Posse de armas no país volta ao status de decreto publicado em 2019
Foto: Tomaz Silva Agência Brasil
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Suspenso desde meados de abril, quando o ministro Alexandre de Moraes pediu vistas ao processo, o julgamento no STF dos quatro decretos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que flexibilizam a posse de armas no país manteve a presunção de veracidade como requisito básico para a obtenção de um artefato de fogo por cidadãos brasileiros.
O dispositivo da presunção de veracidade consta de um decreto de Bolsonaro, editado em 2019. O decreto inverteu as normas do Estatuto do Desarmamento, que transfere aos usuários a obrigação de provarem aos órgãos competentes a necessidade de portar uma ou mais armas. Pelo texto, passa a ser atribuição da Polícia Federal (PF) contestar o solicitante sobre as justificativas do pedido.
O Estatuto do Desarmamento, regulamentado em 2004, prevê que o solicitante da posse de armas tem de provar ao órgão competente a necessidade de ter um ou mais artefatos, como morar em áreas isoladas ou circunstâncias profissionais que exijam aumento da proteção pessoal.
Os quatro decretos de Bolsonaro, que previam uma flexibilização ainda maior da posse de armas por cidadãos maiores de 25 anos, foram editados em fevereiro e entraram em vigor no dia 12 de abril. Mas uma liminar da ministra Rosa Weber, no mesmo dia, suspendeu 13 dispositivos, anulando parte significativa de seus efeitos.
Segundo Weber, as inovações introduzidas pelos decretos são incompatíveis com o sistema de controle e fiscalização de armas instituído pelo Estatuto e “exorbitam os limites do poder regulamentar atribuído ao presidente da República pela Constituição”. A liminar foi concedida no âmbito de cinco ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas pelo PSB contra os decretos.
Com a decisão, ficaram suspensos trechos que autorizavam, por exemplo, a prática de tiro recreativo em entidades e clubes, independentemente de prévio registro dos praticantes, bem como as quantidades de armas em posse de caçadores, atiradores e colecionadores (CACs).
A liminar de Weber também suspende a possibilidade de aquisição de até seis armas por cidadãos acima de 25 anos e oito armas por agentes do Estado apenas com o dispositivo da presunção de veracidade. O limite volta a ser de quatro e de seis armas, respectivamente, que constam do decreto de 2019. A aquisição de munição por entidades e escolas de tiro em quantidade ilimitada também está suspensa, assim como a prática de tiro desportivo por adolescentes a partir dos 14 anos.
Caçadores, atiradores e colecionadores
As categorias CAC têm autorização legal, desde que cumpridos os requisitos básicos, de acesso a calibres restritos e até a armas semiautomáticas, além de uma quantidade de munição maior. O registro é mantido pelo Exército brasileiro. Nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, o registro de armas com caçadores, atiradores e colecionadores cresceu 55%.
Os decretos governamentais de 2021, que estão sendo avaliados pelo STF, autorizam a posse de armas pelos CACs apenas com a comprovação de aptidão psicológica por laudo simples de profissional e sem necessidade de autorização prévia para a aquisição de armas pelo Comando do Exército. Também prevê que caçadores podem adquirir até 30 armas e atiradores, 60. Todas essas medidas foram suspensas com a liminar de Weber.
O Instituto Sou da Paz critica a flexibilização do acesso a armas pelos CACs, que registraram entre 2010 e 2016 o roubo de quase 6 mil unidades. A organização argumenta que esse arsenal pode alimentar atividades criminosas. “Não há justificativa em termos de competições oficiais para esse crescimento”, diz Bruno Langeani, gerente da ONG.
A CAC Brasil, que representa os grupos de caçadores, atiradores e colecionadores, alega que seus associados são pessoas idôneas e fiscalizadas pelo Exército. Em nota publicada em uma rede social, denuncia que os CACs têm sofrido “constantes ataques ordenados, fake news difamatórios e injuriosos contra pessoas que defendem o direito de possuir e portar armas de fogo para defesa da vida, família e propriedade, sobretudo por apoiar o presidente.”
No STF, o relator das ações de inconstitucionalidade do PSB, ministro Edson Fachin, e a ministra Rosa Weber, já haviam votado no plenário virtual pela rejeição dos decretos de fevereiro quando o julgamento foi suspenso por Moraes.
Para conceder a liminar que suspende os decretos, a ministra levou em consideração o resultado da CPI das Organizações Criminosas do Tráfico de Armas realizada no Congresso em 2005 e 2006 e cujas conclusões são contrárias à ideia de que flexibilizar o controle de armas para combater a criminalidade. O relatório final apontou, por exemplo, que a maioria das armas usadas por criminosas foi desviada de pessoas que as adquiriram legalmente.
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