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Remoções: Brasil tem mais de 1,5 milhão de pessoas expulsas de casa

Proibidos pelo STF até 2022, despejos e remoções voltaram com força e já aumentaram 70% segundo a Campanha Despejo Zero
Por Gilson Camargo / Publicado em 14 de agosto de 2024
Remoções_Brasil tem mais de 1,5 milhão de pessoas expulsas de casa

Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Maioria dos afetados pelas remoções é formada por pessoas que se autodeclaram pretas e pardas (66,3% do total), mulheres (62,6%) e que ganham até dois salários mínimos (74,5%).

Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Um levantamento inédito, produzido pela Campanha Nacional Despejo Zero e divulgado nesta quarta-feira, 14, mostra que mais de 1,5 milhão de brasileiros sofreram com despejos ou remoções forçadas entre outubro de 2022 e julho de 2024. Isso representa aumento de 70%, já que em outubro de 2022, 898.916 pessoas tinham enfrentado essa situação.

O mapeamento reúne casos coletivos de remoção forçada de pessoas e de comunidades inteiras, que foram expulsas de seus locais de moradia. Isso inclui não só os casos judicializados, mas também processos administrativos promovidos pelo poder público.

O aumento verificado no período, explicou Raquel Ludermir, gerente de Incidência Política da organização Habitat para a Humanidade Brasil, pode estar relacionado ao fato de que, durante a pandemia de covid-19, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a suspensão dos despejos e a reintegração de posse contra famílias vulneráveis.

A medida acabou durando até o final de outubro de 2022. “Até esse momento, vários casos ficaram represados por essa determinação do STF. Depois disso, a gente teve a liberação, e os despejos voltaram a ser legais. Então, o que a gente nota é um aumento muito expressivo que reflete a retomada do andamento desses processos judiciais de despejo e ameaça de reintegração de posse, de uma forma geral”, explica.

Outro fator que pode ter contribuído para esse aumento, explica Raquel, é o custo de vida elevado como reflexo da pandemia.

“Durante a pandemia, houve um empobrecimento muito sério das pessoas e o custo de vida aumentou bastante. Então é possível que muitas pessoas tenham recorrido a ocupações”, lembra.

“Se a família já está morando de forma precária, está morando de favor, às vezes está tendo que comprometer alimentação e segurança alimentar para pagar o aluguel no final do mês, aí ela pode recorrer a uma ocupação urbana”, exemplifica.

Recorte por classe, gênero e raça

A crise habitacional brasileira tem classe, gênero e raça, revelou o levantamento.

A grande maioria dos afetados é formada por pessoas que se autodeclaram pretas e pardas (66,3% do total), mulheres (62,6%) e que ganham até dois salários mínimos (74,5%).

“Estamos falando de pessoas predominantemente de baixa renda, muito vulnerabilizadas do ponto de vista socioeconômico. É também uma população predominantemente negra e, muitas vezes, chefiada por mulheres. Existe uma dívida histórica do país em relação à demanda dessa população por moradia”, alerta Raquel.

Do total de vítimas dessas remoções e despejos, cerca de 267 mil são crianças e mais de 262 mil, pessoas idosas.

“Sabemos que apesar de a moradia ser um direito constitucional e um direito humano, ainda estamos em um país em que existem pelo menos 6 milhões de pessoas em situação de déficit habitacional e mais 26 milhões em condição de inadequação habitacional”, informa.

Para a executiva da organização Habitat para a Humanidade Brasil, “a pesquisa indica a ponta do iceberg de um problema histórico no Brasil. Estamos falando aqui da moradia, do problema da luta pela terra e de como isso está atrelado às questões da pobreza e de interseccionalidades”.

Subnotificações

Segundo a Campanha Nacional Despejo Zero – articulação nacional composta por 175 organizações que atuam na luta pelo direito à vida na cidade e no campo e que fez o mapeamento das remoções de forma coletiva – esse número pode ser ainda maior já que a pesquisa não considera a população em situação de rua e pessoas que estão ameaçadas por desastres socioambientais.

O que o levantamento conseguiu apontar é que, do total de vítimas de despejos ou remoções forçadas, 333.763 correspondem a famílias ameaçadas, 42.098 a famílias despejadas e 78.810 a famílias vivendo com o despejo suspenso.

Entre as regiões mais afetadas, São Paulo lidera o ranking com o maior número de famílias ameaçadas (90.015) e despejadas (9.508).

O estado de Pernambuco aparece na segunda posição no ranking de famílias ameaçadas (43.411) e em quinto no de despejadas (2.194). Já o estado do Amazonas aparece na segunda posição em número de despejados (5.541) e em terceiro no de ameaçados (31.902).

Reintegração e obras

De acordo com Raquel, essas remoções forçadas ou despejos são motivados principalmente por reintegração de posse, quando há conflito entre a pessoa que se diz proprietária do imóvel ou da terra e as famílias que estão ocupando esses locais.

Como segunda principal razão estão as remoções forçadas impulsionadas pelo poder público, principalmente por grandes obras.

“Isso pode estar relacionado a grandes obras – como de sistema de transporte, drenagem ou esgotamento sanitário – ou obras em menor escala, que são supostamente para o benefício da própria população, mas que acabam tendo efeitos contraditórios de remoção”, afirmou.

É por isso que, neste momento em que as grandes obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) estão sendo retomadas, Raquel defende que é preciso repensar o quanto elas podem estar afetando também a população mais vulnerável.

“É muito importante a gente estar atento para que essas obras não tenham um efeito ainda mais negativo sobre a população vulnerabilizada”, destacou.

“A obra pública não pode nunca aumentar o déficit habitacional ou o problema da moradia no país, porque senão a gente está favorecendo apenas um setor de desenvolvimento”.

Mediação de conflitos

Para a gerente da organização, é urgente que se pense em uma política nacional de mediação de conflitos fundiários, com esforço interministerial para que o problema seja resolvido.

Outro ponto levantado por ela diz respeito às legislações e decisões judiciais.

“Temos diversas medidas em nível do Conselho Nacional de Justiça, como por exemplo a Resolução 510 de 2003, que estabelece a necessidade de mediação desses conflitos com visitas in loco, ou seja, é o juiz descer do escritório e realmente colocar o pé na terra e conhecer as pessoas que estão sendo removidas”.

Também é preciso, segundo ela, que se encerrem propostas legislativas que pretendem marginalizar ainda mais essas pessoas.

“Há propostas legislativas que estão tramitando e que estabelecem – ou tentam estabelecer – que as pessoas que precisam ocupar imóveis ou terrenos percam também seus direitos a programas sociais, como o Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) ou o direito de participar de concursos públicos.

Existe aqui uma tentativa de punir duplamente a população que já está bastante vulnerabilizada, ou seja, uma pessoa que já não tem direito à moradia, além de tudo, corre o risco de perder o direito a um programa social”.

*Com reportagem da Agência Brasil.

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