Se o STF garantir a presunção da inocência, Lula será libertado
Foto: Igor Sperotto
“Quando um preso na iminência de receber o alvará de soltura provoca a reação de militares e de setores da direita é porque esse não é um preso comum”, ironiza o jurista, pós-doutor em Direito e professor de Direito Constitucional da Unisinos, Lênio Streck, ao ser questionado sobre a alegação do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubar a decisão do ministro Marco Aurélio Mello de colocar em liberdade presos condenados em segunda instância. A medida beneficiaria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A liminar de Mello, concedida na quarta-feira, 19, às 14h, caiu por volta das 19h, quando Toffoli assumiu como plantonista no recesso do STF. Um dos autores da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 44, uma das medidas que tramitam no STF no sentido de assegurar a presunção de inocência e impedir a execução provisória de pena privativa de liberdade sem que haja decisão condenatória transitada em julgado, Streck afirma que a decisão de Mello “é irretocável”. “Esquecem os críticos que quando intentamos a ADC 44, em 2016, o ex-presidente não era nem denunciado ainda pelo Ministério Público. Pensamos em garantir apenas a Constituição e suas garantias para qualquer pessoa”, afirma nesta entrevista, em que projeta para abril de 2019 um possível desfecho sobre a libertação de Lula. “Aí já não haverá dúvida sobre que tipo de preso é Lula”, alerta.
Extra Classe – Como o senhor vê as recentes e antagônicas decisões dos ministros do STF Marco Aurélio Mello e Dias Toffoli acerca da libertação de presos condenados em segunda instância que abrange o ex-presidente Lula?
Lênio Streck – A Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 54 estava tramitando no STF desde abril de 2018, com pedido de liminar. O objeto é o mesmo que o das ADCs 43 e 44, isto é, pretendia-se – e ainda se pretende – que o STF diga que onde está escrito garantia de presunção da inocência deve ser lido exatamente o que diz no Código de Processo Penal e na Constituição. Juridicamente, a decisão do ministro Marco Aurélio Mello é irretocável. Pode-se discutir se foi oportuna, face à politização envolvendo o ex-presidente Lula. Esquecem os críticos que quando intentamos a ADC 44, em 2016, o ex-presidente não era nem denunciado ainda pelo Ministério Público. Pensamos – fui um dos autores da ADC 44 – em garantir apenas a Constituição e suas garantias para qualquer pessoa. O ex-presidente Lula surgiu como eventual beneficiário disso bem depois. Um detalhe: disse-se que o ministro Marco Aurélio Mello violou a colegialidade. Não é verdadeira essa afirmação.
EC – E quanto à presunção de inocência?
Streck – O STF ainda não tem posição quanto à presunção de inocência. Tanto é que está marcada a data para julgamento definitivo. É acaciano isso. Se está marcado o julgamento, é porque não há decisão definitiva ainda. Além disso, está insuportável essa conversa de “colegialidade”, invenção brasileira para dizer que a maioria deve obedecer a minoria. Se é assim, nunca um tribunal alteraria a sua posição. Mas, no Brasil, quando se quer tomar uma decisão política ou moral “por cima do Direito”, usa-se esse tipo de argumento retórico.
EC – Afinal, Lula é preso comum ou preso político? Por quê?
Streck – Bom, quando um preso, na iminência de receber alvará de soltura, provoca reação de militares e setores claramente identificados à direita do espectro político, é porque esse preso não é, definitivamente, um preso comum, se me entende a ironia e o sarcasmo.
EC – De uma perspectiva jurídica, acredita que Lula poderá ser libertado?
Streck – Se o STF garantir a presunção da inocência, Lula poderá ser libertado, esperando o julgamento em definitivo do seu processo, esse no qual foi condenado por Moro e confirmado pelo TRF4. Mas esperem a pressão sobre o STF para abril. Aí, quem tinha dúvida sobre que tipo de preso é Lula, já não terá dúvida nenhuma.
EC – O STF estaria sob pressão dos militares?
Streck – Que os militares fazem ou tentam fazer pressão parece ser bem crível. Basta ver as declarações do general (Eduardo Villas Bôas) comandante das três armas nas vésperas do julgamento do habeas corpus de Lula. São elementos objetivos que apontam para isso. Afora os militares da reserva que sempre fazem pressão. Mas o pior não é nem isso. O pior é quando agentes do Ministério Público, como um procurador da Lava Jato do Paraná (Deltan Dallagnol), fez declarações de índole golpista horas após a decisão do ministro Marco Aurélio, conforme noticiou a Folha de São Paulo. Isso é deveras preocupante.