Apesar da redução da pobreza, população de rua cresceu mais de 10 vezes em uma década
Foto: Tânia Rêgo/ Agência Brasil
A população de rua do Brasil cresceu mais de 10 vezes na última década nos registros do Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal, segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Se em números absolutos o crescimento saltou de 21.934 em 2013 para 227.087 até agosto de 2023, a queda da pobreza no mesmo período – apesar de oscilações – levanta uma questão: por que a população em situação de rua cresce?
O percentual de pessoas em extrema pobreza, ou seja, que viviam com menos de R$ 200,00 por mês, no Brasil, caiu para 5,9% em 2022, após alcançar 9,0% em 2021.
Já a proporção de pessoas em situação de pobreza, que viviam com até R$ 637,00 por mês, caiu de 36,7% em 2021 para 31,6% em 2022.
Em termos de contingente, em 2022, havia 12,7 milhões de pessoas na extrema pobreza e 67,8 milhões na pobreza, com queda de cerca de 6,5 e 10,2 milhões de pessoas, respectivamente, nessas situações de um ano para o outro. Os dados são da Síntese de Indicadores Sociais, divulgada no início de dezembro pelo IBGE.
O Ipea aponta que o crescimento da população em situação de rua é resultado da exclusão econômica, do desemprego, do déficit habitacional, da ruptura de vínculos familiares e por questões de saúde, em especial psicológica.
A professora do Insper, Laura Müller Machado, por outro lado, explica que o que está ocorrendo no Brasil é parte de um fenômeno global.
Conforme a professora, o crescimento dos sem teto no Brasil se deu na ordem de 12% ao ano na última década.
Na Europa, aponta Laura, de um total de 14 países analisados, somente a Finlândia não apresentou crescimento em sua população em situação de rua. Nos últimos anos, por exemplo, os sem tetos alemães cresceram 15% ao ano. Já, entre os ingleses, o aumento foi de 14%.
Subnotificação no Brasil
Foto: Divulgação
Para o coordenador do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) André Luiz Dias, o índice nacional de crescimento dos sem tetos certamente é maior.
“É uma quantidade muito pequena de municípios que registram a presença da população em situação de rua nessa importantíssima base de dados. Mesmo assim, o CadÚnico apresentou significativo aumento no percentual”, declara.
“As pesquisas são malfeitas, né?”, aponta Edisson José Souza Campos, integrante da Coordenação do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPSR) para o Rio Grande do Sul.
Ao relatar que participou de um processo “que teve lugares que a gente nem entrou pra fazer a pesquisa”, Campos dá um breve panorama da situação de Porto Alegre.
“Encontramos 4,9 mil pessoas em situação de rua para 600 vagas em albergues”, ilustra.
Políticas públicas atuais não dão conta
Os professores Dias e Laura e o coordenador do MNPSR, Campos, têm o mesmo entendimento. As políticas sociais de transferência de renda não estão dando conta do problema, que ainda apresenta outro paradoxo.
É nos estados mais ricos que se concentra a maioria dos sem teto brasileiros enquanto, nos estados mais pobres, a presença é menor.
Isso sugere, para Laura, a importância de investimentos em redes de apoio. Para ela, o maior índice de pessoas em situação de rua nas regiões mais ricas é reflexo da falta de solidariedade “que as mais pobres constroem, até por necessidade”.
Já Dias vê o fenômeno da população sem teto nacional com “uma relação muito estreita com séculos de escravidão e com o racismo estrutural ainda hoje muito presente no nosso país. Na média nacional, 69% dessa população são de pessoas negras”.
Na opinião do professor da UFMG, em uma realidade baseada fortemente em territórios para toda e qualquer política pública, a questão do acesso à moradia deve ser o carro-chefe “para a efetivação de direitos da população em situação de rua”. Isso já está comprovado em diversos países do mundo”, pontua.
Campos, por sua vez, ao lembrar o RS, ressalta a importância da participação dos próprios sem teto na discussão das políticas públicas.
“O ideal é que a gente tenha o Comitê Municipal e o Comitê Estadual de Monitoramento de Políticas Públicas funcionando”, afirma.
“Antes de começar a pandemia, nós conseguimos participar”, lembra ele ao ressaltar que os comitês integram uma política nacional e que foram esvaziados com o surgimento da pandemia.
“Daí acabaram com o Comitê Municipal, o Estadual tá mais ou menos andando. A gente participava dos projetos, das reuniões, ajudava a fazer, entendeu? Só que agora eles tão construindo sem a gente, né?”, denuncia.
Ele ressalta que essa situação verificada no RS é recorrente em outros estados. Com a CNPSR organizada em 19 estados, ele é categórico: “é um problema geral. Que não é só aqui, é lá pra cima também”, ao se referir a todo o Brasil.