GERAL

O apagão de dados das pessoas trans no ensino superior

86% das instituições da região metropolitana de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, não sabem ou não revelam os números de estudantes transgêneros
Por Douglas Glier, Lisandra Steffen, Tynan Barcelos e Vitória Pimentel / Publicado em 13 de abril de 2022
Invisibilizados, estudantes transgênero travam batalhas diárias pelo reconhecimento das instituições de educação

Foto: Cameron Readius/Pexels

Invisibilizados, estudantes transgêneros travam batalhas diárias pelo reconhecimento das instituições de educação

Foto: Cameron Readius/Pexels

“Eu não retirava livro na biblioteca porque não queria fazer o cartão da universidade com o meu nome errado”, conta André*, que se sentia inseguro em conversar com outras pessoas enquanto a instituição não reconhecesse o seu nome social (que já consta em sua carteira de identidade). O estudante faz parte dos 0,3% da população universitária federal do país que se identifica como pessoa trans, de acordo com a V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos(as) Graduandos(as) das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), de 2018.

NESTA REPORTAGEM
A história de André não é única, o relato do universitário de 20 anos expõe a face pouco visível da situação dos jovens trans no ensino superior brasileiro. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e do Ministério da Educação (MEC), solicitados via Lei de Acesso à Informação (LAI) para a reportagem, mostram que o Governo Federal não possui informações acerca dessa população. No entanto, a invisibilidade desses estudantes também está presente no dia a dia das instituições privadas de ensino.

Levantamento feito pela reportagem com 50 instituições das cinco cidades mais populosas da região metropolitana do Porto Alegre (Canoas, Gravataí, Novo Hamburgo, Porto Alegre e São Leopoldo), Rio Grande do Sul, mostra que 86% dos centros universitários, faculdades e universidades pesquisadas não possuem informações sobre essa parcela dos alunos.

A pesquisa começou a ser feita em setembro e consistiu no envio de duas perguntas simples: o número de estudantes matriculados na graduação, e o de estudantes trans (transexuais, transgêneros, travestis, pessoas não binárias) matriculados na instituição.

Das 22 instituições que responderam ao contato feito por e-mail e telefone, 86% alegaram não ter dados sobre esses estudantes. As principais justificativas recebidas para a falta de informações sobre este grupo foram a “não obrigatoriedade (do levantamento) por parte da legislação educacional”, o fato desta questão de gênero não estar incluída no questionário do Censo, ou ainda, o argumento de que a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) (13.709/2018) “não permite o compartilhamento deste tipo de informação”. Abaixo, alguns exemplos.

Aproximadamente 30% das IES não compartilharam seus dados

Uma instituição, por exemplo, informa que não faz perguntas sobre o gênero dos estudantes. Quando o aluno tem o documento de nome social, ela faz o cadastro conforme a informação que está no documento. Porém, essa mesma instituição não tem informações de quantos estudantes fazem o uso do documento de nome social.

Arte: Estudantes de Jornalismo Investigativo/Unisinos

Arte: Estudantes de Jornalismo Investigativo/Unisinos

Das 50 instituições, 4 informaram que não podem enviar os dados por causa da LGPD. Porém, como explica o professor do Mestrado Profissional em Direito da Empresa e dos Negócios da Unisinos Cristiano Colombo, as instituições podem fornecer os dados com base no artigo 7 da Lei, que assegura: O tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas seguintes hipóteses:  IV — para a realização de estudos por órgão de pesquisa, garantida, sempre que possível, a anonimização dos dados pessoais.

“Dados que envolvem questões de gênero são considerados sensíveis pela LGPD. No entanto, há uma ressalva para órgãos de pesquisa, como aponta o artigo. Atualmente, está havendo uma cautela por parte das organizações para evitar multas. Ninguém quer ser o ‘caso líder’”, explica.

Colombo ainda lembra que as instituições também podem fornecer os dados com base no artigo 4 da lei, que considera os veículos jornalísticos, sempre levando em conta que as informações não devem especificar pessoas. O entendimento também vale para o artigo 7. O que diz o Art. 4º da LGPD:  Esta Lei não se aplica ao tratamento de dados pessoais: I — realizado por pessoa natural para fins exclusivamente particulares e não econômicos; II — realizado para fins exclusivamente: a) jornalístico e artísticos; ou b) acadêmicos, aplicando-se a esta hipótese os arts. 7º e 11 desta Lei.

Das 50 instituições, 10 encaminharam os dados com a totalidade de estudantes, mas apenas seis revelaram o número de estudantes trans. Os dados podem ser conferidos aqui. Pelo levantamento, são 117 o total de estudantes transgêneros identificados pelas instituições de ensino superior.

O maior número está na Universidade Federal do rio Grande dos Sul (Ufrgs), 98, logo em seguida vem a Unisinos, 12, a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), 3, a Estácio/Fargs, 2, a Factum e a Famaqui, com 1. Juntos, estes seis cursos somam 57.911 estudantes.

Políticas públicas inexistentes, evasão escolar e baixa expectativa de vida

O apagão de dados das pessoas trans no ensino superior

Arte: Estudantes de Jornalismo Investigativo/Unisinos

Arte: Estudantes de Jornalismo Investigativo/Unisinos

A falta de dados é, também, uma consequência da inexistência de políticas públicas que defendam as pessoas transexuais. O IBGE, que existe há mais de 80 anos e tem como função coletar e compartilhar dados e informações sobre o país, desconhece essa parcela da população. Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (Antra), cerca de 2% da população brasileira integra a população trans do país.

Para o Censo de 2022, o Instituto informou, em nota, que perguntas sobre a identidade de gênero e a orientação sexual dos brasileiros são um tema sensível. Sobre a população trans, o IBGE disse que, por questões técnicas, não é possível coletar esse tipo de informação no Censo Demográfico.

Múltiplos fatores podem ser levados em conta para a invisibilidade da população trans no ensino superior. Os números mostram que há uma alta evasão do público trans no ensino básico. Uma pesquisa, da Rede Nacional de Pessoas Trans no Brasil, de 2017, aponta que 82% dos transexuais abandonam o ensino médio entre os 14 e os 18 anos. Entre as principais causas estão o preconceito e as agressões sofridas por esses estudantes.

Somado a isso, essa parcela da população também sofre com uma expectativa de vida de 35 anos, podendo estes serem o resultado da pequena porcentagem de pessoas trans no ensino superior. A inexistência de dados e informações colabora para a falta de políticas públicas voltadas a essa parcela da população — seja para o ingresso na faculdade ou para a proteção e segurança.

Para a diretora de Promoção de Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais do Ministério da Mulher, da Família, e Direitos Humanos, Marina Reidel, essa falta de informações é autoexplicativa. “As instituições simplesmente não têm os dados”, afirma.

Marina, que também é mestra em Educação pela Ufrgs e mulher trans, explica que o baixo número de estudantes transgêneros no ensino superior é um problema muito maior. “A questão vai além da universidade. O problema da falta dessa população é justamente pela exclusão escolar no período regimental, no período de ensino fundamental e médio. Quando uma pessoa transgênero se assume muito jovem, já na sua adolescência, ela vai começar a ter vários enfrentamentos.”, afirma.

Ela ainda fala sobre como isso pode ser prejudicial para o estudante trans em todo seu ciclo acadêmico. “Todos esses fatores vão levar à exclusão e a não ter um currículo que possa competir no mercado de trabalho. Às vezes não é só a questão da discriminação e o preconceito, é a falta de currículo mínimo para você poder disputar uma vaga”, contextualiza.

O apagão de dados das pessoas trans no ensino superior

Arte: Estudantes de Jornalismo Investigativo/Unisinos

Arte: Estudantes de Jornalismo Investigativo/Unisinos

Histórias da experiência trans

“O teu nome é a tua identidade e, no momento que ele tá errado em algum documento, é como se tu não fosse quem tu é”, conta André*, que esperou dois meses para que a universidade na qual estudava em 2019, a Unisinos, fizesse a troca do seu nome nos sistemas internos.

O estudante ainda fez um paralelo com pessoas cisgênero. “Às vezes as pessoas cis tem o nome digitado errado, mas não é um negócio que te constrange, porque não é uma coisa que tá te invalidando como pessoa. Se o teu nome é ‘Jones’ e tá escrito ‘Jonas’, tu não vai se sentir totalmente inseguro como pessoa porque o teu nome tá com uma letra errada”, afirma.

Essa é a realidade de muitos dos estudantes trans que utilizam a carteira do nome social e dependem da agilidade das instituições para fazerem a troca de nome nos sistemas internos. “Eu ia toda semana no atendimento da universidade reclamar, eles davam um número de telefone, aí eu ligava e não adiantava. Na Unisinos ninguém me tratou mal, nunca fui discriminado, só foi uma coisa que realmente demorou”, confirma.

Em alguns casos, o desejo de ser reconhecido com o próprio nome acaba na justiça. Bernardo, estudante da PUCRS de 21 anos, precisou buscar apoio no poder judiciário e, mesmo assim, o processo levou mais de dois anos. “Eu me formei em três anos, desses três, dois foram tentando ter o meu nome nos documentos da universidade”, conta.

O estudante recorda que só conseguiu que a universidade fizesse o uso do nome social após ele ser vencedor de um prêmio dentro da instituição. “Eu ganhei essa distinção, mas ainda não tinha o meu nome correto nos sistemas. Meu professor então comprou a minha briga e disse que não aceitaria eu receber um prêmio que estivesse com o nome errado”, lembra. Após um acordo com a PUCRS, Bernardo retirou o processo contra a universidade, teve seus documentos atualizados e, de acordo com o estudante, hoje a instituição tem uma legislação interna, que facilita o processo de utilização do nome social.

A reportagem entrou em contato com a PUCRS para saber mais sobre a política interna de utilização do nome social. De acordo com a universidade, as políticas que elas seguem são aquelas “expressas em resoluções e pareceres disponíveis no portal do MEC, para Instituições de Ensino”. Sobre a demora na resolução do caso a instituição respondeu que segue “o que está definido na política nacional, que define que o interessado deve solicitar a alteração de seu nome ao setor competente na IES. Nosso sistema de informação está totalmente adaptado para atender o registro do nome social”.

Rodrigo, de 20 anos, também estudante, aponta uma falta de preparo para a demora na troca de nomes. Para o estudante, não falar sobre as pessoas trans, oferecer capacitação sobre o nome social e qual a importância dessas mudanças pode gerar constrangimentos. “Se tu  é uma pessoa que não tem entendimento do que é uma pessoa trans e o que é nome social, vai ser difícil entender porque um aluno precisa do nome social na chamada. Se eu nunca vi, não tenho noção do que é, não tem como entender porque é necessário”, explica. Ele afirma que, na universidade, é difícil ter pessoas com entendimento de que essa é uma questão que precisa ser atendida prontamente.

No entanto, o problema vai muito além de ter o nome correto nos sistemas das universidades. Uma simples ida até o banheiro também é um desafio para os alunos trans. “Eu não me sinto confortável em ir ao banheiro masculino, eu sei que é perigoso. A Unisinos todo semestre tem os questionários para dar nota ou ‘o que você acha que pode melhorar’ e eu já coloquei sobre o banheiro neutro”, conta Caleb, de 24 anos, outro estudante trans da universidade que espera por essas melhoras para conseguir aproveitar o campus com total segurança e dignidade.

Em muitos momentos, uma simples ida até o banheiro também é um desafio para os estudantes trans, tanto no ensino superior quanto no ensino básico de ensino

Foto: The Gender/Spectrum Collection/Reprodução

Em muitos momentos, uma simples ida até o banheiro também é um desafio para os estudantes trans, tanto no ensino superior quanto no ensino básico de ensino

Foto: The Gender/Spectrum Collection/Reprodução

Ele não é o único. Rodrigo* também relata esse medo, amplificado por já ter vivido situações de transfobia em outros locais. “O que eu tive dentro da instituição e acabo tendo é o medo de frequentar o banheiro masculino. Isso pode ser uma coisa de insegurança pessoal, mas ainda é a situação de uma pessoa que já passou por muita dificuldade, por medo de ser afrontado. Eu ainda acho que a universidade não é um lugar que tá seguro e que tá preparado para ter esse tipo de fala”, afirma.

Essa necessidade básica mobiliza os estudantes, mas ainda não é algo que faz as universidades agirem. Arthur*, estudante de 26 anos também da Unisinos, conta que em 2017 mobilizou um grupo de alunos para falar com a coordenação sobre os banheiros. O episódio ocorreu após uma ação da Semana Acadêmica do curso de Serviço Social, que teve como temática questões da comunidade LGBTQIAP+. No entanto, o assunto e as solicitações não tiveram andamento. “Eles só enrolaram, não deu em nada”, lembra Arthur.

As vivências na universidade têm grande impacto na vida acadêmica dos entrevistados. É unânime a ideia de que são incluídos, mas não representados. Arthur conta que em uma disciplina do curso, uma professora constantemente utilizava os pronomes errados quando se referia às pessoas trans. Para ele, a profissional não estava preparada para falar sobre o assunto, ainda que estivesse à frente de uma cadeira que tratasse sobre gênero.

Rodrigo ainda vai além e conta que, em alguns casos, as pessoas trans são tratadas como enciclopédias. O estudante lembra que já teve uma supervisora que ficava cuidando de suas ações e fazendo perguntas intrusivas, como, por exemplo, qual o motivo de ele utilizar o banheiro masculino. “Às vezes as pessoas confundem intimidade com um falso senso de que ‘Ok, tu é meu amigo e agora vai tirar minhas dúvidas’“, afirma.

Ter um círculo de amigos próximos também não significa representatividade. Rodrigo explica que, quando está com seus colegas, se sente acolhido e tem uma rede de apoio. No entanto, em disciplinas ou outras ocasiões que não está com esse grupo de pessoas, não sente a mesma confiança de entrar em uma sala ou de ser mais aberto. “Eu não me sinto representado na Unisinos. Falta muita coisa. Eu encontrei duas pessoas que também são trans, dois homens, na universidade. Mas eu não posso dizer que encontrei uma mulher trans formada, uma pessoa não binária que já está mais adiante”, conta. O universitário aponta que essa falta de representatividade pode estar atrelada à falta de preparo psicológico da população trans, que é constantemente atacada e discriminada.

Assim como os demais, Caleb também se sente bem dentro do seu curso e afirma que consegue se expressar como pessoa trans nas atividades acadêmicas específicas da sua graduação. No entanto, aponta o despreparo dos professores que trabalham com as disciplinas abertas. “Em uma cadeira aberta, eu falo que meu nome é Caleb e me refiro no masculino, só que é muito comum professores de cursos abertos se referirem a mim com o pronome errado, super comum, só que eu não tenho forças pra corrigir”.

Sobre a representatividade, André explica que as consequências da pandemia deixaram essa questão ainda mais complicada. “Eu acho que o ensino à distância prejudica muito isso, porque a gente não vê as pessoas. Pode ser que eu tenha colegas trans e não sei”, conta.

De acordo com Caleb, algumas mudanças precisam acontecer para as pessoas trans se sentirem mais incluídas e representadas dentro do ambiente acadêmico. “Eu acho que primeiramente tornar o processo do nome uma coisa melhor. Todos os espaços têm que ter o teu nome, tinha que ser mais rápido. Ensinar os professores a lidar com essas coisas, você chega numa sala e você não sabe se o professor vai te chamar pelo pronome certo, se ele vai te ler errado”, explica. O estudante frisa que o despreparo foi uma das coisas que mais lhe afetou e também sente falta de um grupo de pessoas trans.

A reportagem entrou em contato com a Unisinos para saber mais sobre o processo de solicitação do nome social, a possibilidade de um banheiro de gênero neutro e o treinamento dos funcionários. A instituição informou que “respeita a igualdade de direitos e a individualidade da pessoa humana”. A instituição também afirmou que “a inclusão do nome social nos registros da Universidade acontece sob demanda, via Atendimento Unisinos, e é atendida com brevidade”. Sobre os funcionários e o banheiro neutro, a universidade informou que “oferece às pessoas colaboradoras capacitações sobre diversos temas durante o ano. No que trata de infraestrutura, a Unisinos pensa a criação de seus espaços de forma inclusiva”.

As dificuldades para a retirada do nome social dependem das condições financeiras da população trans

Não ter sua identidade reconhecida é um tipo de violação de direito frequente para pessoas transexuais e travestis. Ainda assim, em teoria, instituições públicas e privadas, inseridas no sistema federal de ensino, devem seguir o Decreto Federal nº 8.727/2016, e adotar o nome social da pessoa travesti e transexual. É bom lembrar que o Rio Grande do Sul foi o primeiro estado do país a adotar a carteira de nome social, em 2012.

O nome social é o modo como a pessoa se identifica, uma vez que o nome civil não reflete sua identidade de gênero. A partir do decreto de 2016, ele deveria estar, também, em formulários, registros e cadastros dos mais diversos serviços federais. No entanto, isso não é uma realidade. Em resposta a um pedido de informação, via Lei de Acesso, a Ouvidoria do Inep informou à reportagem que os dados sobre nome social não são coletados pelo Censo da Educação Básica, dessa forma não existe nenhum tipo de informação sobre a população trans no ensino superior.

O próprio pedido para a retirada do nome social não é algo fácil, mesmo com a legislação completando cinco anos. Os desafios enfrentados variam, também, de acordo com as condições financeiras de cada pessoa. Xuxa Malakoski é uma mulher trans e militante dos direitos das pessoas trans e travestis. Durante três anos, foi presidente do Grupo de Apoio à Diversidade (GAD) de São Leopoldo, mas, atualmente, está afastada do cargo. Xuxa ainda auxilia diversas meninas trans em situação de vulnerabilidade no município. Uma das ações desenvolvidas é auxiliar na retirada da carteira de nome social.

“Nós esbarramos em vários problemas. Sempre que vamos até o cartório, eles pedem quase 10 documentos e muitas mulheres não conseguem tirar, porque muitas têm restrições no Serasa, ou problemas na justiça por serem marginalizadas. E isso acontece porque a sociedade civil não nos deu um trabalho, para mostrarmos que também podemos fazer algo em prol da sociedade”, explica Xuxa. Mesmo com toda a burocracia, o nome social não altera documentos como RG e CPF. Ele é usado entre parênteses e ao lado do nome de batismo.

Modelo de carteira social adotada no RS. Instituições públicas e privadas, inseridas no sistema federal de ensino, devem seguir o Decreto Federal nº 8.727/2016, e adotar o nome social da pessoa travesti e transexual

Foto: Reprodução

Modelo de carteira social adotada no RS. Instituições públicas e privadas, inseridas no sistema federal de ensino, devem seguir o Decreto Federal nº 8.727/2016, e adotar o nome social da pessoa travesti e transexual

Foto: Reprodução

Para a militante, um dos principais problemas enfrentados pela população trans é a invisibilidade das pessoas e das lutas por direitos básicos. “É uma população invisibilizada e a pouca visibilidade que temos, querem apagar. Porque tem muitas pessoas cis que se promovem em cima da nossa população”, comenta. Xuxa acredita que o pedido para o uso do nome social deveria ser menos burocrático, em especial para as pessoas trans em situação de vulnerabilidade. “O que escreveram na legislação tá muito bonito, mas o governo esqueceu que temos que bater de porta em porta e elas não se abrem, é muito difícil”, finaliza.

Cotas no ensino superior

Sem incentivo e sem uma legislação que defenda os seus direitos, essa população fica refém de migalhas das instituições de ensino superior. Dos 50 centros universitários, faculdades e universidades contatadas, apenas uma possui cotas para pessoas trans, na pós-graduação. A Ufrgs é a única da Região Sul do país com essa modalidade de entrada — são apenas 16 em todo o Brasil. A raiz desse problema se encontra na invisibilização da população trans em todo o país.

Na federal, seis programas de pós-graduação (PPG) oferecem cotas, o mais antigo é o de Sociologia, que garante as vagas desde 2016. De acordo com a universidade, não existe uma norma reguladora sobre a criação de cotas para as pessoas trans, cada programa é autônomo nesse sentido. Ao todo, são 92 programas de pós-graduação na Ufrgs e somente 18 possuem alguma modalidade de cota, de acordo com o Departamento de Educação e Desenvolvimento Social (Deds) da Pró-reitoria de Extensão.

Em 2018, uma pesquisa do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa) mostrou que apenas 18% dos PPGs de instituições públicas de ensino superior adotam ações afirmativas. Essas ações são políticas públicas que tem como objetivo corrigir desigualdades raciais presentes na sociedade, acumuladas ao longo dos anos, explica a Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Amazonas. O levantamento também mostra que, dos estudantes contemplados por essas vagas, apenas 2,72% são trangêneros.

Dos 50 centros universitários, faculdades e universidades contatadas, apenas a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) possui cotas para pessoas trans, na pós-graduação

Arte: Estudantes de Jornalismo Investigativo/Unisinos

Dos 50 centros universitários, faculdades e universidades contatadas, apenas a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) possui cotas para pessoas trans, na pós-graduação

Arte: Estudantes de Jornalismo Investigativo/Unisinos

Dos 50 centros universitários, faculdades e universidades contatadas, apenas a Ufrgs possui cotas para pessoas trans, na pós-graduação.

Como fizemos

Tudo começou com uma hipótese e logo após uma simples pergunta. A hipótese é que basicamente existem pouquíssimos estudantes trans no ensino superior gaúcho, o que nos leva a pergunta: por que isso acontece e como é a situação desse grupo no contexto universitário? A equipe de reportagem não encontrou dados sobre a população em nível estadual, somente nacional. Por isso, resolvemos nós mesmos produzir estes dados.

Foram definidos cinco municípios, localizados na Região Metropolitana de Porto Alegre (Canoas, Gravataí, Novo Hamburgo, Porto Alegre e São Leopoldo) e a partir destes foram listados 50 instituições de ensino superior (faculdades, universidades e centros universitários).

Cada repórter ficou responsável por entrar em contato com um grupo de instituições e a forma de contato foi padronizada. Primeiro, entrávamos em contato via telefone, informando o que era a pauta e quem poderia responder por estes dados. Através do e-mail disponibilizado, eram enviadas as perguntas. Com isso, foram cerca de dois meses anotando e-mails, enviando perguntas e cobrando respostas. Após alguns retornos, mais respostas e questionamentos eram feitos.

O resultado final foi um levantamento com um resultado que corrobora com nossa hipótese inicial. Praticamente, não existe um levantamento institucional. Com isso, não existem políticas e ações internas voltadas para a diversidade. Por fim, todo este processo resulta em um número baixo de estudantes trans e um número menor ainda de estudantes que terminam a graduação.

Especialistas que tratam do tema e também pessoas que sentem o problema na pele ajudam a elucidar melhor o impacto dos números encontrados no levantamento. As vítimas foram descobertas através de uma chamada que a equipe fez nas redes sociais, perguntando se pessoas trans, que estudam no ensino superior da região, gostariam de participar da matéria contando suas histórias e suas experiências.

Para chegar até as histórias, inicialmente, o chamado foi feito através do DCE da Unisinos, que compartilhou o post criado pela reportagem. Após isso, o post foi compartilhado pelo DCE da UFRGS e, igualmente, pela União Estadual dos Estudantes (UEE). O post também foi compartilhado no Twitter pelo influencer Alan Dubox.

GLOSSÁRIO

O apagão de dados das pessoas trans no ensino superior

Arte: Estudantes de Jornalismo Investigativo/Unisinos

O post com o convite foi compartilhado nas redes sociais pelos DCE’s da Unisinos e da UFRGS, e pela União Estadual dos Estudantes (UEE), além de ter sido compartilhado no Twitter pelo influencer Alan Dubox

Arte: Estudantes de Jornalismo Investigativo/Unisinos

Transgênero: termo “guarda-chuva” que representa a diversidade trans. Estão incluídos travestis, homens e mulheres trans, pessoas transmasculinas, não binárias e diversos outros;

Travesti e transexual: ambos os termos se referem às pessoas cujo gênero é o oposto do que lhe foi socialmente atribuído ao nascer. Contudo, havia diferenciação dos termos nos debates iniciais, considerando questões cirúrgicas. O pensamento é considerado ultrapassado pela comunidade, pois a identificação é individual, não havendo distinção;

Pessoas não binárias: não se identificam exclusivamente com o gênero feminino ou masculino, indo além do binômio homem-mulher;

Cisgênero: indivíduo que se identifica com o gênero que lhe foi atribuído no nascimento;

Transfobia: Aversão e preconceito contra indivíduos transgêneros;

LGBTQIAP+: a sigla refere-se a Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Queers, Assexuais, Pansexuais e Identidades Não Binárias;

Queer: forma fluída de se representar em termos de gênero e sexualidade;

Assexuais: indivíduos que tem relações afetivas sem necessariamente ter relações sexuais;

Pansexuais: pessoas atraídas por diferentes gêneros.

 

*Os nomes dos estudantes transgêneros entrevistados foram alterados para preservar a sua integridade.

Esta reportagem foi realizada na disciplina de Jornalismo Investigativo do curso de Jornalismo da Universidade do Vale do Rio do Sinos – Unisinos, sob a supervisão da professora Luciana Kraemer, no segundo semestre de 2021.

O Extra Classe e a Unisinos firmaram Termo de Cooperação, no início de 2022, para a veiculação no jornal de reportagens produzidas pelos estudantes da disciplina de Jornalismo Investigativo do curso de Jornalismo da instituição e o acompanhamento dos estudantes na produção das edições mensais impressas do Extra Classe.

Comentários