Foto: arquivo pessoal Foto: arquivo pessoal
Extra Classe – Quais as transformações que a linguagem do meio digital vem sofrendo nos últimos anos?
Douglas Galan – Em meu estudo me dediquei a buscar compreensão para as mídias impressas diante do surgimento de uma nova ambiência de comunicação criada pelo advento dos signos da informática e das redes. Desse modo, meu viés de estudo foi o oposto daquele que mais vem importando à área midiática, no momento. Me dirigi aos já conhecidos jornais impressos para pensar as ressignificações que ocorrem a todo momento na cultura, e especialmente aquelas que estão modelizando os sistemas culturais das mídias tradicionais a partir das estruturas dos recursos digitais. De qualquer forma, pelos estudos que realizei, a fim de compreender a dinâmica do meio digital, creio que as linguagens dessa área estão em busca de uma semântica própria, mais condizente com o perfil colaborativo que a web tem em sua essência. Pelo que dizem os estudiosos e fundadores da web, a rede caminha para uma maior inteligência sistêmica, maior expressão e participação do usuário e, por fim, para o surgimento de uma conectividade colaborativa, produtiva e cívica.
EC – É possível dizer que os veículos impressos vêm sendo pautados pela linguagem digital no sentido de complementá-la ou se diferenciar dela?
Galan – Não há sombra de dúvidas de que os veículos impressos têm se preocupado em manter relações com o novo meio. Do ponto de vista de suas linguagens, pode-se dizer que o impresso tem buscado ilustrar uma dinâmica semelhante à da web, em suas páginas, criando contextos hipertextuais e uma indicação à conectividade.
EC – Seria isso a modelização?
Galan – Sim, isso é um dos indicativos de modelização. Por modelizações, pode-se entender a capacidade que as linguagens e os textos da cultura possuem em se reestruturar e adquirir novos contornos. Por mais específico e fechado que possa
parecer, o conceito de modelização foi fundamental para abrir uma outra perspectiva de análise para um problema que estava colocado na sociedade e, sobretudo, no circuito da Comunicação. Existem diversos fatores que podem ter levado a essa reestruturação sígnica, hábitos do público, atualização em busca de modernização dos jornais, possibilidades de enriquecer o conteúdo, levando a extensões na internet. Porém, para se atingir a compreensão e o alcance dessa modelização, é necessário dar a essas ocorrências nos jornais uma outra interpretação, de viés semiótico.
Foto: arquivo pessoal
Foto: arquivo pessoal
EC – Sua pesquisa constatou a presença do hiperlink em caráter simbólico dentro dos jornais impressos. Como isso ocorre e a que se deve?
Galan – Na fase da pesquisa, em que foram utilizados recursos de caráter quantitativo e qualitativo para levantamento de dados e indícios nos jornais, foram constatados elementos como remissões à internet, recursos gráficos semelhantes aos utilizados na web (telas, caixas, ícones, setas e ilustrações), reportagens mais curtas, contatos de e-mail, legendas e boxes com indicação de conteúdo extra na rede, entre outros recursos. Além disso, a internet mostrou-se assunto corriqueiro nas páginas dos jornais, tanto em reportagens, quanto em editoriais que demonstraram as preocupações institucionais do veículo. De diversas formas, o jornal impresso demonstra articulações e propósitos hipertextuais –como se quisesse romper, no âmbito sígnico, com a materialidade do aparato, do suporte –, o que classifiquei como uma presença do hiperlink em caráter simbólico dentro das publicações. Na pesquisa, busquei fundamentar esse aspecto na formação de uma “mente da cultura”, que por meio de um diagrama de pensamento articula novos sentidos que se expressam em todos os sistemas culturais.
EC – O jornalismo impresso está mais opinativo?
Galan – Não foi possível na pesquisa realizar um estudo detalhado sobre gêneros. Dessa forma, não posso afirmar isso. Mas numa análise geral, embasada por outros estudos, percebo que a opinião e a crítica, por exemplo, vem se diluindo e perdendo força no impresso, talvez na expectativa de que os veículos se orientem por máximas (bastante questionáveis) da cultura profissional dessa área, como imparcialidade e objetividade, por exemplo. Ao contrário do que ocorre no impresso, o meio digital tem transferido para rede um discurso bastante pessoal e opinativo, como ocorre em blogs e redes sociais.
EC – Sua pesquisa aborda o meio digital e os jornais impressos. Acredita que a modelização também ocorre entre os diferentes meios digitais (PC, notes, smartphones, tablets…)?
Galan – Boa pergunta, mas a resposta exigiria uma outra investigação acadêmica. O entendimento das linguagens da nova mídia é algo que vem recebendo atenção de diversos estudiosos. Para isso, é preciso uma investigação aprofundada, como realizou Lev Manovich, por exemplo. Entender a modelização no meio digital exige a compreensão de uma outra escala de escrita e organização de códigos. Para isso, seria necessário compreender a linguagem digital em toda a sua complexidade, o que incluiria estudos de algoritmos e bancos de dados. Não podemos falar de uma modelização do meio digital apenas pelos aspectos das interfaces às quais temos acesso, criadas, sobretudo, com o viés de uma codificação de compreensão humana.
EC – Pesquisas internacionais preveem o fim dos jornais impressos para as próximas décadas e os grandes grupos de mídia estão reduzindo tiragens e investindo no digital. Quem você acredita que deve sobreviver no papel?
Galan – Infelizmente, até o momento, isso vem ocorrendo, em grande parte, pelo mero assombro de concorrência ou perda de espaço e ainda pela expectativa de discutir e comparar modelos de negócios. Acredito que a grande mídia tenha se pautado mais pelo aspecto financeiro do que pela lógica das redes. E talvez, por considerarem apenas esse eixo de compreensão, muitos analistas não vêm encontrando boas expectativas, daí o surgimento de noções tão fatalistas a respeito do futuro do jornalismo impresso. Acredito que se deveria considerar mais o jornal no plano dos sentidos, na estruturalidade de suas linguagens e não apenas por seu suporte físico. A materialidade é algo que vem sendo substituído pela virtualidade, pela digitalização, em diversas esferas da cultura, de fato. Porém, acredito que não se pode perder as características formadoras do discurso jornalístico, que são valiosas para a sociedade democrática.
EC – É recorrente em sua pesquisa o aparecimento de recursos visuais da internet nos impressos. Isso também é uma forma de modelização? Não estaria o impresso perdendo sua identidade?
Galan – Esse é um dos indícios mais marcantes de uma modelização no impresso. O plano da visualidade e do design gráfico tem grande responsabilidade pela remissão à ideia de hiperlink. Não acredito em perda de identidade, nesse caso, mas em uma atualização de linguagem, o que é totalmente legítimo e passível de ocorrer.
EC – O diálogo entre as diferentes plataformas vem sendo crescente, não apenas entre meio digital e impresso, mas também entre a TV e o digital, o rádio e o digital. Para você, estamos vivendo uma fase intermediária de adaptação de linguagens ou essa convergência é para sempre?
Galan – Segundo Iúri Lótman, um dos fundadores da semiótica da cultura, a dinâmica cultural é marcada por uma relação de retração e mobilidade. Lótman batizou esse eixo de processo gradual. Acredito que estamos, sim, passando por um processo gradual em que as linguagens estão todas sendo avaliadas e testadas. Imagino que algumas delas mostrarão suas características intrínsecas e sua importância na esfera cultural conectada. A ideia de convergência não inaugura nem reinventa os meios predecessores. A internet não é dona das heranças culturais e das mídias.
EC – A internet tem sido pauta dos jornais impressos diários. O que isso comprova?
Galan – Por um aspecto, ilustra a criação de uma nova ambiência de comunicação e demonstra a característica transformadora do surgimento de um novo meio no plano de uma mente cultural. Por outro lado, esse comportamento considera as criações digitais como commodities, como algo que merece importância por movimentar consumo e hierarquia financeira – a meu ver, uma visão perversa do capital sobre o novo meio.
EC – Você tem informação de outras pesquisas ou trabalhos no Brasil ou no mundo que indiquem essa mudança de linguagem do impresso? Ou que não tenha previsões de fim do jornal impresso?
Galan – Roger Fidler, estudioso americano das novas mídias, batizou esse processo de reorganização estrutural das mídias tradicionais diante de novos contextos de “mídiamorfose”. Cito esse conceito em minha dissertação e desenvolvi uma teorização bastante próxima dessa ideia. É uma noção mais ecológica e menos fatalista sobre os meios tradicionais. Infelizmente, esse foi um dos pouquíssimos estudos com esse viés a que tive acesso. No mais, esbarrei em uma enxurrada de opiniões catastróficas, que enaltecem o fim do jornalismo impresso, até com certo deboche e desrespeito a seu passado.