Brasil perde tempo e espaço na área ambiental
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Extra Classe – Por que o governo federal foi derrotado na votação do Código Florestal?
Mario Mantovani – Porque foi incompetente, deixou a negociação na mão de amadores e acabou tendo que aceitar a chantagem dos ruralistas. Deveria ter se preparado para não cair na mesma armadilha duas vezes, pois na primeira votação na Câmara dos Deputados, no ano passado, já tinha enfrentado o mesmo tipo de pressão. Nesse tipo de questão, de interesses difusos contra os interesses privados, é preciso tratar esses deputados como quem quer usurpar direitos públicos. O governo não operou direito. Foi um desastre. O resultado mostrou bem o que um grupo é capaz de fazer para não perder a mamata dos créditos agrícolas. Regularização fundiária através do tal de Cadastro Ambiental Rural será uma farsa.
EC – Diversos consensos foram construídos no Senado Federal. Como os ruralistas conseguiram virar o jogo e na última hora flexibilizar a legislação florestal?
Mantovani – Há 11 anos tentamos fazer a atualização do Código Florestal. O que estava sendo discutido, inclusive com a Confederação Nacional da Agricultura, estava em um bom caminho. O que acabou acontecendo é que os ruralistas perceberam que o governo federal estava vacilando e cresceram em cima disso, principalmente visando acabar com as conquistas sociais. Não proteger uma margem de rio é um exemplo. O rio que passa em uma propriedade rural não é privado, é público. Percebemos que essa questão do coletivo estava sendo rifada. Com a Constituição Federal de 1988, conseguimos acabar com um grupo hegemônico da oligarquia rural brasileira representada pela União Democrática Ruralista (UDR). Eles ressuscitaram com força nesse governo durante os debates do Código Florestal.
EC – Significa que o Código Florestal acabou saindo do Congresso Nacional como uma espécie de lei da anistia para quem desmatou ilegalmente?
Mantovani – É uma lei de anistia que acaba com direitos conquistados, que coloca em risco o nosso patrimônio genético, arrasa com as convenções internacionais de biodiversidade, de clima e de áreas úmidas que o Brasil é signatário. É um retrocesso como jamais se viu no Brasil.
EC – A Fundação SOS Mata Atlântica assinou no ano passado documento do Diálogo Florestal (Extra Classe 152), com empresas ligadas à produção de pinus e eucalipto, defendendo a equiparação legal da silvicultura com as demais formas de produção agrícola. Como ficou esta questão?
Mantovani – Eu acompanhei a proposta das empresas de silvicultura, através do Diálogo Florestal. O que o deputado Paulo Piau (do PMDB mineiro, relator final do Código Florestal e presidente da Frente Parlamentar da Silvicultura) combinou com eles não honrou. O acordo possível costurado dentro do Diálogo Florestal acabou sendo rompido.
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EC – Na sua opinião, a silvicultura deveria ser mais valorizada no Brasil?
Mantovani – Em São Paulo o plantio de árvores exóticas para exploração de madeira reduziu o desmatamento da Mata Atlântica. Mas o que vimos no Congresso Nacional é que não interessa fazer plantio, mas sim desmatar. Com um bom zoneamento, com o tanto de área devastada que existe para plantar árvores, é uma coisa fantástica. O Brasil tem padrões de certificação florestal que não existem em nenhum outro país. E nem poderia ter, pois só aqui uma árvore como o eucalipto pode ser cortada em seis anos. Temos uma vocação florestal que não é valorizada. Os ruralistas só querem continuar recebendo dinheiro subsidiado para produzir cana e soja.
EC – Que lições o Código Florestal deixou para o movimento ambientalista?
Mantovani – Temos que nos unir mais. Cada entidade entrou no debate com preocupações diferentes, clima, água, biodiversidade. Os ruralistas nos deram um show de competência. Todos eles mirando no mesmo alvo e buscando a mesma coisa. Perdemos o foco e fomos atropelados. Se não fosse a mobilização de outros segmentos no final do processo, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, CNBB, OAB, movimentos sociais, teria sido ainda pior. Por outro lado, percebemos novamente que temos voz. Nunca houve uma mobilização como a do Código Florestal. Mesmo derrotados, conseguimos protagonizar um debate nacional com os ruralistas, setor que recebe milhões do governo federal.
EC – Qual deve ser a repercussão na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que acontece de 20 a 22 de junho no Rio de Janeiro, dessa derrota do governo na votação do Código Florestal?
Mantovani – Será mais um vexame do Brasil. Vamos entrar pela porta dos fundos. Já que somos um país de commodities, deveríamos aproveitar essa conferência para deixar claro para os operadores do mercado internacional que uma tonelada de soja que sai de Alta Floresta (MT) tem 80% de reserva legal que custa tanto de carbono, de biodiversidade, de água, de áreas protegidas. Isso não é possível com a legislação que saiu do Congresso Nacional.
EC – Além da dificuldade de unificar o discurso nos debates do Código Florestal, a mobilização das entidades ambientalistas em torno da Rio+20 não parece ser tão forte como foi na Rio 92. Por quê?
Mantovani – O movimento social estava mais efervescente naquela época, tinha se organizado nos anos 1980. Com a redemocratização, muitos grupos surgiram e passaram a lutar por suas bandeiras. Hoje as organizações não estão mais em um momento de crescimento, pelo contrário, estão passando por uma crise. Talvez por querer acreditar demais no governo, por terem sido aparelhadas. Sinto que há uma frustação enorme. O próprio marco legal das ONGs acabou não saindo. Temos à frente um desafio muito grande para superar. A votação do Código Florestal nos mostrou como o Brasil vem perdendo tempo e espaço na área ambiental.
EC – O setor empresarial vem assumindo o protagonismo do movimento ambientalista nos debates da sustentabilidade?
Mantovani – Eles estão entrando em um tema que não tem mais volta. Algumas pessoas duvidam da economia verde, achando que é apenas maquiagem verde das empresas. Eu não concordo. A questão da sustentabilidade não tem mais volta. Não porque é bacaninha, mas porque representa dinheiro. As empresas estão mais atentas. Temos muito que aprender nas organizações ambientalistas.
EC – Então acreditas que a economia verde, um dos temas centrais da Rio+20, vem para ficar?
Mantovani – Não tem mais volta. Consumo consciente e economia verde. É o novo caminho. Isso passa por educação, por escolhas, decidir qual a pegada que queremos deixar no planeta. Não tem como fugir disso. Em outros momentos brigamos por democracia, contra o autoritarismo, depois reconhecemos a poluição como inimiga e a importância da qualidade de vida. Agora, no século 21, é o momento das escolhas pessoais, das atitudes cotidianas, por pequenas que sejam, como deixar de lado as sacolas plásticas, por exemplo. Vem um mundo novo por aí.
‘‘ O rio que passa em uma propriedade rural não é privado, é público ’’
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