotto
Situada a 305 quilômetros de Porto Alegre, entre o Atlântico e a Lagoa dos Patos, a cidade de Rio Grande vive um ciclo de crescimento sem precedentes na sua história por conta dos projetos em desenvolvimento no Polo Naval. “Somente os investimentos da Petrobras de 2006 a 2017 somam R$ 13 bilhões”, contabiliza o secretário municipal para Assuntos Extraordinários, Gilberto Pinho.
O porto de Rio Grande fechou o primeiro semestre deste ano com um crescimento de 14,8% nas operações em relação ao ano passado, totalizando 14,1 milhões de toneladas em embarques e desembarques, com predomínio das exportações, que totalizam 9,2 milhões de toneladas, puxadas pelo trigo e derivados de soja. Além das exportações, também houve crescimento recorde, de
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51,9% na navegação de cabotagem (entre portos), outro indicador decisivo na economia de Rio Grande junto com a indústria e a pesca.
Para o superintendente do porto, Jayme Ramis, nesse ritmo o ano deverá totalizar 30 milhões de toneladas, o maior movimento de cargas já registrado. “O porto terá um grande incremento na movimentação, chegando em 2015 aos 50 milhões de toneladas. Isso deverá ser alcançado principalmente pelos investimentos em infraestrutura, como o aprofundamento do calado, e na implantação de novos terminais”, projeta.
Com o início da construção de plataformas de exploração de petróleo para a estatal, das obras do estaleiro e do Dique Seco, da duplicação do cais, entre outros megaprojetos anexos ao porto, o município triplicou sua arrecadação tributária anual nos últimos nove anos, de R$ 83 milhões para R$ 210 milhões.
As obras do Polo Naval também geraram milhares de empregos diretos e indiretos, atraíram multinacionais dos setores de gás e petróleo, agregaram indústrias químicas e metalúrgicas e já credenciam o município para ser a segunda maior concentração populacional do estado, depois da região metropolitana de Porto Alegre.
Apenas dois indicadores de um estudo encomendado pela Secretaria Estadual do Desenvolvimento e dos Assuntos Internacionais (Sedai) e prefeitura de Rio Grande a pesquisadores da Fundação Universidade de Rio Grande (Furg) já oferecem uma ideia do impacto que os investimentos atuais e futuros no superporto representam para a economia: até 2024, o Polo Naval terá produzido bens e serviços no valor de US$ 26 bilhões e gerado 600 mil empregos diretos, indiretos e induzidos pelo multiplicador da renda em todo o estado. Toda essa pujança, no entanto, está transformando a península em uma conturbada metrópole em frente ao mar.
Trânsito caótico, hotéis lotados e fila na padaria
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Impulsionados pela descoberta dos primeiros sinais de petróleo na camada do pré-sal da Bacia de Santos, no Rio de Janeiro, há cinco anos, os investimentos no Polo Naval gaúcho provocam a saturação da infraestrutura de Rio Grande. No auge da construção da primeira plataforma de exploração de petróleo, a população aumentou de 205 mil para 280 mil habitantes, o preço dos imóveis disparou, atingindo valorização de até 100%. A península viveu uma rotina de congestionamentos no trânsito, superlotação de hotéis, filas no comércio, apagões de energia e telefonia.
“A partir de 2006, com o início das obras da plataforma P-53, no processo de ampliação do Polo Naval, ocorreu um aumento no consumo de energia, verificado primeiramente nos meses de junho de 2006 a outubro de 2007. Porém, detectou- se um pico de consumo em 2008, período de conclusão da plataforma P-53, quando o consumo passou de uma média de 32 milhões para 39 milhões de kwh durante todo o ano. Acredita-se que, com o início das obras da plataforma P-55 e a operação em definitiva do Dique Seco, esta média de consumo aumente ainda mais”, projeta Luiz Gustavo da Trindade, chefe do Centro Regional Litoral Sul da Ceee Distribuição. Segundo Trindade, estão previstas melhorias no sistema de transmissão para aumentar a oferta atual de 73 megawats para 216 megawatts em 2011.
O mercado imobiliário acusou o golpe antes mesmo da primeira leva de visitantes. No centro histórico, os poucos imóveis à venda dobraram de preço com os sinais de retomada da economia. Nos bairros mais afastados, um apartamento de dois dormitórios com garagem que custava em torno de R$ 40 mil há quatro anos hoje não sai por menos de R$ 90 mil. “Quanto mais próximo do centro histórico, mais são valorizados e quase não há unidades para venda. No bairro Cidade Nova, mais central, um imóvel com essas características saltou de R$ 80 mil para R$ 180 mil com o aumento da demanda. A arquitetura histórica e a concentração de imóveis na mão de poucos proprietários joga a valorização para o alto”, explica o corretor Jaider Pastorino.
Para o engenheiro Airton Vinhas, presidente do Sindicato das Indústrias da Construção Civil (Sinduscon) em Rio Grande, o Plano Diretor e a concentração de imóveis na mão de especuladores impedem a construção de novos prédios. O déficit no perímetro central, diz, já oscila entre 600 a mil unidades e a cidade vive um impasse: não tem para onde crescer.
“Por ser uma cidade histórica, com muitos prédios tombados pelo Patrimônio Histórico, não é possível pensar projetos de verticalização. A cinco quadras do centro não é permitida a construção de edifícios com mais de 9,5 metros de altura e ali existem até 500 imóveis na mão de um único dono. O investidor rejeita os bairros devido à distância do porto e a falta de infraestrutura”, explica Vinhas.
Centro histórico de Rio Grande teria até 500 imóveis na mão de um único donoO dirigente acredita que a procura por imóveis disparou desde 2005, com o início das escavações do Dique Seco e a migração de trabalhadores e executivos das empresas envolvidas. “Cada operação traz uma média de 500 pessoas para Rio Grande. Isso dobrou a valorização dos imóveis a partir de 2006”, conclui.
SUPERPOPULAÇÃO – Quando o governo federal decidiu investir na indústria naval com a construção de suas próprias plataformas de exploração de petróleo antes importadas de outros países, Rio Grande contava com uma frota de pouco mais de 42 mil carros particulares.
Com um investimento de R$ 2,5 bilhões, a P-53, primeira estrutura encomendada pela Petrobras e produzida no estaleiro Rio Grande, gerou 4,5 mil empregos diretos e 15 mil indiretos durante os três anos de construção. Quando a plataforma, construída a partir da conversão do navio português Setebello, deixou o cais de Rio Grande rumo à Bacia de Campos, já havia 75 mil veículos circulando pelas ruas da península. “No auge dessa obra, Rio Grande parecia Serra Pelada”, compara um motorista de táxi. A prefeitura implantou mudanças no trânsito, inverteu o fluxo de avenidas centrais para melhorar o escoamento do tráfego e implantou um sistema integrado no transporte coletivo. Essas mudanças provocaram protestos da população local e ainda irritam muitos motoristas, acostumados com uma tranquilidade que já não existe mais na cidade portuária.
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“Nunca tinha visto congestionamento em Rio Grande”, espanta-se Paulo Ricardo Rosa de Lima, 54 anos, que por influência do curso de História que frequentou até o último ano vem acompanhando os ciclos de desenvolvimento associados ao porto. Para ele, a euforia provocada pelo dinamismo dos investimentos no porto provoca distorções na região. “O deslocamento de trabalhadores para o Polo Naval está transformando municípios da região, como Pelotas, em cidade dormitório”, repara.
No extremo-sul, aluguéis mais caros que em Ipanema
Para Marcelo Domingues, professor de pós-graduação de Geografia da Furg e coordenador do estudo Desenvolvimento e consolidação do Polo Naval de Rio Grande, entregue ao governo do estado
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em agosto de 2009, poucos se deram conta do “gigantismo” dos investimentos do Polo Naval até o início da primeira plataforma. Esse gigantismo, diz, representa crescimento econômico, mas existem variáveis para os quais a região já dá sinais de não estar preparada.
“A P-53 foi o produto de maior valor agregado já produzido no estado”, constata. O impacto desse ciclo de desenvolvimento, diz, vai da qualificação da mão de obra e de fornecedores locais até a segurança pública. “Será necessário criar estratégias para enfrentar desafios que vão além do impacto no comércio e nos serviços. O déficit habitacional, que até agora não teve a devida resposta por parte da construção civil, e a concentração de imóveis na mão de quatro ou cinco proprietários explodiu os preços dos imóveis em Rio Grande. Os aluguéis no extremo-sul do Brasil são mais altos que em Ipanema”, compara.
Domingues acredita que, além do passivo ambiental, que na sua opinião não chega a ser alarmante, a região terá graves problemas na área de segurança pública com o aumento da densidade populacional. “Rio Grande e Pelotas somam atualmente mais de 600 mil habitantes. As duas cidades já compõem a maior aglomeração urbana em fronteira aberta do país, vulnerável ao tráfico de armas e de drogas. O desafio será incorporar a massa de gente que vai migrar de diversas partes do país para cá em busca de oportunidades e também instituir políticas de segurança”, aponta o pesquisador.
“Quando começamos a visualizar o potencial do Polo Naval, diversas iniciativas começaram a ser desenvolvidas para fazer frente a essa nova realidade”, argumenta o secretário municipal de Assuntos Extraordinários. Segundo Gilberto Pinho, diversos projetos foram implantados para melhorar a infraestrutura do município. Ele cita a construção de um hospital com 80 leitos em parceria com a iniciativa privada, a atração de empresas hoteleiras e construtoras, além do aprimoramento da mão de obra local. “Desde as primeiras operações do Polo Naval, mais de 3 mil trabalhadores já receberam qualificação profissional”, exemplifica.
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Funcionário de uma grande empresa de óleo e gás do Rio de Janeiro, o projetista de tubulação Roberto Carlos dos Santos é um dos trabalhadores que desembarcou em Rio Grande para trabalhar nas obras do Estaleiro e ficou hospedado em um hotel durante cinco meses. “O Polo Naval representa um grande mercado de trabalho para a população da região, mas não haverá oportunidades para quem não se qualificar. A indústria naval pegou todo mundo despreparado”, alerta. Morador de Rio Grande, Pierre Sander da Cunha Porto, 31 anos, garçom de hotel, acredita que os programas de capacitação para os projetos do porto são excludentes. “As oportunidades privilegiam quem tem poder aquisitivo”, aponta.
Lima é dos poucos que não se deixa empolgar com o surto de desenvolvimento embalado pelo superporto, embora reconheça a importância para a região dos projetos de longo prazo. “Já vi isso no auge do adubo, que reuniu em Rio Grande as maiores indústrias do setor. Na primeira crise da agricultura, botaram milhares de trabalhadores na rua. Essa é a lógica dos grandes investimentos”, constata.
Com tanta gente de fora instalada nos poucos hotéis disponíveis, em estadias de até 12 meses, o comércio é um dos setores que mais tem faturado. “O movimento tem aumentado e se mantém estável. Por conta disso, contratamos mais 20 funcionários”, diz o comerciante português Antônio Luiz Coutinho, proprietário da padaria Fidalga, tradicional ponto de encontro de celebridades desde os anos 1970, como ele faz questão de frisar.
A clientela aumentou tanto que foi preciso instalar um sistema de senhas para organizar o atendimento. “Vivemos um momento de grande crescimento econômico só comparável com o milagre
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econômico dos tempos dos governos militares, quando a população não passava de 100 mil habitantes”, compara.
Mesmo o comércio ambulante acusa aumento nas vendas, como afirma Valdeci Torelli, 75 anos. Ele conta que teve de duplicar a produção de salgadinhos que faz no turno da manhã para vender à tarde no calçadão da rua General Bacelar. Seu carrinho, uma miniatura do cavalo de uma locomotiva, fabricado pelo padrasto, virou atração turística.
À espera de um milagre
“Para boa parte da população de São José do Norte, as obras do superporto ainda são uma promessa distante de desenvolvimento, empregos e renda”, diz o pescador João Luís Passos, 39 anos.
O município, de 21 mil habitantes, é separado de Rio Grande pela Lagoa dos Patos e o único acesso à península é por barco ou balsa. Isolada do principal centro econômico da região, a cidade espera pela concretização de um inusitado projeto a ser incluído na LDO, que prevê a construção de uma travessia da Lagoa por ponte ou túnel.
Enquanto a integração não acontece, a economia local sobrevive da produção de cebolas e da pesca. De acordo com o presidente da Colônia de Pescadores, Carlos Alberto Simões, o município fornece 52% do camarão consumido no estado. Mas o excesso de chuvas do primeiro quadrimestre deste ano, diz, não permitiu a reprodução do crustáceo e de peixes nobres na lagoa, o que frustrou a pesca. Quase 2,5 mil pescadores ficaram sem trabalho e a economia só não entrou em colapso porque o defeso, seguro desemprego da pesca, foi ampliado de quatro para seis meses.