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No Oriente Médio, um Natal de realidades contrastantes

Festas de final de ano são marcadas por relativa normalidade na Cidade Santa de Jerusalém, recomeço na Síria e falta de esperança e medo em Gaza e em Belém
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 26 de dezembro de 2024
No Oriente Médio, um Natal de realidades contrastantes

Imagem: Christian Media Center/ Reprodução

“Quando a guerra acabar, vamos reconstruir tudo: as nossas escolas, os nossos hospitais e as nossas casas”, disse o cardeal Pizzaballa, patriarca latino em Jerusalém

Imagem: Christian Media Center/ Reprodução

No Oriente Médio, o Natal reflete realidades contrastantes entre diferentes regiões. Em Jerusalém, o costume da distribuição de árvores de Natal para promover um sentimento de comunidade entre os moradores da cidade sagrada para as três principais religiões monoteístas (judaísmo, cristianismo e islamismo) se manteve. Já, a 80 quilômetros de distância, tanto em Belém, quanto em Gaza, o clima natalino foi marcado por apreensão e desesperança.

Na Cisjordânia, a cidade palestina que é o berço do cristianismo, teve seu segundo Natal consecutivo sem brilho devido ao conflito na Faixa de Gaza. As tradicionais decorações natalinas, como a árvore gigante na Praça da Manjedoura, estiveram ausentes. A presença de turistas foi mínima.

As autoridades locais decidiram suspender as grandes celebrações públicas em solidariedade às vítimas do conflito. “Limitamos a alegria”, afirmou Anton Salman, prefeito de Belém, destacando o desejo de mostrar ao mundo o sofrimento contínuo sob a ocupação israelense.

A economia local, fortemente dependente do turismo, sofre com a ausência de visitantes. Antes da pandemia de covid-19, Belém recebia cerca de 2 milhões de turistas por ano. Em 2024, esse número caiu para aproximadamente 100 mil, conforme dados do Ministério do Turismo palestino.

Massacre em Gaza e violência na Cisjordânia

No Oriente Médio, um Natal de realidades contrastantes

Imagem: Christian Media Center/ Reprodução

Vigília de Natal em Belém, em uma passagem marcada por conflitos no Oriente Médio e massacre em Gaza

Imagem: Christian Media Center/ Reprodução

Apesar das restrições, a Igreja da Natividade manteve a tradicional Missa do Galo, realizada à meia-noite. Ela foi presidida pelo patriarca latino de Jerusalém, o Cardeal Pierbattista Pizzaballa.

O prelado que recentemente visitou Gaza, expressou solidariedade às vítimas e encorajou os fiéis a não perderem a esperança em sua chegada a Belém.

O conflito em Gaza, iniciado em outubro de 2023, resultou em mais de 45 mil mortes de palestinos e intensificou a violência na Cisjordânia, afetando diretamente a vida dos habitantes de Belém e de outras regiões palestinas.

Dias antes, visitando comunidades em Gaza, o Cardeal manifestou otimismo. “Mais cedo ou mais tarde, a guerra vai acabar e não devemos perder a esperança. Quando a guerra acabar, vamos reconstruir tudo: as nossas escolas, os nossos hospitais e as nossas casas. Temos de nos manter resistentes e cheios de força”.

Dias depois, no Vaticano, o Papa Francisco extremamente indignado e emocionado com os constantes bombardeios promovidos por Israel na região, desabafou: “Isto não é guerra. É crueldade”.

Em risco uma presença de 1,6 mil anos

No Oriente Médio, um Natal de realidades contrastantes

Foto: Salvatore Cernuzio/ Vatican News

A guerra é uma derrota humana, não resolve os problemas, é ruim, destrói, afirmou Francisco na Audiência Geral de 4 de dezembro, na Praça São Pedro, quando recordou o horror dos conflitos que afligem povos e nações do Leste Europeu, Oriente Médio, Sudeste Asiático e África. No Natal, sobre Gaza, afirmou: “é crueldade”

Foto: Salvatore Cernuzio/ Vatican News

Em meio ao conflito na Faixa de Gaza, a comunidade cristã local, composta por um contingente calculado entre 800 e mil fiéis, enfrentou um Natal marcado por luto e incertezas.

Desde o início da guerra, muitos buscaram refúgio nas duas últimas igrejas do enclave: a Igreja Ortodoxa Grega de São Porfírio e a Igreja Católica da Sagrada Família.

Ramez Souri, cristão palestino de 47 anos, perdeu seus três filhos em um ataque aéreo israelense no ano passado e atualmente reside no terreno da Igreja de São Porfírio. “Este ano, realizaremos nossos ritos religiosos e pronto. Ainda estamos de luto e tristes demais para comemorar ou fazer qualquer coisa além de rezar pela paz”, declarou Souri.

A guerra intensificou o desejo de muitos cristãos de deixar Gaza, colocando em risco uma presença de 1,6 mil anos na região. Kamel Ayyad, funcionário da Igreja de São Porfírio que se refugiou no Egito, expressou: “Amo minha terra natal. Todos nós amamos. Mas não voltarei para lá antes de avaliar a situação política e econômica”.

Líderes religiosos enfrentam o dilema de apoiar a saída de fiéis sem contribuir para o esvaziamento da comunidade cristã local. O reverendo Munther Isaac, pastor palestino na Cisjordânia ocupada, afirmou: “Espero estar errado, mas ficarei surpreso se houver uma forte presença cristã em Gaza após a guerra”.

Antes do conflito, os cristãos de Gaza eram profissionais bem-sucedidos, integrados em bairros prósperos como Rimal, e participavam ativamente da vida comunitária e religiosa.

A guerra, no entanto, destruiu casas e forçou muitos a buscar abrigo nas igrejas remanescentes, onde enfrentam condições precárias e temem pelo futuro. A situação atual levanta preocupações sobre a continuidade da presença cristã em Gaza, uma comunidade que tem resistido por séculos, mas que agora se vê ameaçada pela violência e pela instabilidade na região.

No Oriente Médio, um Natal de realidades contrastantes

Foto: Ziad Taleb/ONU/ Divulgação

Em meio ao conflito na Faixa de Gaza, a comunidade cristã local, composta por um contingente calculado entre 800 e mil fiéis, enfrentou um Natal marcado por luto e incertezas

Foto: Ziad Taleb/ONU/ Divulgação

Recomeço na Síria

Em contraste, na Síria, especialmente em Damasco, o Natal simboliza um recomeço. Após anos de guerra civil, com a queda de Bashar al-Assad, as comunidades locais buscam reconstruir suas vidas e tradições.

A cidade tem uma especial importância para os cristãos porque foi lá que o então perseguidor dos discípulos do Nazareno, Saulo de Tarso, teria ouvido a voz de Jesus, se converteu e passou a ser um dos principais propagadores do cristianismo aos não judeus.

Não é por menos que foi na antiga Antióquia, cidade da Síria que hoje pertence à Turquia, que pela primeira vez os seguidores de Jesus de Nazaré passaram a ser denominados de cristãos.

Pela primeira vez desde o início dos conflitos, árvores de Natal foram montadas, representando um sinal de esperança e resiliência entre os sírios.

Nada, no entanto, dá garantias de uma tranquilidade duradoura. Na mesma Damasco, centenas de cristãos foram às ruas para protestar contra o que chamam de assédio após a ascensão ao poder de grupos islâmicos.

Os protestos pacíficos foram desencadeados por um vídeo nas redes sociais mostrando combatentes encapuzados ateando fogo em uma árvore de Natal em Suqaylabiyah, uma cidade predominantemente cristã perto de Hama.

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