Descaso deixou Porto Alegre refém do Guaíba nas cheias e nas secas
Foto: Luciano Lanes/ PMPA
Foto: Luciano Lanes/ PMPA
A falta de manutenção e investimentos no sistema anticheias de Porto Alegre foi exposto quando as águas do Guaíba inundaram diversos bairros, inclusive locais que até então não eram afetados, como Cidade Baixa e Menino Deus. Além desse problema de proteção contra as cheias, especialistas apontam que há outro ponto crucial a ser enfrentado na capital para não ficar na mão do Guaíba: melhorar a segurança do abastecimento de água potável.
Atualmente o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) tem uma única fonte de captação de água bruta, o Guaíba. O engenheiro Arnaldo Dutra, que já administrou a Corsan, o Dmae e o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (Dmlu), alerta sobre este risco. “O fato de haver um único manancial de abastecimento de água na capital, ainda que seja o poderoso Guaíba, é preocupante.
Segundo o gestor da área de saneamento, durante a enchente, houve momento em que, das seis estações de tratamento de água do Dmae, apenas uma estava funcionando, a do Belém Novo. “Caso o excesso de água ou a turbidez excessiva impedisse também o seu funcionamento, teríamos uma situação complicada para o abastecimento emergencial, mesmo por carros pipas, de locais estratégicos como hospitais, postos de saúde, abrigos de acolhimento”, pontua.
A dependência do Guaíba como única fonte para abastecer a cidade também preocupa o engenheiro civil aposentado do Dmae, atualmente Conselheiro no Conselho Deliberativo da autarquia municipal pelo Sindicato dos Municiparios (Simpa) e diretor do Sindicato do Engenheiros (Senge-RS), Adinaldo Soares de Fraga. Ele enfatiza que o sistema já mostrou toda a sua fragilidade na cheia, trazendo preocupações futuras. “A cidade alagou e colapsou pelo retorno da água por algumas casas de bombas de pluvial, atingindo pontos de captação e bombeamento de agua bruta para as estações de tratamento”, lembra.
Outro risco permanente são os navios que navegam pelo lago, transportando produtos químicos para o Polo Petroquímico. Um acidente com uma destas embarcações, por exemplo, pode causar um serramento no lago, com necessidade de interromper a captação. “Se houver um acidente com uma dessas cargas, o abastecimento ficaria comprometido por muitos dias, e não temos nenhuma alternativa, senão abandonar a cidade, novamente. Temos de pensar numa segurança hídrica, para o abastecimento da cidade, que hoje não temos”, avalia Fraga, que atuou por 32 anos na autarquia.
Alternativas
Há cerca de 10 anos havia a estação de tratamento da Lomba do Sabão, cujo manancial era uma represa situada no Parque Saint-Hilaire, em Viamão. O local era estratégico se acontecesse um problema no Guaíba, por exemplo. O ponto foi fechado devido à poluição, com a presença de manganês e esgotos domésticos que adentravam. “Penso que hoje o uso do manancial tem que ser avaliado novamente, pois temos sistemas de tratamento modernos que possibilita outra fonte de abastecimento, que não seja apenas o Guaíba”, indica Fraga.
Além disso, acrescenta ser uma alternativa de curto prazo, uma ideia interessante e bem plausível. Outra alternativa, segundo Fraga, a longo prazo, seria desenvolver um estudo de concepção bem detalhado e com previsão de custos para a utilização de água do aquífero de Aguas Claras em Viamão. “Teríamos água de excelente qualidade, com economia de escala no tratamento”, avalia.
Segurança hídrica
Considerando as mudanças climáticas e o excesso de chuvas, não se está livre de novas enchentes em curto espaço de tempo, pelo contrário. “Sem falar nas outras questões já citadas. Portanto, não estamos e nunca estivemos livres de ter o Guaíba com suas águas comprometidas para abastecimento humano”, afirma Arnaldo Dutra. Ele compara o risco com a negligência de manutenção e falta de investimentos no sistema de proteção contra as cheias. “Acho que não podemos esperar pra ver quando e como vai acontecer”.
A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) ressalta que a segurança hídrica se refere à capacidade que uma sociedade tem para ter quantidade e qualidade suficiente de água, tanto para sua própria sobrevivência quanto para realizar diferentes atividades produtivas.
Para fazer frente a este compromisso, é necessário planejar e investir em alternativas e ampliação do sistema de abastecimento, afirmam os especialistas. Fraga garante que recursos não faltam, uma vez que o Dmae tinha em caixa R$ 430 milhões em abril deste ano, mas a prefeitura resolveu deixar o dinheiro parado.
“Várias vezes o Conselho Deliberativo solicitou um plano de investimento para a cidade, e isso somente foi apresentado no final do ano passado. Esse ano, por ser ano eleitoral, previam investimento em saneamento de mais de 170 milhões, entre água, esgotamento sanitário e drenagem urbana”, informa o conselheiro da autarquia. “Com a enchente, essas prioridades estão sendo revistas. O que não foi licitado, será reavaliado sua prioridade”, completa.