GERAL

Lixo desnecessário

Embalagens amontoam-se nos centros de reciclagem, nos aterros e nas lixeiras, sob pretexto de agregar um conceito de honestidade aos produtos
Por Clóvis Victória / Publicado em 19 de dezembro de 2011

Especial

Foto: Igor Sperotto

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Nos fundos de um galpão onde 40 pessoas trabalham diariamente na separação de lixo seco para reciclagem na Vila Pinto, em Porto Alegre, cerca de 60 fardos de aproximadamente 200 quilos cada repousam encostados em uma parede desde março.

São 12 toneladas de embalagens plásticas de alimentos como chocolates, salgadinhos, balas e achocolatados das mais diversas marcas. Há ali invólucros que perdem a cor por causa da chuva e que não têm serventia alguma. Esse lixo que se deposita em escala geométrica tende a crescer e não pode ser reciclado.

Os pequenos produtos de plástico são chamados pelos trabalhadores do Centro de Triagem da Vila Pinto, na zona Leste da capital gaúcha, de “estralinhos”. O apelido refere os pequenos ruídos que fazem quando os amassamos na mão. O componente químico deste compósito é o poliestireno, um plástico duro que pode ter sua cadeia modificada para ficar mais mole e maleável. Vira um saco plástico que reduz o rendimento da triagem, os vencimentos dos trabalhadores da e atravanca o aterro para onde vão os rejeitos produzidos em Porto Alegre.

Especial

Foto: Igor Sperotto

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Esse passivo ambiental é parte de uma cultura de consumo quase invisível. Praticamente ninguém ou muito pouca gente costuma pensar nas embalagens dos produtos que compra. Quer dizer, não veem naqueles materiais coloridos e chamativos nada além de uma maneira de proteger aquilo que compram. Quando o assunto são embalagens ecologicamente sustentáveis, até há algumas empresas que costumam imprimir avisos de que aquele produto que envolve a compra é reciclável. Mas e quando se trata de embalagens em excesso e que não podem retornar?

A medida desse impasse materializa-se no impacto na renda dos trabalhadores do Centro de Triagem da Vila Pinto. Segundo a coordenadora de grupo Sirlei Batista de Souza, os produtos não recicláveis geram perda de tempo e reduzem a renda. Todo mês, à média diária de quatro caminhões da coleta seletiva de lixo do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), de Porto Alegre, são despejadas 60 toneladas das mais diversas embalagens. De caixas de leite a copos plásticos e de papel jornal a garrafas PET, são 34 variedades que os selecionadores – a maioria mulheres – triam para a venda.

O resultado é medido por quinzenas. Em meses em que há maior rendimento, os trabalhadores chegam a receber R$ 285,00 por 12 dias trabalhados. Isso perfaz um salário mínimo em média (R$ 545,00). O problema é aquilo que sobra e vai para o aterro em Minas do Leão, mais de 100 quilômetros de Porto Alegre. Segundo Sirlei, dessas 60 toneladas, 30% não podem ser vendidas para a indústria de reciclagem, apesar de serem triados. São 18 toneladas por mês que não rendem um centavo sequer aos trabalhadores.

Nesse amontoado de passivo ambiental, figuram bandejas de isopor que embalam alimentos como carnes, caixas transparentes de plástico que nos supermercados embalam bolos e pães e, desde março, os famigerados “estralinhos”.

Os dados do DMLU expõem que a coleta seletiva do lixo em Porto Alegre ainda é muito incipiente. Das 1,5 mil toneladas diárias de lixo na capital, 100 mil toneladas são separadas. As empresas respondem pela maior parte desse montante com valor agregado em salários para populações mais pobres. Mas é pouco: representa apenas 6,7% do lixo produzido. A maior parte (entre 85 e 90%) da coleta seletiva são plásticos e papéis, portanto, embalagens. “O que deveria ser feito? Palestras nas escolas. As pessoas não separam o lixo em casa. Se as crianças soubessem que tem 40 famílias aqui que dependem da separação do lixo talvez começassem a separar e avisariam os pais”, diz Sirlei.

Uma cegueira social

Especial

Foto: Igor Sperotto

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O efeito ambiental danoso das embalagens desnecessárias, do termo em inglêsoverpackaging (algo como embalagens sobrepostas), tem sua origem em uma cultura de consumo que segue uma lógica que visa apenas a aparência. Pense em bolachas envolvidas por um invólucro de plástico e separadas por outros invólucros em partes menores. Pense num software de computador que vem em um disquete e uma caixa que chega a ter 100, 200 ou até 300 vezes seu volume. Pense nas pastas de dentes e no motivo pelo qual, além do tubo, elas ainda vêm com uma caixa de papelão. Pense nos produtos de limpeza.

Agora, pense que essas embalagens são produtos que têm uma vida muito curta e que, para reduzir impacto, precisam de uma mudança de mentalidade do consumidor. Foi este tema que chamou a atenção da professora de metodologia do curso de Design da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Jocelise Jacques. Sua tese de doutorado em Engenharia da Produção, defendida neste ano, sob o título Estudo de Iniciativas em Desenvolvimento Sustentável de Produtos em Empresas Calçadistas a partir do Conceito Berço ao Berço mapeou algumas evoluções empresariais no que se refere à sustentabilidade e responsabilidade ambiental.

Basicamente, algumas empresas já conseguem disseminar uma cultura de maior participação do consumidor nas escolhas dos produtos autossustentáveis. O conceito de berço ao berço remonta ao que é retornável sob um novo produto. No caso da cadeia calçadista, a repercussão dessa mentalidade já se pode ver em algumas lojas, segundo a professora. Há lojistas que oferecem, em vez das caixas de sapatos, sacos plásticos recicláveis para o consumidor carregar sua compra. “Várias embalagens poderiam ser mais bem-utilizadas. Existe um tempo até as empresas colocarem essas iniciativas em prática. São necessárias mudanças logísticas e industriais. Mas o consumidor pode valorizar essas iniciativas como forma de maior cuidado. Hoje, pensa-se que quanto mais embalagem, mais honesto é o produto”, diz.

Segundo Jocelise, impera um imaginário de que as embalagens de grande tamanho fornecem uma ideia de respeito ao consumidor. O seu efeito é justamente o contrário. Como a maior parte dos produtos que envolvem outros produtos não viram nutrientes biológicos, ou seja, demoram muito tempo para ter uma morte e voltar como nutrientes para o meio ambiente, o jeito é continuar a luta pela mudança de abordagem. “Hoje se tem uma ideia de que as garrafas pet, de refrigerante, viram fios para roupas ou casas. É claro que melhorou bastante a reciclagem, mas e depois? Depois que vira fio e casa, vai para onde?

Há empresas de refrigerante que, por conta da responsabilidade social, e da exigência dos clientes, estão voltando a usar garrafas de vidro”, diz a professora. Outra iniciativa sugerida demandaria uma mudança radical. Jocelise imagina um mundo ideal de consumo nos supermercados em relação aos produtos de limpeza. Diz ela que seria melhor que os sabões em pó ou líquidos pudessem ser acondicionados em bombonas e que os clientes levassem seus recipientes para enchê-los. Mundo utópico? Quem sabe? Mas necessário.

Pegada ambiental
Um dos termos usados pela indústria de embalagens para trabalhar autossustentabilidade é a pegada ambiental. A Associação Brasileira de Embalagens (Abre) cita estudos Kooijman para situar o impacto das embalagens no rejeito universal da sociedade. Segundo a Abre, 49% da pegada ambiental provêm do alimento que não é consumido (plantio, cultivo, colheita ou processamento). As embalagens responderiam por 10% deste passivo ambiental.

Exageros
Apesar de assunto pouco explorado na mídia, alguns casos de embalagens desnecessárias são relatados em blogs independentes. No endereço http://www.fastcompany.com/blog, o blog New Deal, do designer Amit Gadi, de São Francisco, nos Estados Unidos, relata, com fotos, o exagero na embalagem de uma caneta eletrônica HP, de 24,99 dólares, cerca de R$ 37,00. A caneta de 12,4 centímetros de comprimento veio com uma embalagem que continha 15 itens. Ente eles uma caixa interna e outra externa. A embalagem da pequena caneta tinha cerca de 0,5 litro no total em volume, cerca de 400 mil vezes o tamanho do produto.

Combate
Se, no Brasil, o problema das embalagens desnecessárias ainda é invisível, nos países da Europa este tema é incipiente. São poucos os relatos de iniciativas institucionais e públicas para conter o exagero. No município de Lincolnshire, na Inglaterra, em 2003, o conselho local emitiu um parecer que se transformou em lei orgânica, para que as empresas instaladas na cidade reduzissem as camadas de invólucros nos produtos embalados. Isso porque, os cidadãos se deram conta de que o passivo ambiental produzido pelas embalagens desnecessárias ou ficavam nos aterros ou não podiam ser absorvidos pela indústria de reciclagem, o que gerava gases de efeito estufa, como o metano, e, com a queima, dioxinas, substâncias tóxicas, nocivas à saúde.

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Foto: Igor Sperotto

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