GERAL

O ateu que acredita em religião

Por César Fraga / Publicado em 26 de novembro de 2011

Alain de Botton

Foto: Charlotte de Botton

Foto: Charlotte de Botton

O escritor e ensaísta Alain de Botton, 41 anos, apesar de nascido em Zurique, na Suíça, exala a verve e a ironia tipicamente inglesas em suas obras. Não é para menos, afinal, vive desde os 12 anos na Inglaterra e foi educado na Dragon School (Oxford) e na Harrow School (Londres). Alcançou o double starred first(graduação com nota máxima) em História e Filosofia em Gonville and Caius College (Cambridge), completou seu mestrado em Filosofia no King’s College London. Abandonaria o PhD em Filosofia Francesa de Harvard para enveredar pelos caminhos da ficção. Foi também candidato a PhD na King’s College. Além disso, possui sua própria produtora, a Seneca Productions, que transmite regularmente programas e documentários na televisão baseados em seus trabalhos. Em seus livros, costuma referir clássicos da Filosofia e da Literatura, estabelecendo conexões com o dia-a-dia dos cidadãos comuns. Esse estilo tem sido chamado de filosofia da vida cotidiana, mas acaba por exprimir também o pensamento individual do escritor. Atualmente seus livros são publicados em 20 idiomas. No dia 21 de novembro será conferencista do evento Fronteiras do Pensamento, em Porto Alegre, onde lançará no Brasil seu mais novo livro, Religião para Ateus – Um manual de uso para quem não acredita (Editora Intrínseca, 272 páginas, com preço sugerido de R$ 19,90). Nesse livro o autor sugere que a sociedade contemporânea tem muito a aprender com as religiões ao tratar de questões como vida em comunidade, moralidade, educação e arte. Segundo ele, ao descartar os dogmas e o sobrenatural, o livro resgata uma sabedoria que pertence a toda a humanidade, inclusive aos mais céticos. Em outubro, respondeu com exclusividade ao Extra Classe, via e-mail, de seu escritório em Londres, e por mensagens de smartphone.

Extra Classe – O que o motivou a tornar pensamentos clássicos da Filosofia em fenômeno pop?
Alain de Botton – Meu interesse é em uma forma clara de comunicação. O verdadeiro desafio é fazer as ideias serem compreendidas, porque vivemos em uma época de grande abstração. Além disso, sou um escritor muito personalista, e escrevo como uma forma de autoterapia, para tratar de questões de grande interesse pessoal, na esperança de que possam ser de interesse para os outros.

EC – Sua obra ironiza os livros de autoajuda ou se utiliza do mote para encaixar a Filosofia nos problemas da imensa maioria dos mortais?
de Botton – Durante a maior parte da História, a Filosofia foi vista como um assunto muito prático: os filósofos eram pessoas que você consultava sobre problemas relacionados a dinheiro, amor, política e doença. Essa visão da Filosofia ainda é muito forte pra mim atualmente, embora a maioria dos filósofos acadêmicos não aborde essas questões de forma tão direta.

‘‘Todas as culturas podem ser usadas para ajudar, não apenas a filosofia, mas toda a arte, literatura e ciências humanas. O problema da autoajuda, até agora, é que ela é muito americanizada e otimista. Afinal de contas, Dante e Platão também foram autores de um tipo de literatura útil’’

EC – O que filósofos como Sócrates, Epicuro, Sêneca, Montaigne, Schopenhauer e Nietzsche têm a dizer para o homem do século 21?
de Botton – Os problemas da humanidade não mudaram muito ao longo da nossa história; nascemos em um mundo com muito sofrimento, lutamos por dinheiro e status, amamos e, muitas vezes, as pessoas que amamos não nos amam; temos que suportar famílias que não escolhemos e a morte nos espera no horizonte. Todos os grandes escritores sabem dessa dificuldade e buscam uma luz com algumas respostas. Eu escrevi um livro chamado The Consolations of Philosophy (As Consolações da Filosofia, no Brasil) que tentou discutir esses seis filósofos no contexto dos problemas modernos. O livro é útil para muitas pessoas em todo o mundo desde que foi publicado, há dez anos.

Alain de Botton

Foto: Vincent Starr

Foto: Vincent Starr

EC – Qual é o segredo utilizado para escrever textos pessoais e autobiográficos aludindo a filósofos como Sêneca e Nietzsche e ainda assim atingir uma massa de leitores?
de Botton – Acho que o importante é ser emocionalmente honesto e trabalhar duro para ser claro e compreensível, para tirar o melhor desses pensadores históricos sem cair em jargões acadêmicos.

EC – Seu novo livro Religião para Ateus – um manual de uso para quem não acredita, lança um olhar sui generis sobre a religião. O senhor poderia nos explicar um pouco a ideia central desse trabalho? 
de Botton – A ideia é olhar para a religião do ponto de vista de um ateu, que eu sou – mas ao invés de zombar da religião, fazer uma pergunta básica: “O que, na religião, é interessante, útil e relevante para uma sociedade secular em crise?” Eu olho para a religião como uma fonte de sabedoria, mesmo para aqueles que não acreditam em absolutamente nada do ponto de vista sobrenatural.

EC – Como é possível utilizar no universo secular a sabedoria existente nas religiões à luz da racionalidade?
de Botton – As religiões têm muito a ensinar sobre educação: as religiões são as “máquinas de educação” mais bem-sucedidas que o mundo já conheceu. Eu não aprovo a maior parte das coisas que elas ensinam, mas a forma como transmitem esse ensinamento é surpreendente e requer atenção.

EC – Como Proust pode mudar a vida das pessoas?
de Botton – Como qualquer romancista, Proust nos sensibiliza para experiências. Ele nos faz sentir que não estamos sozinhos, encontra palavras para descrever experiências que todos vivemos, mas não entendemos. O mundo parece mais fácil de assimilar, fica mais límpido, como se tivéssemos ganhado um novo par de óculos.

‘‘Os problemas da humanidade não mudaram muito ao longo da nossa história; nascemos em um mundo com muito sofrimento, lutamos por dinheiro e status, amamos e, muitas vezes, as pessoas que amamos não nos amam, temos que suportar famílias que não escolhemos e a morte nos espera no horizonte’’

EC – O senhor já declarou que não aprecia ser comparado com escritores como Nick Hornby, a quem não admira, e redefine literatura pop como sendo a de Shakespeare e Cervantes por atingir um número grande de pessoas. Onde pairam as diferenças entre a sua obra e a dos autores a quem normalmente lhe comparam?
de Botton – Não tenho nenhum problema com Nick Hornby! Estou simplesmente dizendo que a missão didática da literatura, que eu admiro, é composta por alguns grandes nomes da história. O desejo de ensinar e ajudar não têm que ser visto de forma pejorativa.

EC – Qual o seu próximo projeto a ser lançado. No que está trabalhando agora?
de Botton – Atualmente estou focado em uma escola que abri em Londres chamada Escola da Vida,www.theschooloflife.com. Vamos abrir uma unidade no Brasil no próximo ano.

EC – O senhor tem alguma expectativa em relação ao público brasileiro ou curiosidade com o país e sua cultura?
de Botton – Eu sou extremamente curioso sobre o Brasil e muito familiarizado com sua história e transformações. Vocês são uma nação na vanguarda da história, suas lutas nos ensinam sobre bravura, corrupção, esperança, derrota, resignação, arte, beleza e amor.

EC – Como cidadão europeu, como o senhor vê a negativa da União Europeia em aceitar a ajuda de países emergentes como o Brasil?
de Botton – Dentro de 30 anos, a situação será completamente inversa: os cidadãos da União Europeia vão olhar com admiração e inveja para as realizações e riquezas do Brasil.

EC – Como o senhor definiria o projeto Escola da Vida e de que forma ela está acessível para as pessoas nos países onde funciona?
de Botton – A Escola da Vida busca usar a cultura para enfrentar os problemas da vida cotidiana. Por cultura entendemos Filosofia, História, Fotografia, Psicoterapia, Arte, Literatura. E temos interesse em problemas sobre o mundo do trabalho e do amor, mas também sobre a morte, criação dos filhos, pobreza, riqueza e política. As pessoas terão acesso à escola por meio de grandes conferências de fim de semana, que vão oferecer uma versão reduzida do que está disponível em Londres.

EC – De que forma os brasileiros poderão “frequentar” a Escola da Vida a partir de 2012 e que tipo de contribuição a cultura de nosso país pode dar para seu projeto?
de Botton – Vamos promover uma grande conferência em 2012 – e muitos parceiros brasileiros estão colaborando para este evento. Não queremos “copiar” o que já fazemos em Londres, queremos mostrar como a cultura brasileira pode compartilhar das nossas ambições.

EC – Existe alguma diferença entre a Filosofia aplicada ao cotidiano e a autoajuda?
de Botton – Todas as culturas podem ser usadas para ajudar – não apenas a Filosofia, mas toda a arte, literatura e ciências humanas. O problema da autoajuda até agora é que ela é muito americanizada e otimista. Afinal de contas, Dante e Platão também foram autores de um tipo de literatura útil.

EC – O que os sistemas educacionais devem às religiões?
de Botton – A ênfase na repetição da lição, o uso do corpo e dos sentidos para reforçar o aprendizado na mente e o interesse em aprender como salvar sua alma, não apenas para passar em um exame.

EC – Por que o senhor considera que os ateus perderam a disputa de corações e mentes para as religiões?
de Botton – Porque eles não são organizados e não reconhecem a força do nosso desespero e necessidades infantis.

(Com tradução do inglês de Grazieli Gotardo)

Filosofia, ironia ou autoajuda?
Alain de Botton debutou no mundo editorial em 1993 com Essays In Love (Ensaios de Amor), obra que mescla ensaio e novela para analisar os mecanismos da paixão e da desilusão. Porém, o reconhecimento fora do Reino Unido só viria em 1997 com o lançamento de How Proust Can Change Your Life, relançado agora no Brasil sob o título Como Proust pode mudar sua vida (Editora Intrínseca, 256 páginas). Neste livro, a obra clássica Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, é dissecada como se fosse um evangelho da valorização do tempo e do viver o presente, parodiando os livros de autoajuda.

Na mesma linha, escreveria pouco tempo depois, The Consolations of Philosophy ou As consolações da Filosofia (Rocco, 288 páginas), no Brasil. Novamente emula os livros de autoajuda com ironia e certo humor sutil, evoca o clássico de Boécio, A consolação da Filosofia, para trazer ao cotidiano dos cidadãos comuns os conceitos de Epicuro, Montaigne, Nietzsche, Schopenhauer, Sêneca e Sócrates. O mercado entendeu essas obras como sendo de popularização da Filosofia, mas na verdade servem para apresentar as ideias originais de Alain de Botton sobre como o conhecimento humano pode ajudar na vida real das pessoas comuns em questões prosaicas e dramas básicos da humanidade como simples aflições no dia-a-dia do mundo moderno como: impopularidade, sentimento de inadequação, dificuldades financeiras, desilusões amorosas e outros infortúnios. Mas essa abordagem também rendeu críticas devido ao caráter terapêutico de suas propostas.

Em The Art of Travel ou A arte de Viajar (Rocco, 272 páginas) ele analisa o lado psicológico que envolve o ato de viajar. Já, Status Anxiety ou Desejo de Status (Rocco, 204 páginas), repete a fórmula de obras anteriores e apresenta a cura pela obsessão contemporânea por ascenção social e aparências, além de analisar o desejo universal e enrustido da maioria das pessoas em querer saber o que outras pessoas pensam sobre elas e sobre como são julgadas. No livro, The Architeture of Hapiness ou A Arquitetura da Felicidade (Rocco, 272 páginas), discute a natureza do belo na arquitetura, e como isso está relacionado com o bem-estar e a satisfação do indivíduo e da sociedade e ainda como traços da personalidade humana refletem na arquitetura. Está em fase de lançamento do seu mais novo trabalho no Brasil:Religião para Ateus, manual de uso para quem não acredita (Editora Intrínseca, 272 páginas).

Bibliografia
Ensaios de Amor (1993)
O movimento romântico (1994)
Kiss and Tell (1995)
Como Proust pode mudar sua vida (1997)
As consolações da filosofia (2000)
A arte de Viajar (2002)
Desejo de Status (2004)
A arquitetura da felicidade (2006)
Religião para Ateus (2011)

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