Foto: USP/Divulgação
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Bacharel em Matemática (USP) e mestre em Filosofia da Ciência (Unicamp). Antes de juntar-se à Transparência Brasil, sua principal atividade profissional, também dedicou-se ao jornalismo, assim como muitos de seus irmãos. Organizou o livro A Regra do Jogo, de seu pai. Colabora frequentemente com a imprensa e é autor de artigos em publicações especializadas a respeito do tema da corrupção e seu combate.
Extra Classe − Sobre a questão da Petrobras e operação Lava-Jato, que ganhou o apelido de “Petrolão”, o problema começa com o PT, nos governos anteriores, já era pré-existente, como isso se deu?
Cláudio Weber Abramo – Olha, as condições para divisão de obras, direcionamentos de contratos na Petrobras existem há muito tempo, não se pode imaginar que esse tipo de coisa, para pagamento de propina, foi criado agora. Essa situação foi certamente potencializada nos últimos anos pelo fato de que houve um claro loteamento da empresa entre os partidos políticos PP, PT, PMDB. A empresa deixa de ser dirigida profissionalmente para o ser de acordo com interesses partidários. Isso é um agravante. Adicione-se a isso a inércia do seu Conselho de Administração, que não presta atenção nessas coisas. E mesmo sendo uma diretoria comprometida politicamente, as raízes do problema, porém, são anteriores.
EC − Esse início ocorre quando flexibiliza a contratação de fornecedores em 1997, ainda no governo FHC?
Abramo − A Petrobras é a única empresa pública brasileira que tem uma regulamentação própria, que data justamente de 1997, no governo FHC. Quando isso aconteceu se criou um conjunto de regras muito, muito frouxo, que favorece o direcionamento das decisões por parte dos administradores. E isso foi denunciado desde sempre. Se alia o loteamento à garantia de que partidos políticos vão ter terreno livre para fazer o que quiserem dentro da empresa. E não é só na Petrobras não, é em todo o Estado brasileiro e não apenas no governo federal, mas também nos estados e municípios e sob a tutela de todos os partidos. Todos funcionam do mesmo jeito.
EC − E como funciona?
Abramo − Se faz um loteamento da administração. Diz pro partido aliado em troca de apoio: “faz aí o que você quiser”. Essa é a jogada. Então, você alia o caso da Petrobras neste tipo de coisa com um mecanismo de fazer compras que é muito vulnerável e aí dá nisso: uma ladroagem aí, nadando de braçadas.
EC − O senhor quer dizer então que o sistema licitatório convencional já tem suas vulnerabilidades e que o sistema de contratos da Petrobras é ainda bem mais permissivo?
Abramo – A Lei de Licitações brasileira não é permissiva, pelo contrário. Ela é bem mais rigorosa do que na maior parte dos países. O sistema de contratação da Petrobras, que está fora da lei de licitações, é que é propício a fraudes muito por conta disso.
EC − Saindo um pouco da esfera federal, como funciona esse mecanismo de corrupção, no que se refere à distribuição política nos governos em todos os níveis (federal, estadual e municipal)? Como funciona este loteamento que o senhor mencionou?
Abramo – Se dá da seguinte maneira, existe uma garantia constitucional, está no artigo 37 inciso quinto, que dá uma garantia de que os indivíduos que ocupam funções de alta responsabilidade nos três poderes, não só no Executivo, podem nomear uma quantidade que é basicamente ilimitada de pessoas para ocupar cargos de provimento em comissão (sem concurso público), os famosos CCs. E é o Executivo quem pega mais pesado, porque é ele quem tem dinheiro para gastar. Então o que é que faz o sujeito eleito: presidente, governador, prefeito: assim que é eleito o cara chama os partidos que compõem sua base e diz “vocês votem comigo, não me fiscalizem e em troca eu lhes dou tais e tais cargos, empresa pública, autarquia, ministério, secretaria, subprefeitura etc. Partilha entre os partidos. Ou seja, o Executivo compra o apoio do partido político. Todos fazem isso. Mas o que o partido político quer com aquilo? Por que razão um partido político quer controlar, sei lá eu, a Diretoria Regional do INSS em algum lugar, por exemplo? Um, para empregar a cupinchada, e dois, para fazer negócios. Então, se tem uma situação em que o poder administrativo é distribuído não de acordo com as competências que precisam ser instaladas no poder público, mas de acordo com conveniências partidárias. Com isso, vem a garantia implícita de que não haverá fiscalização e de que se pode fazer o que quiser. Claro que isso não pode dar certo, mas é assim que funciona. Se loteia o Estado entre os partidos e esse mesmo Estado passa a funcionar a partir dos interesses dos partidos e não dos nossos interesses.
Então o que é que faz o sujeito eleito: presidente, governador, prefeito: assim que é eleito o cara chama os partidos que compõem sua base e diz “vocês votem comigo, não me fiscalizem e em troca eu lhes dou tais e tais cargos, empresa pública, autarquia, ministério, secretaria, subprefeitura etc.”. Partilha entre os partidos
EC − E como isso se dá nas instituições públicas fora do Executivo: Judiciário, Legislativo etc.?
Abramo – É tudo a mesma coisa. O desembargador nomeia um monte de gente. Nos legislativos se reflete na quantidade enorme de assessores. A Câmara Municipal de São Paulo, por exemplo, que tenho números, possui mais funcionários nomeados pelos vereadores do que concursados de carreira. Há uns poucos anos, o presidente da Assembleia Legislativa de Alagoas chamou todos os funcionários da casa e se deu conta que tinham mais funcionários do que espaço físico para trabalhar, de tantos CCs, que na verdade prestavam serviços apenas para seus deputados, que são seus donos fora dali e recebendo. É uma situação de altíssima ineficiência.
EC − E a reforma política, da forma como está sendo discutida no Congresso, ela oferece alguma solução para esses problemas?
Abramo – É óbvio que não, né? E reforma política é uma coisa que depende muito de quem diz e do que quer dizer exatamente com isso, pois o tema é amplo e vago. Então quando se fala em reforma política no Brasil, o sujeito tem de tomar cuidado para ver quem está falando e o quê. Sei pelo menos de umas três propostas distintas. Aquilo que se tem apresentado como reforma política, não apenas pelo seu texto, mas porque muita gente que vai nessa onda não compreende essa questão que eu mencionei, por exemplo. A raiz fundamental não é abordada. Foca-se o debate no financiamento eleitoral e apenas nisso como se fosse a raiz de todos os problemas. E não é verdade.
Foto: Divulgação/Transparencia Brasil Foto: Divulgação/Transparencia Brasil
Abramo – O que a gente tem de acreditar muito é que se quem se locupletou diante de uma organização criminosa e roubou dinheiro, sob o argumento de que era para a eleição, cometeu um crime igual. Não se pode tomar como verdadeiro um argumento de ocasião para tentar retirar um pouco da gravidade do problema. Não quer dizer que as empresas não utilizem o financiamento eleitoral e não façam isso para influenciar a política, porque elas fazem isso. O que acontece com a proposição de proibir o financiamento privado no Brasil é que isso não funciona, é contraproducente, porque vai transformar o que é caixa 1 hoje em caixa 2. Se proibir, pode ter certeza que no futuro isso vai ocorrer; e além do mais, o financiamento privado vai continuar existindo de forma velada, como já ocorre para além dos limites permitidos. É mentiroso e de má-fé o argumento de que toda a corrupção tem origem no sistema de financiamento eleitoral. Essa discussão sobre o financiamento eleitoral nunca apresenta uma solução eficaz, que é, por exemplo, você estabelecer limites absolutos para criação de grupos econômicos. Porque a inexistência desses limites é que permite que esses grandes grupos existentes no Brasil hoje tenham um poder de fogo e de pressão política difícil de ser combatido e controlado. Isso cria uma ordem preferencial de atendimento. Se um governador ganhou 2 milhões de reais para a sua campanha e outro de 500 reais, quem ele vai ouvir mais, o dos 2 milhões ou o dos 500 reais? Com limites, esse poder seria melhor distribuído entre muito mais empresas.
EC − Se tem alguma ideia hoje do quanto a corrupção custa ao país?
Abramo – Não existe como se fazer essa conta, porque muito do que ocorre está escondido.
EC − Quais seriam os mecanismos para reduzir a corrupção produzida por quem tem poder ou acesso à máquina pública?
Abramo – Uma primeira medida seria não prestar atenção em quem fala em cultura da corrupção. A gente ouve isso o tempo todo. “Ah, porque tem essa cultura da corrupção”. E que se tem de combater a cultura da corrupção…” Papo furado. Eu acredito que isso vem de gente que não tem o que dizer e é contraproducente, porque dá argumento para esses advogados que andam por aí. Algo do tipo, se o Brasil tem cultura da corrupção então tudo bem, é cultural. A corrupção tem causas objetivas e tem de ser tratada de forma objetiva e pontual; é muitas vezes favorecida nas leis existentes, que deixam brechas às práticas ou às favorecem. Reformas legais são necessárias e algumas já feitas até tiveram consequências. Agora, tem uma área que se presta muito pouca atenção no Brasil que é o gerenciamento da máquina pública em todos os poderes e que nada tem a ver com lei, que precisa de mecanismos de controle e de fornecimento de informações que deem mais transparência aos processos. São coisas chatas, mas que são necessárias e que nada tem a ver com legislação; e que se não há esses mecanismos de controle favorece e gera corrupção. E o combate a esse tipo de corrupção se faz trabalhando. Não se pode dar crédito a esses discursos do tipo: “eu vou acabar com a corrupção”.
Foto: Agência Brasil
EC − Nesse caso específico da Petrobras, que mecanismos não funcionaram e permitiram que esses cargos diretivos e de gerenciamento tenham praticado ou sigam praticando isso que estamos vendo?
Abramo – A causa principal é o gerenciamento. Porque quem ganhou uma diretoria na Petrobras recebeu esse cargo com a garantia de que não seria fiscalizado. O que esse caso da Lava-Jato poderia trazer de consequências construtivas? O pior é que não se está encarando esse caso de forma construtiva. Existe uma maneira reativa tanto de parte da imprensa, como da classe política e da sociedade em geral, que deixa passar essa oportunidade. Primeiro, é que o foco é apenas na Petrobras, quando na verdade isso ocorre por conta daquele loteamento político que disse antes e não se restringe à Petrobras. Assim como o problema não se restringe somente ao financiamento de campanha.