GERAL

Invasão de privacidade na telefonia inferniza usuários (parte 2)

Há recursos para minimizar ligações indesejadas. Na base do “Não Me Perturbe” estão cadastrados 3,3 milhões de usuários, com bloqueio de 3,5 milhões de celulares e telefones fixos
Por Cristina Ávila / Publicado em 26 de fevereiro de 2021
O cadastro para bloqueio é restrito para ligações telefônicas realizadas por empresas de telemarketing ou fornecedores que se utilizam desse serviço, mas entidades filantrópicas podem continuar pedindo doações por esse meio

Foto: Igor Sperotto/Arquivo Extra Classe

O cadastro para bloqueio é restrito para ligações telefônicas realizadas por empresas de telemarketing ou fornecedores que se utilizam desse serviço, mas entidades filantrópicas podem continuar pedindo doações por esse meio

Foto: Igor Sperotto/Arquivo Extra Classe

Vazamentos de dados do Serasa, ligações indesejadas, privacidades violadas: usuários de telefonia estão sujeitos diariamente aos mais diversos abusos cometidos por empresas que têm acesso a dados pessoais. Na primeira parte desta reportagem expusemos relatos de usuários de telefonia que expuseram sua sensação de invasão de privacidade e do seu descanso e relatos sobre a impotência em tentar barrar ligações telefônicas indesejadas.

Também mostramos o emaranhado de pessoas jurídicas criado para driblar o direito dos consumidores.  Os órgãos públicos são desafiados diante o drible que levam de artilheiros invisíveis. As razões sociais foram escancaradas pelo Procon-SP (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor, de São Paulo, personalidade jurídica de direito público) em ações que impactaram as operadoras de telefonia Claro, Oi, Tim, Vivo, a empresa de segurança digital Psafe e a Serasa Experian, marca de análises e informações para decisões de crédito e apoio a negócios. Também falamos do vazamento de dados do Serasa e do enfraquecimento dos direitos dos consumidores. Nesta segunda parte exploraremos outros aspectos em torno deste tema.

“Não Me Perturbe”

Na base do “Não Me Perturbe” estão cadastrados 3,3 milhões de usuários, com bloqueio de 3,5 milhões de celulares e telefones fixos (dados atualizados em 16 de fevereiro). Entre eles, cerca de 200 mil foram de aparelhos com DDD do Rio Grande do Sul (5,60%). A maior parte dos bloqueios foi em São Paulo, com 1,1 milhão (30,90%). A região Sudeste teve 2 milhões de bloqueios (56,29%). Números insignificantes perante os 223 milhões de dados pessoais vazados não se sabe de onde, nem qual destino.

As regras do programa a que a Anatel diz estar “atenta”, são como metáforas à fábula “O galo e a raposa”, do francês Jean La Fontaine, em que a esperta queria jantar a ave, se passando por amiga. Engana-se quem pensar que pelo menos 3,3 milhões de usuários estão livres dos abusos da telefonia. Entre as regras do Código de Conduta para Ofertas de Serviços de Telecomunicações por meio de Telemarketing que é assinado pelas prestadoras, “o compromisso” é de “realizar ligações para os consumidores apenas das 9h às 21h nos dias úteis e das 10h às 16h nos sábados, com limites de duas chamadas por dia e 15 mensais. Multiplicados pelas quatro prestadoras habituais, seriam oito ligações por dia, limitadas a 60 mensais. Além daquelas incontroláveis, que não se reconhece quem está do outro lado da linha. Com telefone tocando na hora da reunião virtual de trabalho. Ou na cabeceira de alguém que possa estar acamado (a). “Um inferno!”, com diriam Maria dos Prazeres e Vera Remedi.

Ligações mudas

A explicação da Anatel sobre ligações mudas é que podem ter origem em um processo automático de disparo de diversas ligações ao mesmo tempo que não chegam a ser completadas pois os atendentes já estão ocupados em outras chamadas. Após o primeiro atendimento, as outras ligações são desconectadas. Também têm os robôs: “Gostaria de falar com KYzta (algo assim, não se entende direito). Por favor, responda sim, se for você”. Na tentativa de se livrar de pelo menos esta, ouve-se até o fim. E o robô se desculpa, diz que vai atualizar seus cadastros. Ilusão. Ele vai chamar todos os dias. Bloquear chamadas indesejadas no próprio celular também não resolve nada.

A Anatel avisa que até 2 de março seu site está aberto a sugestões para a Consulta Pública 77/2020 que trata da revisão do Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicação. Vale mais uma tentativa. Não dá pra desistir da luta por direitos.

Diego Ghiringhelli de Azevedo, coordenador da Escola Superior de Defesa do Consumidor

Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução

Diego Ghiringhelli de Azevedo, coordenador da Escola Superior de Defesa do Consumidor

Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução

No Rio Grande do Sul, a Lei 13.249/2009 dispõe sobre o bloqueio de empresas de telemarketing, sem se restringir às telefônicas, seguindo o modelo paulista. “A própria lei se refere a bloqueio de telemarketing, mas não há bloqueio técnico. Não se impossibilita que a empresa te ligue”, reconhece o assessor jurídico do Procon-RS, Diego Ghiringhelli de Azevedo, coordenador da Escola Superior de Defesa do Consumidor, criada pelo órgão. No estado o Procon é um departamento de Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos.

Diego relata que o Procon-RS tem 186,5 mil consumidores e 3,4 mil fornecedores cadastrados, desde que a lei entrou em vigor em 2010. A instituição bloqueou no estado 195,6 mil telefones a partir de 10 mil denúncias, em 770 processos que passaram a ser coletivos desde 2013 e não mais formatados a partir de uma única reclamação como era antes. Foram R$ 15 milhões em multas. Entre elas, R$ 2,8 milhões aplicada em novembro de 2019 à Claro, a maior da história do órgão. O valor não foi pago, pois a empresa negou acusações e resolveu recorrer à Justiça. O processo ainda está em tramitação. “A judicialização é certa”, observa o assessor jurídico.

Em setembro de 2020, o Procon-RS procurou a Comissão Permanente de Defesa do Consumidor na Assembleia Legislativa para apoio à alteração na lei, na tentativa de impedir que usuários cadastrados sejam importunados após os bloqueios por outros meios, como SMS ou WhatsApp, por exemplo. O Projeto de Lei 236/2020 está em tramitação.

Não há atualizações recentes sobre os valores de multas pagas e também não estão discriminados os motivos. Diego Ghiringhelli só informou sobre o valor total de multas pagas que estão em caixa atualmente, referentes a todos os tipos de processos administrativos do órgão. São R$ 4 milhões no Fundo Estadual de Defesa do Consumidor. A Secretaria da Fazenda tem R$ 20 milhões a serem cobrados, mas que podem variar se as empresas conseguirem ações anulatórias na Justiça. Somente os recursos do fundo é que podem ser utilizados para o fortalecimento de políticas públicas voltadas à proteção dos direitos dos consumidores. Os valores cobrados pela Fazenda são aplicados em outras áreas.

O que argumentam as empresas

Serasa Experian afirma conduzir investigação forense sobre notícias dos dados oferecidos ilegalmente à venda na internet

Foto: Reprodução/Serasa Experian/Divulgação

Serasa Experian afirma conduzir investigação forense sobre notícias dos dados oferecidos ilegalmente à venda na internet

Foto: Reprodução/Serasa Experian/Divulgação

Em resposta ao Procon-SP, a Serasa Experian afirma conduzir investigação forense sobre notícias dos dados oferecidos ilegalmente à venda na internet, que não constatou comprometimentos em seu sistema e que os vazamentos até agora disponibilizados incluem fotos, cadastros de INSS, registros de veículos e informações de login em mídias sociais, os quais “não coleta, nem possui”. Também alega que não há evidências de que informações sobre crédito tenham sido obtidas ilegalmente em suas bases.

As telefônicas negam acusações e alegam, por exemplo, que não se identificou até agora se as informações vazadas são de seus clientes. Também argumentam investimentos em segurança, monitoramento constante para identificação de fraudes e transparência na relação com usuários. A empresa de segurança digital afirma que “não se pode tomar como evidência as alegações de um cibercriminoso”. Também se defende dizendo que colaboradores em home office têm sido o principal alvo de hackers.

Leia a primeira parte dessa reportagem:
Invasão de privacidade na telefonia inferniza usuários (parte 1)

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