Universidades apostam na internacionalização
Foto: arquivo pessoal
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A professora doutora Jane Knight, do Instituto de Estudos em Educação da Universidade de Ontário, no Canadá, vem estudando com profundidade esses movimentos de internacionalização da educação superior, tendo desenvolvido trabalhos em mais de 70 países com universidades, governos e agências da ONU.
Jane é autora de vários livros (não editados no Brasil) sobre esse tema e cofundadora da Rede Africana para a Educação Internacional, com assento no conselho de diversas organizações e revistas. Em 2010, recebeu homenagem da Universidade de Exeter, no Reino Unido, por suas pesquisas sobre as dimensões internacionais do ensino superior. Já recebeu também o Prêmio Pesquisador de Destaque, da Associação Europeia para a Pesquisa Institucional (2011) e a Medalha de Gilbert Universitas 21 (2013), por sua contribuição para uma maior internacionalização da educação. “O número de novas instituições entregando cursos aos estudantes em seus países de origem está crescendo em um ritmo sem precedentes”, constata a pesquisadora.
A demanda, que no ano 2000 era de 1,2 milhão de estudantes, deve bater em 7,2 milhões de beneficiados em 2025. Nesta entrevista exclusiva ao Extra Classe, Jane aborda a internacionalização como substituta da qualidade, a mobilidade estudantil e o papel dos estudantes estrangeiros, acordos institucionais e parcerias, bem como estratégias que instituições não reconhecidas e de baixa qualidade utilizam para angariar estudantes e pesquisadores.
Extra Classe – Qual a diferença entre globalização da educação e internacionalização da educação?
Jane Knight – A globalização é um processo que incide sobre o fluxo mundial de ideias, recursos, pessoas, economia, valores, cultura, conhecimento, bens, serviços e tecnologia. A internacionalização da educação superior é o processo de integração de uma dimensão internacional, intercultural e global sobre os objetivos, ensino, aprendizagem, pesquisa e serviços de uma universidade ou de um sistema de ensino superior. A internacionalização enfatiza a relação entre as nações, culturas, instituições e sistemas, embora a globalização acentue o conceito de fluxo mundial de economia, ideias, cultura etc. A diferença entre o conceito de “fluxo mundial” e a noção de “relação entre nações” é ao mesmo tempo surpreendente e profunda. Assim, esses dois conceitos estão muito relacionados entre si, mas ao mesmo tempo são diferentes. O debate se situa em entender se a internacionalização do ensino superior é um catalisador, reator ou agente da globalização.
EC – O que caracteriza uma universidade internacionalizada?
Jane – Não existe uma receita ou um conjunto de indicadores. A internacionalização é um processo de mudança feito sob medida para atender às necessidades e interesses de cada instituição de ensino superior. Não há uma fórmula pronta de internacionalização. Adotar um conjunto de objetivos e estratégias que estão “na moda” e para fins de “divulgação” nega o princípio de que cada programa, instituição ou país precisa descobrir a sua abordagem individual com suas próprias bases, metas e resultados que espera obter. Isso é a prova de que o processo de internacionalização é impulsionado por uma avaliação das necessidades e prioridades individuais e que uma abordagem de modismo ou com fórmulas não é apropriada, benéfica ou sustentável. Essa verdade também pode apresentar desafios. E se uma instituição vê a internacionalização como uma ferramenta para o ganho econômico ou vantagem política? Este é um exemplo em que os fins acadêmicos e valores de cooperação, benefício mútuo e parceria precisam ser enfatizados.
EC – A internacionalização traz muitos benefícios, mas quais seriam os aspectos negativos?
Jane – Depois de várias décadas de intensa internacionalização, o desenvolvimento cresceu em escopo, escala e importância. Não há dúvida de que ela transformou o mundo do ensino superior, mas a própria internacionalização passou por mudanças fundamentais. A pergunta-chave é se as mudanças foram para melhor ou pior. Por exemplo, há 25 anos alguém poderia imaginar que a mobilidade internacional de estudantes em 2014 seria um grande negócio e mais alinhado ao recrutamento de cérebros para as agendas nacionais de inovação do que para ajudar países a desenvolver novas capacidades humanas? Pesquisas mundiais recentes sobre as funções e prioridades da internacionalização das universidades mostram que a ostentação de um perfil internacional ou um posicionamento global está se tornando mais importante do que alcançar padrões internacionais de excelência. O desenvolvimento de capacidades por meio de projetos de cooperação internacional está sendo substituído por iniciativas de construção de status para obter o reconhecimento de classe mundial e posições mais elevadas nos rankings. Receber dois diplomas de instituições de diferentes países a partir de um único curso feito em apenas uma delas (ou seja, estude para um diploma e ganhe dois) vem sendo vendido em duvidosos programas de dupla diplomação. Tudo isso em nome de internacionalização? Ao mesmo tempo, há inúmeros exemplos de iniciativas positivas como bolsas de estudos colaborativas, intercâmbio educacional entre fronteiras e estratégias de internacionalização que contribuem para o desenvolvimento dos indivíduos, instituições e do mundo em geral. Os benefícios da internacionalização são muitos e variados, assim são os riscos potenciais e as consequências não intencionais.
Foto: arquivo pessoal
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EC – Quais são os principais problemas e desafios relacionados com a internacionalização, especialmente para o estudante, em relação aos programas de mobilidade?
Jane – Prevê-se que até 2025 a demanda por educação internacional vai crescer para 7,2 milhões de estudantes, um salto quântico em relação aos 1,2 milhão de estudantes no ano de 2000. Alguns, mas certamente não todos dessa demanda, serão atingidos pela mobilidade. Consequentemente, o número de novas instituições entregando cursos aos estudantes em seus países de origem está crescendo em um ritmo sem precedentes. Não são apenas os estudantes, professores e pesquisadores que estão inseridos nessa mobilidade internacional, programas acadêmicos estão sendo entregues além das fronteiras e novos campi estão se estabelecendo em países em desenvolvimento e desenvolvidos pelo mundo. Embora esses novos projetos visem ampliar o acesso ao ensino superior e atender o apetite por credenciais estrangeiras e empregabilidade, há problemas graves relacionados com a qualidade da oferta acadêmica, a integridade dos novos “prestadores de serviço” e o reconhecimento dessas credenciais. O aumento do número de fábricas de diplomas estrangeiros e accreditation Mill (certificados de programas e instituições não reconhecidas pelo governo ou falsos) e instituições com fins lucrativos (não reconhecidas pelas autoridades nacionais) são realidades enfrentadas por alunos, pais, empregadores e professores. Quem há duas décadas imaginaria que a educação internacional estaria lutando para lidar com diplomas falsos e certificados não reconhecidos? Claro, é igualmente importante reconhecer o desenvolvimento de inovações por novas instituições e universidades de valor inquestionável, que estão oferecendo programas de alta qualidade e legítimos através de novos tipos de acordos e parcerias. A eterna questão de equilibrar custos, qualidade e acesso desafia de forma significativa os riscos e benefícios da educação entre fronteiras.
EC – Acordos institucionais regionais e internacionais estão aumentando exponencialmente. Isso é um bom indicador de quanto a universidade está internacionalizada?
Jane – Acredita-se que quanto maior número de acordos internacionais ou membros em sua rede uma universidade possui, mais prestígio e atraente ela é para outras instituições e alunos. Mas a prática mostra que a maioria das instituições não pode controlar ou até mesmo se beneficiar de centenas de acordos. Manter relacionamentos ativos e produtivos requer um grande investimento financeiro, em recursos humanos, nos membros do corpo docente, departamentos e escritórios internacionais. Assim, a longa lista de parceiros internacionais muitas vezes reflete os acordos baseados em papel e não em parcerias produtivas. Quantidade é percebida como mais importante do que a qualidade e a lista de acordos internacionais é mais um símbolo de status do que um registro de colaborações acadêmicas funcionais. A tendência mais recente é o enxugamento do número de acordos para dez ou 20 parcerias prioritárias em toda a instituição. Isso pode levar a relações mais abrangentes e sustentáveis, mas também a um sentimento de descontentamento entre os membros do corpo docente e pesquisadores sobre uma abordagem de cima para baixo para a colaboração internacional e a redução de interesses de pesquisa ou curriculares internacionais individuais.
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EC – Qual é a sua opinião sobre a crescente popularidade dos programas dupla titulação?
Jane – Uma tendência recente vem sendo o estabelecimento de programas de colaboração entre instituições de diferentes países que levam a duplos (ou múltiplos diplomas) e, em alguns casos, diplomas conjuntos – sendo que este último enfrenta fortes restrições legais. Os programas conjuntos são destinados a fornecer uma experiência acadêmica internacional e comparativa rica para os estudantes e para melhorar as suas oportunidades de emprego. Mas, como todas as novas ideias, ocorrem adaptações questionáveis e consequências não esperadas. Por exemplo, em alguns casos, os diplomas duplos podem ser nada mais que a duplicação dos créditos do curso. Existem situações em que dois ou três certificados (um de cada instituição participante) são conferidos por pouco mais do que a carga horária necessária para um certificado. Embora possa ser muito atraente para os alunos (e potenciais empregados) possuir dois diplomas de instituições de dois países diferentes, a situação pode estar no limiar de uma fraude acadêmica se os requisitos para os dois certificados não são concluídos ou os diferentes resultados de aprendizagem não são alcançados. É importante salientar, no entanto, que existem muitos programas duplos e conjuntos excelentes e inovadores de graduação, mas uma das consequências imprevistas é o mau uso ou abuso de concessão de grau e protocolos de reconhecimento.
EC – A internacionalização leva à homogeneização cultural e ocidentalização ou contribui para uma maior compreensão da diversidade cultural?
Jane – O impacto das novas formas de mobilidade acadêmica internacional sobre o reconhecimento e promoção de culturas diversas é um assunto que desperta fortes posicionamentos e sentimentos. Muitos acreditam que as tecnologias da informação e da comunicação e a circulação de pessoas, ideias e culturas através das fronteiras nacionais apresentam novas oportunidades para promover a sua cultura para outros países e melhorar a fusão e hibridização das culturas. Um benefício importante é uma maior compreensão da diversidade cultural e, esperamos, forte valorização intercultural e habilidades de comunicação. Outros afirmam que essas mesmas forças estão minando as identidades culturais nacionais e que, em vez de criar novas culturas híbridas, culturas estão sendo homogeneizadas o que, na maioria dos casos, significa ocidentalizadas. Porque a educação tem sido tradicionalmente vista como um veículo de aculturação, esses argumentos se concentram sobre as especificidades do conteúdo curricular, língua de ensino (especialmente o aumento do inglês) e o processo de ensino/aprendizagem em educação internacional.
EC – Qual sua avaliação sobre os MOOCs (Massive Open Online Courses) e até que ponto pode-se considerar esse tipo de curso uma forma de internacionalização da instituição?
Jane – Ainda é muito cedo para dizer qual será o impacto dos MOOCs no ensino superior internacional. Em geral, os MOOCs têm um papel poderoso a desempenhar na ampliação do acesso a oportunidades de aprendizagem não formal, que é uma área subdesenvolvida do ensino superior internacional. No entanto, a questão se agiganta para quanto tempo levará até que a maioria dos MOOCs ofereçam certificados formais da instituição prestadora ou por terceiros. Em um futuro distante, a bola de cristal apresenta um quadro fraco e difuso de estudantes que personalizam seu próprio menu de programas através da combinação de cursos oferecidos por instituições públicas, privadas, regionais e internacionais – seja presencial, à distância ou uma combinação dos dois – que serão credenciados por diferentes agentes, com uma qualificação final que está sendo oferecida por um fornecedor local. Os MOOCs podem, eventualmente, ser vistos como um estímulo para este cenário! Quem sabe?
EC – Como avalia o crescimento dos rankings de universidades e até que ponto eles criam uma concorrência apenas por status e não por qualidade?
Jane – Não há dúvida de que os rankings internacionais e regionais de universidades se tornaram mais populares e problemáticos nos últimos cinco anos. O debate acalorado sobre a sua validade, confiabilidade e valor continua. Mas, ao mesmo tempo, reitores de universidades afirmam que um resultado mensurável de internacionalização é a conquista de uma posição específica em um ou mais rankings mundiais. Mas é uma suposição incorreta de que o objetivo dos esforços de internacionalização de uma universidade é melhorar a marca global ou se perpetuar. Isso confunde uma campanha de marketing internacional com um plano de internacionalização. O primeiro é um exercício de promoção e expansão de marca; o último é uma estratégia para integrar uma dimensão internacional, intercultural e global para as metas de ensino, pesquisa e funções, com os serviços de uma universidade. Os objetivos, resultados esperados e investimentos em uma iniciativa global de marca são diferentes dos exigidos para a internacionalização. É um mito que um plano de marketing internacional é o equivalente a um plano de internacionalização. Isso não nega o fato de que uma agenda estratégica e bem-sucedida de internacionalização pode levar a uma maior visibilidade, mas o reconhecimento não é o objetivo, é um subproduto.
EC – Como internacionalizar-se sem perder as características regionais e a ligação com a comunidade em que a universidade está inserida?
Jane – A internacionalização se reconhece e se baseia em prioridades, políticas e práticas locais, nacionais e regionais. A internacionalização visa complementar, harmonizar e ampliar a dimensão local, não dominá-la. Se esta verdade fundamental não é respeitada, há forte possibilidade de retrocesso e da internacionalização ser vista como um agente de homogeneização ou hegemônico. Honrar a construção da cultura e o contexto local é um princípio fundamental da internacionalização.