Foto: Igor Sperotto
Foto: Igor Sperotto
Redução de recursos, negligência na manutenção de equipamentos, suspensão de contratação de concursados e criação de uma entidade com poderes legais para repassar a produção para a iniciativa privada, com possibilidade de terceirização da produção, encontra resistência em movimento de funcionários da Fundação Piratini preocupados com os rumos dos veículos.
Apontando um processo de sucateamento das estruturas da TVE e da Rádio FM Cultura, funcionários temem pelo fim da produção própria das emissoras. Segundo relatos, há indicativos de que empresas terceirizadas passarão a assumir programas, a partir de contratos com a recém-implementada Associação dos Amigos da Fundação Piratini – TVE e FM Cultura. O movimento chegou aos ouvidos do Procurador Geral do Ministério Público de Contas, Geraldo Da Camino, que oficiou a Fundação Piratini, solicitando esclarecimentos da nova associação. No documento, são listados nove itens, entre eles questionamentos sobre o atual departamento de Comunicação e Relações Institucionais (Marketing) da casa, que, segundo funcionários, foi desconstituído para ser criado outro, composto apenas por pessoal de cargos em comissão (CCs).
Houve cortes no orçamento e investimentos e suspensão da contratação de concursados. A presidente da Fundação Piratini, Isara Marques, afirma que o Estado está em “sérias dificuldades” financeiras: “isso também reflete no orçamento da rádio e da TV, que custa mais de R$ 2 milhões mensais. Visando amenizar esta situação, reforçamos o departamento de Comunicação no sentido de captar recursos através de apoios culturais”. Ela justifica a decisão de não renovar o concurso: “partiu do julgamento de que faltou avaliar as aptidões específicas para o desempenho das funções durante a prova de 2014, com isso, foram aprovadas pessoas sem condições de exercer os trabalhos. São 261 funcionários, número mais do que suficiente para a sua produção de conteúdo”.
Outros fatores têm orientado a atuação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS (Sindijors) e do Sindicato dos Empregados em Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas e de Fundações Estaduais (Semapi). “Nos preocupa a ameaça de desmonte dos serviços públicos de forma geral”, explica a diretora, Maria Helena Oliveira. A entidade pretende se unir a outras entidades de classe para um enfrentamento conjunto ao projeto de “Estado Mínimo” do atual governo. “A Fundação de Economia e Estatística (FEE) e a Fundação Zoobotânica (FZB) já foram alvo de projetos de extinção. Agora, a terceirização dos serviços da TVE e Rádio FM Cultura será posta em prática a partir do Decreto 53.175 de 2016, do governador José Ivo Sartori (que regula o regime jurídico das parcerias de empresas públicas com a sociedade civil – e que, na prática, neste caso acaba dispensando a aprovação do polêmico PL 44, que trata das Organizações Sociais (OS), encaminhado à Assembleia Legislativa em fevereiro)”.
Recentemente foi alterado o proponente do Projeto 158.759 (que trata de seu Plano Anual de Atividades para 2016), já aprovado na Lei Rouanet em 2015. “Ou seja, o dinheiro que iria ser destinado para Fundação Piratini (após captação) vai direto para esta nova Associação de Amigos, que vai contratar produtoras sem edital público”, protesta o jornalista Alexandre Leboutte, que foi representante dos funcionários no Conselho Deliberativo da Fundação por três mandatos. Ele considera que a nova associação não passa de um “embrião de OS”. “Tanto é, que não convidaram os servidores para integrar a Associação cuja diretoria é constituída basicamente por pessoas filiadas ao PMDB e sequer avisaram da assembleia de fundação da mesma. Tudo foi feito às escondidas dos funcionários”.
Em setembro, foi impetrado processo de conhecimento pelo Sindicato dos Radialistas para saber qual a finalidade e quais as relações da Associação de Amigos com a Fundação Piratini. “O clima está pesado”, diz o programador musical da FM Cultura, José Fernando Cardoso, suplente da rádio no Conselho Deliberativo. “Existem dois universos que não se conversam. Tudo bem que a relação entre funcionários e CCs sempre é tensa, mas nesta gestão está sendo em um nível excessivo”. O Sindjors vem acompanhando denúncias sobre demissões ou condições de trabalho.
Associação ou ação entre amigos?
O jornalista Alexandre Leboutte contesta o argumento que vem sendo repassado aos servidores da Fundação Piratini de que sem uma associação de amigos não seria viável a captação de recursos via Lei Rouanet, uma vez que o dinheiro captado cairia em caixa único do governo. “A legislação de incentivo fiscal exige a criação de uma conta bancária exclusiva para os projetos”, destaca. Ele interpreta que o verdadeiro motivo da criação da Associação seja a existência de um espaço paralelo e permanente de gestão da Fundação por pessoas vinculadas ao PMDB e de forma terceirizada, com produção de conteúdos subcontratada. “É muito difícil combinar a burocracia estatal com o dinamismo de veículos de comunicação, são tempos completamente diferentes. A Associação de Amigos da TVE vai auxiliar na solução desta equação”, rebate a presidente da casa, Isara Marques.
O diretor do Sinpro-RS, Ângelo Prando, concorda com o raciocínio de Leboutte. Presidente em exercício do Conselho Deliberativo da Fundação Piratini, ele entende que a Associação de Amigos da TVE e FM Cultura “nada mais é do que uma futura administradora da Fundação Piratini, num obscuro processo de privatização”, opina. Ele lembra que por ser uma fundação pública de direito privado, a empresa pública tem facilidades que outros braços do governo não têm, a exemplo da Casa de Cultura Mário Quintana (CCMQ), que pertence à administração direta (Secretaria de Estado da Cultura).
“Não somos contra a gestão conseguir parceiros para ajudar a levantar fundo para a Fundação, mas sim ao fato de se dizer incompetente para realizar a produção e simplesmente terceirizar. Parece má-fé o fato de passar recursos públicos para uma entidade privada”. Prando denuncia que o Conselho Deliberativo inclusive está de “mãos atadas” para aprovar as ações da diretoria ou mesmo impedir algumas medidas que estão ocorrendo, por pura falta de quórum nas reuniões. “Muitos integrantes são representantes do setor empresarial, o que talvez explique o desinteresse nas pautas”.
Qualidade: televisão pública x estatal
Para o presidente da Federação dos Periodistas da América Latina e Caribe e diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindijors), Celso Schröder, tantas manobras não deixam dúvidas de que o intuito do governo do Estado é mesmo colocar os serviços nas mãos de empresários do setor.
“Reconhecemos na política do governo Sartori um sucateamento da infraestrutura da Fundação Piratini e, do ponto de vista dos conteúdos, uma não responsabilização de apresentar para o estado a melhor produção jornalística, inclusive ignorando alguns avanços e métodos que a televisão tinha construído com a EBC em determinado momento”, afirma. Para o sindicalista, a lógica utilizada no Rio Grande do Sul tem sido a mesma de outros governos conservadores (Yeda Crusius, do PSDB; Antônio Britto e Germano Rigotto, do PMDB). “É lamentável que a Fundação Piratini passe a mover-se como uma mendiga desmilinguida, buscando esmolas aqui e acolá. Enquanto a TVE e a FM Cultura são abandonadas, o governo transfere recursos ao setor privado e prioriza um compromisso íntimo com a maior empresa de comunicação do Estado”.