Descrença no Judiciário
Fotos: Loryen Bessa
Fotos: Loryen Bessa
Kenarik Boujikian acaba de ser promovida por merecimento ao cargo de desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP). A nomeação não teria ocorrido se a juíza não tivesse revertido no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a pena de censura que o TJSP tentou lhe aplicar pela soltura de presos que já cumpriram suas sentenças. Para alguns operadores do Direito, na realidade, a punição fazia parte de uma estratégia para impedir a progressão de carreira da magistrada, que foi responsável pela condenação do ex-médico Roger Abdelmassih a 278 anos de prisão por estupro de 56 pacientes. Nascida em uma aldeia de armênios, na Síria, Kenarik chegou ao Brasil com os pais aos três anos de idade. Na magistratura, tornou-se conhecida pela defesa dos direitos humanos, condição pela qual foi convidada para, junto com a atriz Letícia Sabatella, encontrar o Papa Francisco, em 2016, para levar a preocupação dos movimentos sociais com o golpe que estava em curso contra a presidente Dilma Rouseff. Co-fundadora e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia, Kenarik fala sobre a seletividade da investigação que está sendo realizada pelo CNJ contra os juízes cariocas André Nicolitt, Simone Nacif, Cristiana Cordeiro e Rubens Casara por terem se posicionado publicamente contra o impeachment
Extra Classe – O CNJ abriu Reclamação Disciplinar para investigar a conduta de quatro juízes que se manifestaram em ato público no Rio de Janeiro contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Qual a sua opinião a respeito disto?
Kenarik Boujikian – A imposição de processo administrativo disciplinar, após ser arquivado pelo TJRJ, em razão de participação de ato público apartidário, realizado com o apoio de inúmeras entidades civis, que tinha por mote protestar contra a destituição da presidente da República, em defesa da Constituição e do Regime Democrático, é de enorme gravidade, pois fere o princípio da independência judicial, imprescindível para a manutenção do Estado Democrático de Direito. Penso que é uma forma de intimidação e constrangimento e se reveste da maior gravidade porquanto atinge os atores do poder que devem preservar esta garantia aos cidadãos.
EC – A quem serve a independência judicial?
Kenarik – É preciso deixar bem claro que a independência judicial não está para servir aos magistrados, mas aos cidadãos, e é tão vital para o patamar civilizatório que os países membros da ONU o destacaram, faz décadas. No seu Sétimo Congresso determinou, dentre outros, que os estados estão obrigados a garantir a independência da judicatura e que os juízes, assim como os demais cidadãos, gozam da liberdade de expressão, associação, crença e reunião, preservando a dignidade de suas funções e a imparcialidade e independência da judicatura. Considero extremamente preocupante o processo contra os juízes, que não atinge apenas os quatro, mas toda magistratura, e a noção histórica e social sobre a liberdade de expressão, como elemento fundante dos direitos humanos.
EC – A Lei Orgânica da Magistratura (Loman) impede os juízes de falarem?
Kenarik – Alguns disseram que a liberdade de expressão tem limitação para os juízes, já que a Loman possui dispositivos que os restringem, como a vedação de falar sobre processos. Esta norma exige um mínimo de compreensão histórica e não pode ser lida ao desamparo da Constituição Federal e demais marcos normativos regionais e internacionais que tratam da matéria. Lembremos quando a Loman foi editada: em 1979, quando vigente a ditadura civil-militar. Houve insurgência de todas as associações de juízes, das consciências jurídicas e deputados que apontaram que a Lomam era filha do “pacote”, um Código Penal para a magistratura, um dos substitutos do Ato Institucional nº 5, poderoso, discricionário e autoritário.
EC – Não é um exagero comparar ao AI-5?
Kenarik – Podemos dizer, com tranquilidade, que é isso mesmo o que acontece até os nossos dias, pois o Brasil não expurgou, como deveria ter feito, as leis que não se compatibilizam com a democracia. Veja que em relação a juízes, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos debruçou-se sobre a violação do direito à liberdade de expressão, em ao menos dois casos mais recentes e reafirmou a necessidade do Estado ser seu garante. A Corte Europeia de Direitos Humanos também reafirmou que a liberdade de expressão constitui a essência de uma sociedade democrática e condição básica para desenvolvimento dos valores. Há precedentes na Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, que arquivou sumariamente procedimentos administrativos. De lavra do desembargador Munhoz Soares, Corregedor Geral da Justiça, decisão datada de março de 2010 – processo 25868/2010 – que destacou a lição de atrelar-se ao princípio fundante da dignidade da pessoa humana, cuja ideia ordenadora procede à iluminação de todo o sistema jurídico. Na mesma esteira, a decisão do desembargador Mário Devienne Ferraz, Corregedor Geral da Justiça do TJSP, prolatada no processo 280/11, em dezembro de 2011, que destacou a inexistência de valores ideológicos uníssonos, que robustece a ideia de hipercomplexidade, com vezos diversos de manifestação da liberdade de expressão, princípio fundamental de eficácia plena, cujo alicerce promana do princípio fundante da dignidade da pessoa humana. Somente no contexto histórico e jurídico retratado é que se pode analisar a Loman, sendo de meridiana clareza que a ordem constitucional não recepcionou a limitação estabelecida.
“É preciso deixar bem claro que a independência judicial
não está para servir aos magistrados, mas aos cidadãos”
EC – Mas qual é a restrição que se referiu?
Kenarik – Não podemos esquecer os princípios constitucionais e a normativa internacional mencionada, que, de fato, estabelece restrição exigindo que o juiz seja imparcial. Nesta medida, não há que se admitir que um juiz, um desembargador, um ministro possa vir a julgar ou participar de julgamento se houve manifestação sobre uma situação concreta que está sob sua jurisdição. Os demais magistrados, que não estão vinculados jurisdicionalmente aos fatos, não estão manietados.
EC – O juiz pode ter participação político-partidária? Participar de manifestações é atividade partidária?
Kenarik – No Brasil os juízes são proibidos de exercer atividade político-partidária, o que vem de longa data. Mas é necessário identificar o que é ação partidária e o que é ação cidadã. Como premissa vamos registrar que o impedimento tem fundamento no exercício de uma ação que tem vínculo com algum partido político, e o fundamento posto é que um poder de Estado não deve se imiscuir em outro. Mas é claro que o juiz não renuncia à cidadania ao se tornar juiz e isto é salutar.
EC – O que baliza isso?
Kenarik – Se dentro do exercício da cidadania o juiz, de acordo com sua macrovisão do mundo, entender que deve se manifestar publicamente, do jeito que for, ele poderá fazê-lo, pois esta liberdade o compõe como ser humano. Neste sentido, é do conhecimento de todos os juízes, ministros e conselheiros que manifestações eclodiram em todo país levando milhares e milhares de cidadãos às ruas nos últimos dois anos e muitos e muitos juízes participaram destas manifestações, que não podem ser consideradas atividades partidárias, mas ações cidadãs.
EC – O processo do CNJ é uma intimidação aos juízes?
Kenarik – Forte nestes princípios, não há como não se constranger com a instauração do processo contra os magistrados Rubens, Simone, Cristiana e André, que bem poderia ser instaurado nestes termos contra milhares de magistrados, que pensam ou de uma forma ou de outra, o que é de conhecimento de todos do CNJ e de todos os tribunais. Eu mesma, após o golpe, participei de manifestação, caminhei com minha filha numa passeata e escrevi sobre isto. Mas não fui só eu e nem foram só os quatro de Copacabana. Todos sabem que vários juízes participaram de manifestações neste mesmo contexto, em portas de fórum, em praças públicas, em passeatas. Recordo-me, inclusive, de ver membro do CNJ que se manifestou sobre a questão.
EC – E por que só esses quatro de Copacabana estão sendo investigados na sua opinião?
Kenarik – Bem, isso é aplicar o direito penal seletivo. É a Loman seletiva. Ou seja, escolher a dedo alguns juízes para que sejam processados e ficar silente em relação a todos os outros. Isto causa uma sensação pavorosa, um grande mal-estar em quem tem consciência.
EC – Recentemente a própria senhora foi alvo de uma ação persecutória de seus próprios pares no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), sofrendo uma pena de censura pela concessão de 11 alvarás de soltura a presos que já haviam cumprido suas sentenças. Na ocasião, com grande apoio da magistratura e inclusive do então Procurador Geral da República Rodrigo Janot, o CNJ anulou a decisão do TJSP. A ministra Cármen Lúcia, presidente do CNJ, ainda fez questão de registrar a gravidade da tentativa de censura que lhe foi imposta. Mais do que uma vitória pessoal sua o que isso representa?
Kenarik – Essa não é uma vitória pessoal. Quando as pessoas tomaram conhecimento, em razão da publicação do parecer do professor da USP, Mauricio Zanoide, nas redes sociais, da possibilidade de ser processada e a causa, foi um envolvimento e uma indignação generalizada e crescente, de pessoas de vários estados, organizações, muitas das quais sequer tive contato. Estes gestos de solidariedade foram carregados do sentimento mais extraordinário que poderiam ter e realmente mostrou a importância do que estava acontecendo, em termos sociais. Para além da questão pessoal, creio que o fundamental foi a sociedade discutir o Judiciário, o modelo de juiz que quer para o Brasil e muito relevante que toda a discussão tenha tido como fundo a questão prisional, que sabemos é falida e onde o Estado chega às raias da perversão.
EC – Como a senhora compreendeu essa decisão?
Kenarik – Eu compreendi a decisão do CNJ sobre dois aspectos, uma da questão da independência judicial e ficou suficientemente claro que o Conselho entendeu que o que se aplicou não foi a pena de censura (para a hipótese de falta disciplinar), mas a censura propriamente dita, como repreensão a uma forma de conceber o direito e o mundo. Com isso, enviou uma mensagem a todos os juízes, na medida que aponta que os juízes devem ser intransigentes na defesa da independência judicial. É uma obrigação de cada um dos juízes. Por outro lado, o CNJ enviou uma diretriz da importância do juiz ter a preocupação de ser garante, especialmente com as populações mais vulneráveis.
EC – Falando em São Paulo, pesquisa de doutorado da ex-ouvidora-geral da Defensoria Pública estadual Luciana Zaffalon Leme Cardoso, coordenadora-geral do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, mostra como os governos do PSDB estabeleceram uma relação entre os três poderes no estado para manter a impunidade dos homicídios cometidos por policiais, os excessos da repressão às manifestações de rua, as violações dos direitos humanos nos presídios e o afastamento de juízes progressistas a pedido de colegas. Segundo o trabalho, “há uma agenda corporativa como proteção e contrapartida garantidas ao sistema de Justiça”. A senhora conhece esse estudo? Se conhece, qual a sua opinião? Isso ocorre somente em São Paulo?
Kenarik – O trabalho da dr. Luciana Zaffalon é inédito. Não há outra pesquisa que mostre estas relações. É muito interessante. Ela trabalhou a partir dos dados oficiais dos três poderes e realmente, o que se observava empiricamente em algumas questões (por exemplo, grande quantidade de cassação de liminares relacionados ao tema de segurança pública), foi traduzido e relacionado com outros dados, como por exemplo, o tempo e aprovação dos projetos de lei; salários das três carreiras da área de Justiça. É preocupante. A pesquisa é uma excelente ferramenta para se debruçar na percepção de qual o Judiciário e qual os juízes que a sociedade quer e como o que temos está a funcionar. Acredito que isto não ocorra apenas em São Paulo, mas para tal é indispensável que a pesquisa de Luciana se expanda para outros estados e que tenha seguimento.
EC – Voltando aos juízes que estão sob investigação no CNJ. Na sua opinião, é mais grave o posicionamento de um magistrado de forma pública, como os citados fizeram, ou casos como o do juiz Catta Preta Neto, da 4ª Vara Federal do Distrito Federal, que participava ativamente de atos pelo afastamento da presidente Dilma e, que em liminar, sustou o decreto que nomeou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ministro da Casa Civil do governo agora deposto?
Kenarik – Não podemos colocar as coisas nestes termos. Como disse acima, magistrados têm assegurado direito à manifestação. Então, não é possível falar em gravidade no ato de manifestação. Pelo contrário, trata-se do exercício de um direito, que não pode ser manietado. Não vou abordar a questão concreta do juiz que menciona. Mas deixo estabelecido que ao mesmo tempo que existe o direito de manifestação, também existe o dever do juiz não participar de julgamento no qual é considerado impedido ou suspeito. Se um juiz ou juíza têm relação próxima e já manifestou posição sobre o fato, evidentemente não pode julgar o mesmo. Ainda, se um magistrado se manifestar previamente sobre fatos que vai julgar, se ele adiantar seu julgamento em um lugar que não seja o processo, entendo que ele não está credenciado a exercer a jurisdição sobre o caso.
EC – Mas me parece que muitos não seguem essa sua compreensão, não?
Kenarik – Isso tem sido comum e para mim é assustador. São muitos os casos, especialmente no STF. A título de exemplo: o processo proposto pela OAB acerca do financiamento empresarial de campanha eleitoral. Durante o julgamento, o ministro Gilmar Mendes deu entrevistas sobre o tema, sendo que não tinha votado. Ao contrário, estava com vista dos autos por cerca de um ano. O debate sobre o processo deve acontecer no processo.
EC – Gilmar Mendes confirmou a suspensão da nomeação para a Casa Civil do ex-presidente Lula, atendendo ação do PSDB e do PPS. Não seria uma esquizofrenia o mesmo ministro silenciar quando Temer nomeou Moreira Franco, delatado Lava Jato?
Kenarik – O que é denominado esquizofrenia pode ser um dos fatores que está a gerar a descrença no Judiciário. É a sensação da sociedade que afirma que o Tribunal tem duas caras e duas medidas. O Judiciário não vive momento de louvor, ao contrário do que pensam muitos juízes. Há, ao contrário, um decréscimo no grau de confiança. Uma pesquisa recente da Fundação Getulio Vargas (Direito SP), referente ao ICJBrasil (Índice de Confiança na Justiça), revela queda na confiança da população no Judiciário, na comparação com o relatório de 2016. À exceção de redes sociais, que viu a confiança subir 61% de um ano para o outro, a confiança do brasileiro nas outras instituições analisadas caiu. Para o Poder Judiciário temos -17%. Atualmente, está atrás da polícia, e com uma forte percepção da seletividade que apenas se intensifica nos últimos tempos.
Trecho exclusivo on-line
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EC – Para a senhora, a atitude do CNJ de investigar os quatro juízes do Rio de Janeiro, por uma questão de isonomia, não deveria ser estendido também a magistrados que falam fora dos autos? É público e notório, por exemplo, manifestações do juiz Sérgio Moro e, como já falamos, do ministro Gilmar Mendes sobre assuntos que por eles serão julgados, por isso essa pergunta.
Kenarik – Em relação aos juízes, reitero. Todos têm liberdade de expressão e manifestação. Eu não estou falando que se manifestem sobre seus processos, aqueles que estão sob jurisdição deles. Isto é coisa diversa. Se falarem e adiantarem julgamento sobre os processos que presidem, entendo que o juiz não está em condições de atuar. No tocante aos ministros do STF é importante que todos saibam que eles não estão sob ação e controle do CNJ, que nada pode fazer em relação a eles. Para os ministros o controle é de outra natureza. Cabe o impeachment, que pode ter início por decisão do Senado. Ou, não sendo a hipótese, cabe o reconhecimento no próprio STF da imparcialidade ou suspeição, se o caso. Considero grave a conduta de ministro que fala antecipadamente de suas posições em relação a fatos.
EC – Ainda sobre o ministro Gilmar Mendes, me parece que hoje o cidadão comum começa a perceber que o mesmo muitas vezes não prima muito por coerência em suas decisões. Agora, isto não se torna mais grave quando no próprio Plenário do STF em uma contenda o ministro Luís Roberto Barroso de certa forma chega a afirmar que Gilmar “cria jurisprudências conforme a cara do réu”?
Kenarik – O que foi aquilo? Cena lamentável. A que ponto chegamos e o que tivemos o desprazer de assistir. Em dado momento os ministros disputam entre si quem tem linha mais persecutória, como se isto qualificasse um magistrado. Vossa Excelência prendeu fulano, soltou beltrano!! Uma verdadeira tragédia. Em um outro julgamento, um ministro afirmou que é necessário ver o que as ruas querem. Ouvir isto de um membro de um Tribunal Constitucional é simplesmente um pavor. O que o povo quer está na Constituição Federal. O Judiciário não pode atuar de acordo com a suposta vontade da maioria. O Judiciário deve fazer o governo do Estado pela Constituição, exclusivamente.
EC – Recentemente um juiz vetou a apresentação da peça O Evangelho segundo Jesus, rainha do Céu, em Salvador, em que um transexual interpreta o papel de Cristo. Decretar multa diária de R$ 1 milhão em caso de descumprimento não é uma medida excessivamente severa?
Kenarik – Sem entrar no mérito das decisões propriamente ditas, considero preocupante a onda falso-moralista que perpassa o Brasil. E um dos primeiros instrumentos que tentam podar é da cultura, pelo potencial que tem para adentrar na sensibilidade das pessoas, em suas diversas manifestações: teatro, exposições, shows etc… Uma onda fascista esta descarada na sociedade brasileira, e que estava adormecida. Um ovo adormecido. É a cultura do estupro, o feminicídio, a homofobia, a misoginia, a transfobia, o racismo, o desrespeito à liberdade religiosa, a intolerância, o ódio pelo pobre que está brotando fortemente. Temos que enfrentar essa situação de modo racional e sensível. O que se espera do Judiciário, nesse contexto, é que seja o órgão a garantir os direitos fundamentais, dentre eles o direito à cultura.
EC – Estudos apontam que em todos os estados, tanto juízes quanto promotores públicos recebem acima do que deveria ser previsto em lei. Qual a sua opinião sobre isso?
Kenarik – A pesquisa da Luciana Zaffalon mostra esta informação em dados. O fato é que não se deu cumprimento ao regime de subsídios. Aquele que a Constituição estabeleceu para todo o país e todas as categorias e profissões estabelecendo um teto máximo. As exceções foram abertas logo no início do funcionamento do CNJ, que afirmou o que não estaria computado neste teto. Eu acho que os poderes têm que cumprir o que a Constituição Federal determinou.
EC – Como a senhora vê a lentidão do Judiciário?
Kenarik – No tocante à demora, é preciso analisar a quantidade de processos que tramitam pelo Judiciário brasileiro, que é extraordinário, cerca de 100 milhões de processos, sendo 92 milhões são processos que estão na primeira instância. Isto é realmente uma loucura que tem que ser enfrentada. É preciso que se analise quais são os maiores litigantes e que espécie de processos se repetem.
EC – Existe alguma ideia de quem são os maiores litigantes?
Kenarik – Segundo dados de pesquisa do CNJ, grosso modo, os bancos e o próprio Estado é que são os maiores litigantes. De modo que é necessário encontrar outros caminhos para solução desses conflitos, que não passem necessariamente pelo Judiciário, pelo menos não na forma massiva, como ocorre.
EC – Sobre essa nossa conversa, a senhora teria alguma coisa a ressaltar?
Kenarik – Neste momento , não deixa de reverberar as palavras do professor Goffredo Telles Júnior, na Carta aos Brasileiros, de 1977, que reafirmou que o povo brasileiro almejava o Estado de Direito, já: “Sustentamos que um Estado será tanto mais evoluído quanto mais a ordem reinante consagre e garanta o direito dos cidadãos de serem regidos por uma Constituição soberana… o direito de ter um Governo em que o Poder Legislativo e o Poder Judiciário possam cumprir sua missão com independência, sem medo de represálias e castigos do Poder Executivo… o direito de se fazer ouvir pelos Poderes Públicos, e de introduzir seu pensamento nas decisões do Governo…; o direito de ter Juízes e Tribunais independentes, com prerrogativas que os tornem refratários a injunções de qualquer ordem… direito de exprimir o pensamento, sem qualquer censura”.