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A seleção brasileira me representa, os patos não me representam

Braço direito de Tite fala em entrevista exclusiva sobre o entrosamento da seleção, questões técnicas, Neymar e da apatia que tem tomado conta dos torcedores da seleção mais vitoriosa do planeta
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 25 de junho de 2018

Cleber Xavier e TIte em campo

Foto: Lucas Figueiredo

Foto: Lucas Figueiredo

Cleber Marcio Serpa Xavier, alegretense, formado em educação física pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), mais conhecido pela imprensa como Cleber Xavier e pelos amigos, que não são poucos, Clebinho, modestamente não aceita ser chamado de o braço direito de Tite, o técnico da seleção brasileira que está disputando a Copa do Mundo deste ano na Russia. Quando indagado sobre a sua “moral” com o professor Adenor Leonardo Bachi, nome de batismo do técnico da seleção canarinho, desfia praticamente o nome de toda a comissão técnica, tentando se colocar como mais um integrante de um grupo bem afinado. Mas a história não é bem assim. Quase um irmão siamês de Tite desde 2001 quando trabalharam juntos no Grêmio de Porto Alegre, Cleber ou Clebinho para o preparador físico da seleção, Fábio Mahseredjian, é o ponto de equilíbrio de uma relação exitosa no futebol brasileiro, ajudando clubes como Grêmio, Internacional e Corinthians a conquistar importantes títulos, um resultado químico fundamental para o esporte preferido do povo brasileiro. Nesta entrevista exclusiva ao Extra Classe, Xavier fala com desenvoltura tanto do entrosamento da seleção, de questões técnicas, de Neymar e da apatia que tem tomado conta dos torcedores da seleção mais vitoriosa do planeta e deixa claro: “a seleção brasileira me representa, os patos não me representam”.

Extra Classe – Cleber, as pessoas estão perguntando por aqui se você não vai entrar no lugar do Tite depois do tombo que deram nele na comemoração do primeiro gol do Brasil. Ele se lesionou e chegou a dizer que não estava conseguindo caminhar direito. O que acha da ideia (risos)?
Cleber Xavier – Ele lesionou mesmo. Não foi tão grave mas teve uma lesão muscular, o que não o impede de ficar na beira do gramado e dirigir a equipe. A gente já teve treinadores em piores situações dirigindo a equipe. Ainda mais numa Copa do Mundo. Então, não tem a mínima hipótese de eu entrar (risos). O engraçado foi a situação porque a gente brincou, riu, ainda ri, mas que bom que não foi nada grave, senão a gente já tinha parado de rir da história (risos). Uma lesãozinha simples.

EC – Impressionante a rapidez que se propagou o acontecimento. Muitos memes quase que instantaneamente na rede. Maldosamente (risos) alguns diziam que o Tite aprendeu com o Neymar a cair pra tentar cavar faltas. Qual a sua opinião sobre isto?
Cleber – É!!! Os memes são engraçados. A gente acaba rindo de alguns. Dos legais. Tem uns que são fracos, não dá. E aqueles críticos, daquela história de querer pisar no Neymar, falar mal ou falar alguma coisa dele, pra nós não tem a mínima graça. Nossa visão do Neymar é completamente diferente da imprensa e de uma parte da torcida que eu não sei se é grande ou se é pequena. A gente tem o maior respeito com ele. Estamos há dois anos com ele e não teve nenhum problema com a gente. Pelo contrário, o pessoal todo gosta muito dele aqui. A questão dele do jogo, o jogo dele é isto, de ir pra cima, de buscar o contato. Ele é diferente, podem não gostar do estilo, alguma coisa ou outra o brasileiro tem essa mania, né? Eu era um cara que vivia muito no Brasil e agora, com essa história da seleção, de viajar o mundo, vejo que as pessoas não ligam pras outras, não dão bola pra isto, pro estilo, pro cabelo, pro jeito. Aqui no Brasil tem essa coisa muito pequena. Tem coisa mais importante pra gente se preocupar e se a gente transferisse essa “raiva” do Neymar pra algumas coisas mais importantes para o nosso povo, isso nos colocaria numa situação melhor do que a gente está. Mas, vida que segue… O nosso foco é no trabalho, é estar junto, é estar fortalecendo eles, é estar tentando trabalhar a cabeça deles pro jogo em si.

EC – Como está o clima da seleção?
Cleber – O nosso clima é muito bom. A gente tem dois grupos de trabalho na seleção. Grande parte da comissão técnica trabalha diariamente na CBF, das dez da manhã às sete da noite, e tem o outro grupo que é o grupo de encontro, que a gente convoca: massagistas, médicos, os jogadores, que também é muito agradável. Nesses dois anos que a gente completou semana passada, dia 20, sempre trabalhamos com alegria. Até o Edu (Edu Gaspar, coordenador executivo) brinca se tivesse uma câmara nos acompanhando iam ver como a gente trabalha e como a gente se diverte o tempo inteiro, com os atletas, só no nosso grupo. É muito prazeroso.

A seleção brasileira me representa, os patos não me representam

Foto: Cleber Xavier/Arquivo Pessoal

O choro do Neymar é o choro de um atleta, diz Cleber

Foto: Cleber Xavier/Arquivo Pessoal

EC – Por exemplo?
Cleber – A gente trabalha muito e tem prazer em fazer o nosso trabalho. O clima sempre esteve bom. Quando entra alguma coisa ruim de fora pra dentro a gente se fortalece. Os nossos problemas, quando a gente tem aqui, a gente resolve aqui. A liderança do grupo, o Tite como treinador principal, o Edu como executivo, eu e os membros da Comissão mais importante, vamos dizer o preparador físico, o médico, têm um respeito pelo atleta que a gente chama de gestão humanizada, que é tratar com respeito. Cobrar quando tem que cobrar, não ficar alisando, nem babando ovo do atleta (risos) e nem ser grosso ou ser mal educado ou ser ditador. A gente comanda com uma liderança de convencimento e com respeito. Eles estão acostumados a trabalhar assim nos seus clubes e encontraram isto com a gente e a gente encontrou o que  mais queria: trabalhar com os melhores atletas do mundo.

EC – Para muitos analistas, o time parece fragilizado, intimidado. Para outros, passa uma ideia de falta de entrosamento no meio de campo. Sei que você é suspeito (risos), mas qual a sua análise?
Cleber – A gente analisa muito números. E não manipula números. Está terminando a segunda rodada e até agora nós somos a segunda seleção que mais finaliza perdemos por uma finalização para a Alemanha e somos a primeira que menos sofre finalização (Nota da Redação: Esta entrevista foi concedida antes do jogo Colômbia x Polônia). O Alisson só fez uma defesa nos dois jogos e o gol que a gente tomou, falta clara – um empurrão, dois empurrões! Não foi um no Miranda e o cara acabou cabeceando sozinho. A gente sabe dos nossos problemas. A gente analisa jogo a jogo, só que a visão é diferente pra quem trabalha, pra quem treina, pra quem comanda uma equipe da visão do torcedor e da imprensa.

EC – E o que está se fazendo?
Cleber – A gente não só analisa como a gente age. Age dentro das nossas convicções, das nossas ideias e, repito, sabemos dos nossos problemas. Trabalhamos de uma forma nas eliminatórias e por razões internas a gente mudou algumas coisas. Está se criando uma nova maneira de jogar e vamos se ajustando a isto. A gente entende que precisa melhorar no meio também e estamos treinando pra fazer alguns ajustes e melhorar. Melhorar mais ainda o meio no sentido de criar mais do que a gente está criando.

EC – Logo após o encerramento do jogo contra a Costa Rica, Márvio dos Anjos, editor de Esportes de O Globo, disse que o choro de Neymar preocupa porque ou se trata de um sintoma de instabilidade preocupante ou se trata do rebate de um narcisismo que Neymar administrou bem por quase todo o confronto. Qual a sua opinião sobre isto?
Cleber – O choro do Neymar é o choro de um atleta, menino ou não poderia ser um atleta experiente que por um bom tempo pensou que poderia não estar na Copa, que é o objetivo de todo atleta. Quando ele viu, confirmou que está na Copa, fez um gol na Copa e voltou de uma situação não esquecendo que ele saiu da última Copa por uma lesão grave que só quem passa por isto sabe e agora vem de uma lesão em que ele ficou três meses parados, não tem como não chorar. Não consigo ver de outra maneira. Acho muito pequeno, muito raso essas questões de “o cara não pode chorar”. Não se consegue separar o ser humano do atleta, não é? Não sei se o Márvio nunca chorou na vida dele por alguma coisa. Deve ter chorado, eu acho. E pra completar, o choro do Neymar não nos preocupa. O choro de ninguém não nos preocupa.

A seleção brasileira me representa, os patos não me representam

Foto: Lucas Figueiredo/CBF

Cleber: “A gente analisa jogo a jogo, só que a visão é diferente pra quem trabalha, pra quem treina, pra quem comanda uma equipe da visão do torcedor e da imprensa”

Foto: Lucas Figueiredo/CBF

EC – Quase todos treinadores tem o seu braço direito, mas Tite com você passa muitas vezes a bola nas coletivas de imprensa na Rússia. Está certo que você trabalha a muitos anos com ele, mas que moral, hein?
Cleber – Parece que, por ser o cara mais conhecido, que a imprensa busca mais por ser o primeiro auxiliar, que eu apareço mais que os outros, mas a nossa comissão técnica foi agregando pessoas no decorrer dos anos. Eu cheguei com o Tite em 2001, depois o Fabio, que é o preparador físico em 2004, no Corinthians; depois o Fernando, que é analista de desempenho, também em 2004, no Corinthians; o Mateus que é filho dele (Tite), que é quem mais conhece ele, porque vive do lado dele, se preparou, estudou quatro anos Ciências do Esporte nos Estados Unidos, fez estágios em clubes do Brasil e Europa, um menino com futuro imenso, também agregou com a gente no Corinthians; o Edu em 2010, como executivo, que é uma função importante; o silvinho em 2013, o Maurício, que é o outro analista, em 2008, no Inter. O Tite valoriza muito o trabalho em equipe. Muito, você não imagina o quanto. Não só ele, todo mundo valoriza uns aos outros.

EC – Bom trabalhar assim, não?
Cleber – É prazeroso trabalhar com os caras aqui porque não tem o mínimo de vaidade. Não tem um mala, não tem um chato. Todos com muita competência, com muita dedicação. A gente se sente super bem. É aquilo que eu falei antes: se sente feliz em estar trabalhando, não mede esforço nenhum. Essa questão dele (Tite) me levar para as entrevistas é justamente pra mostrar a equipe. Ele já levou médico, já levou preparador físico, já levou analista de desempenho. Ele sempre está falando, cita o nome das pessoas. Não tem nada de centralizador, tem características próprias de um líder, de dividir as tarefas, democratizar as opiniões e não aceitar nada imposto pelo poder. É um cara diferenciado nisto.

EC – Este ano estamos vendo aqui no Brasil um acompanhamento muito apático da Copa. Uma pesquisa apontou que mais de 65% da população não está interessada ou pouco interessada pelo torneio. Qual a sua opinião sobre isto?
Cleber – A questão do povo não estar apoiando, não estar envolvido se entende por tudo o que o Brasil tem passado. Por essa realidade sofrida, um bando de gente administrando de uma maneira totalmente errada o país, não é? Deixando, cada vez mais, quem não tem condições sem condições, acabando com a saúde, acabando com a segurança, acabando com uma série de fatores, que já estavam resolvidos, e administrando em causa própria. O povo nem para o futebol consegue mais fazer essa relação, torcer. Embora que ainda tenha muita gente que ainda faça, mais diminui.

EC – Por outro lado, 63,7% dos pesquisados consideram a seleção brasileira favorita para vencer a competição…
Cleber – Essa questão do favoritismo é natural. A gente se classificou pra Copa com qualidade; fizemos aí uns jogos interessante, importantes; os nossos números são altos, temos jogadores de qualidade. Então, junto com a Alemanha, que é a atual campeã, e junto com a Espanha, que foi a campeã na penúltima Copa e é fortíssima, nós somos realmente favoritos. Mas é uma Copa muito parelha! Tem acontecido muitos resultados nos finais, nos acréscimos, e muitas surpresas, mas como a gente sempre está focado no nosso trabalho, no nosso dia a dia, no nosso jogo a jogo, nós vamos fazer o máximo para termos uma boa classificação e crescer como equipe dentro da competição. Nosso foco agora é contra a Sérvia, um jogo de classificação,

EC – Um fato concreto, que de certa forma valida essa pesquisa que falamos, é que nunca se viu tanta gente deixar de vestir a camisa da seleção nesse período. Tem uma tese de que seria uma certa vergonha pelos recentes fatos políticos no país, onde a camisa canarinho foi vestida para pedir o impeachment da presidente Dilma. Qual a sua opinião?
Cleber – Infelizmente se criou um uniforme usaram o uniforme da seleção para colocar um grupo de comando no país que não está fazendo um bom comando. Se acabou distorcendo a ideia da camisa da seleção. Não sei se é na América Latina ou só no Brasil, a história da gente não valorizar os nossos ídolos, os nossos mitos, a nossa história uma pessoa serve, depois não serve. Usaram a camisa da seleção pra botar um grupo que é uma posição política, uma postura política que eu sou contrário, que não me representa. Aliás, os patos não me representam. A seleção brasileira me representa, os patos não me representam.

EC – Em tempos de redes sociais, mesmo sabendo que vocês estão muito focados para buscar a Copa para o Brasil, acredito que seja impossível escapar de assuntos que tomaram o noticiário, como o caso dos torcedores que assediaram cidadãos russos. Como você viu esse episódio em específico?
Cleber – Aquele caso da menina lá com aqueles idiotas? Aquilo é idiota, um bando de idiotas. Os caras que agem dessa maneira, por exemplo, também contra minorias, que se provalecem de uma situação achando que isto é engraçado, não dá nem pra comentar. É tão idiota, é tão baixo, é tão pequeno esse tipo de atitude na época em que a gente vive, no mundo em que a gente vive. Eu vi a história da russa que fez uma petição para uma ação contra eles. Eu quero é que se f* todos que estavam ali.

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