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Estresse, brigas e violência policial na rotina dos abrigados

No Cete, uma amostra do cotidiano de quem foi resgatado da enchente e vive no limite em meio ao trauma das perdas e da insegurança quanto ao futuro
Por Silvia Marcuzzo / Publicado em 31 de maio de 2024
Estresse, brigas e violência policial na rotina dos abrigados

Foto: Alex Rocha/PMPA

O Centro Estadual de Treinamento Esportivo (Cete) é um dos 129 locais disponibilizados pela prefeitura, no acolhimento das famílias resgatadas da enchente. Na capital quase 10 mil pessoas estão vivendo em abrigos

Foto: Alex Rocha/PMPA

Brigas, lesões corporais, furtos, crimes sexuais, violência doméstica, conflitos de vários tipos. Esses são alguns dos lados da convivência entre tantas pessoas de diferentes realidades, atingidos pela enchente, e que estão vivendo em abrigos públicos. Uma situação transitória, mas que não tem um prazo para terminar.

Nos primeiros dias dessa semana, foram lavrados três boletins de ocorrência no Centro Estadual de Treinamento Esportivo, mais conhecido como Cete, no Menino Deus, sobre episódios de violência entre os abrigados.

Para Adriana Regina da Costa, diretora do Departamento de Polícia Metropolitana, “são situações que ocorrem em qualquer comunidade e que agora acontecem no abrigo, considerando as circunstâncias da enchente”. Ela disse que a polícia não está repassando o número de ocorrências em abrigos.

Para o Cete, foram os primeiros flagelados resgatados. Moradores das ilhas do Delta do Jacuí e do Humaitá. Atualmente, segundo o delegado Vinícius Naham, da 2ª DP, estão abrigadas no local 244 pessoas. Esse número oscila, pois a cada dia, pessoas saem e entram nesses locais.

Segundo a assessoria de comunicação da Fundação de Assistência Social (Fasc) da prefeitura de Porto Alegre, o Boletim Central de Abrigos indicava na quarta, dia 29, 129 abrigos ainda em operação na Capital, onde estão 9.896 alojados. No começo, da operação dos abrigos, mais de 16 mil pessoas foram acolhidas.

O Cete, para a Polícia Civil, é o abrigo mais tenso, complicado de lidar da cidade. “Lá o público é de áreas mais vulneráveis, parece que os problemas de convivência se agravaram nos últimos tempos,” contextualiza o delegado Naham.

O local que começou a receber afetados pelas águas desde o dia 6 de maio, foi o primeiro a ser estruturado. Atualmente, é administrado pela Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais, com o trabalho de voluntários ligados à igreja Adventista, informou a assessoria da Fasc.

Na terça-feira, 29, um episódio de violência no Centro Esportivo foi amplamente divulgado em redes sociais. A Brigada Militar invadiu o local usado bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha para conter um tumulto. A assessoria da BM informou que foi usado spray de pimenta para separar uma briga envolvendo várias pessoas.

Segundo a BM “uma dupla de policiais militares entrou no abrigo e visualizou diversos dos abrigados agredindo um casal. Ao tentar interpelar os indivíduos, estes não acataram as ordens dos militares e investiram contra a guarnição, que utilizou o instrumento de menor potencial ofensivo para cessar a agressão”. Depois da ação da BM, um celular que teria sido furtado foi localizado. Quatro pessoas foram retiradas do local. A administração não permitiu que elas voltassem.

Os conflitos iniciaram a semana passada, com um dos envolvidos no caso, quando houve a disputa de um lugar para colocar um colchão. Na quarta-feira, 30, pela manhã, dois casais também acabaram na 2ª DP devido a uma briga. O delegado diz que as pessoas estão esgotadas e que boa parte dos alojados já se conhecem por viverem na mesma região.

A coordenadora do Programa de Pós-graduação Graduação Segurança Cidadã, Melissa de Mattos Pimenta, do Departamento de Sociologia da Ufrgs, explica que essa situação de abrigados deixa muitas pessoas com estresse pós-traumático devido a incertezas também quanto ao futuro e devido às diversas perdas pelas quais elas estão passando.

“A gente precisa de mediação de conflitos, precisa de gestão, de lideranças, de outras interfaces interdisciplinares para tratar a situação,” observa Melissa. Ela alerta ainda que se os conflitos forem tratados com violência, o problema tende a se agravar.

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