Morte de Nilcéa Freire comove feministas e ativistas sociais
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
A morte de Nilcéa Freire, ex-ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres do governo Lula, tingiu de luto as redes sociais de feministas e ativistas sociais nesse domingo, 29. Pioneira na implantação do sistema de cotas para estudantes de escolas públicas e afrodescendentes, quando reitora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Nilcea foi determinante para a implementação da Lei Maria da Penha e do Disque 180, número telefônico criado para a denuncia de casos de violência contra a mulher. Nilcéa lutava contra um câncer há 10 anos e se tratava na sua residência onde morreu aos 67 anos de idade.
Em nota, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva destaca que Nilcéa, mais do que médica e ministra de Políticas para Mulheres, “foi uma batalhadora incansável pela vida, pela redução das desigualdades e defesa das mulheres do Brasil”. Para Lula, sua ex-colaboradora de governo entre os anos de 2004 e 2010 deixa um legado de aprendizado e conquistas para o país, com mais oportunidades para os mais pobres, os negros e as mulheres. “Precisamos, cada vez mais, de mais Nilceas”, encerra o ex-presidente ao frisar o que chamou de momento de perda, tristeza e de solidariedade com os familiares, amigos e admiradores “dessa grande brasileira”.
Liderança e coragem
Nilcéa Freire conduziu as mais relevantes políticas públicas voltadas às mulheres da história do Brasil até o momento. A lei Maria da Penha, seguida da formulação e execução do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, e programas como Gênero e Diversidade na Escola e Pró-Equidade de Gênero são exemplos disso. Temas como garantia de direitos às trabalhadoras domésticas, políticas específicas para as trabalhadoras do campo e para as mulheres negras, promoção da memória da mulher brasileira e articulação em torno da garantia de direitos sexuais e reprodutivos, inclusive fazendo uma clara defesa da autonomia da mulheres nesse campo, foram também marcos de sua gestão junto à Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.
A deputada federal Maria do Rosário (PT/RS) diz que Nilcéa Freire é o exemplo de uma liderança inovadora e corajosa. Ela destaca o pioneirismo de Nilcéa na adoção de quotas raciais, além da carreira exitosa da médica e professora que chegou a ser a principal formuladora de estratégias contra a violência doméstica no Brasil.
A jornalista Flávia Oliveira postou sobre a sua tristeza ao tomar conhecimento da “Notícia triste desta madrugada”. A colunista de O Globo e CBN, que também é comentarista da GloboNews e apresentadora do Canal Futura, estendeu seus sentimentos aos familiares e amigos de Nilcéa às feministas.
Para Luiza Erundina, deputada federal (PSol/SP), “a partida da querida Nilcéa Freire, no dia de ontem, representa uma enorme perda para nossa luta, a luta de todas as mulheres brasileiras, pelos nossos direitos de cidadania, hoje ameaçados pelo arbítrio e pela ignorância”. Ao pedir a “Deus” o acolhimento e conforto aos familiares e demais pessoas que amavam a ex-ministra, Erundina evidenciou que “fica a saudade e a gratidão pelo seu exemplo de vida, assegurando-lhe o nosso compromisso de continuar sua luta”.
De forma emocionada, a atriz, cantora e poetiza Elisa Lucinda registrou: “Corre a madrugada. Partiu minha amiga querida, importante feminista”. Elisa também destacou o papel decisivo de Nilcéa na implantação da lei Maria da Penha. “Ainda bem que deixou a consequência de sua luta. Viva Nilcéa freire. Pioneira!”, finalizou.
Simbolismo e generosidade
Definindo-se no Twitter como jornalista, feminista e arteira, Paula Guimarães optou por destacar a coincidência do falecimento com a atual conjuntura. “É tão simbólica a morte da Nilcéa Freire neste momento em que querem destruir as políticas públicas, principalmente aquelas de reparação das desigualdades”, escreveu.
Colunista El País e Marie Claire, a professora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UNB) Debora Diniz disse que foi acolhida por Nilcéa no início da sua carreira acadêmica, quando foi pesquisadora visitante no Instituto de Medicina Social da Uerj. “Viveu intensamente e cuidou muito”, registrou.
Ouvida pelo Extra Classe direto da França onde está lecionando na Universidade Paris 8, a filósofa Marcia Tiburi disse que Nilcéa Freire fica na história da luta pelos direitos das mulheres e das minorias políticas como uma pessoa fundamental. “Seu senso ético e político é um exemplo para todas e todos que seguem na mesma luta que ela”, evidencia. “Eu pessoalmente gostava muito dela. Tinha um imenso carinho. Sempre contei com seu apoio e generosidade. O mesmo que ela espalhava por onde passava”. Marcia ressalta sua emoção: “Me entristece que ela parta tão cedo. Ela sempre foi lúcida demais, trabalhadora demais, justa e dedicada demais. A saudade que deixa é imensa”.
Jandira Feghali (PCdoB/RJ), da mesma forma afirmou sua tristeza. “Sem palavras para a notícia da morte da querida Nilcéa Freire. Triste demais saber que partiu tão cedo. Sempre fez parte das fileiras daqueles que não se acomodam com as injustiças do mundo”.
Marta Suplicy, ex-senadora, hoje sem partido, aproveitou, ao ressaltar o posicionamento de Nicéa, para marcar sua opinião contra as atuais políticas que estão sendo adotadas no Brasil. “Exemplo muito distante da pirotecnia que temos hoje”.
Consternação abrangente
Além de Lula, muitos outros homens manifestaram também seu sentimento pela passagem da ex-ministra que consolidou importantes avanços na luta feminista brasileira.
Afirmando o seu orgulho de ser “uerjiano“, o jornalista Igor Mello, falou do que considera o início de uma revolução na educação brasileira protagonizado por Nicéa na Uerj. “Uma revolução que democratizou esses espaços para cores e origens. Se ela não tivesse realizado mais nada já estaria na história por isso”, conclui.
Para o ex-senador, ex-reitor da UNB, ex-governador do Distrito Federal e ex-ministro da Educação, Cristovam Buarque, o Brasil perdeu “uma mulher notável intelectual e politicamente, duas qualidades cada vez mais raras na mesma pessoa, nestes tempos de radicalismo e sectarização”.
Alexandre Padilha, deputado federal (PT-SP), ministro das Relações Institucionais no Governo Lula e ministro da Saúde no Governo Dilma Rousseff, exclamou “viva Nilceia Freire. Lutadora incansável pelos direitos das mulheres, cotas em universidades, além de médica, pesquisasora e grande humanista. Seu legado já está escrito em nossa história”.
Já o ator global José de Abreu foi suscinto: “Que merda! Puxa vida. RIP Nilcéa Freire”.
Manifestações pela morte da Nilcéa Freire também foram registrados por instituições e entidades como a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD). A presidência da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) lamentou “profundamente” a morte da ex-ministra e professora que era integrante do seu Conselho Superior.
História
Nascida no Rio de Janeiro, em 14 de setembro de 1952, Nilcéa Freire ingressou no curso de medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Uerj, em 1972. Sob ameaça dos órgãos de repressão da ditadura militar exilou-se no México de 1975 a 1977.
Na sua volta ao Brasil, engajou-se nos movimentos pela redemocratização do país e continuou os estudos na Uerj. Sua formatura foi em 1978.
Já professora na instituição onde se formou, em 1999, Nilcéa venceu as eleições internas e se tornou a primeira mulher reitora de uma universidade pública no estado do Rio de Janeiro. Durante sua gestão, que foi até dezembro de 2003, Nilcéa implantou o projeto pioneiro de cotas para estudantes de escolas públicas e afrodescendentes na universidade. Em 2012, a política pioneira da ex-ministra acabou sendo estendida para todas as universidades e institutos de educação federais do Brasil.