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População indígena cresce 89% e se desloca para áreas urbanas

Censo do IBGE mostra aumento de 897 mil em 2010 para 1,7 milhão em 2022 do total de pessoas autodeclaradas indígenas no país: mais da metade vive nas cidades
Por Gilson Camargo / Publicado em 20 de dezembro de 2024
População indígena cresce 89% e se desloca para áreas urbanas

Foto: IBGE/ Divulgação

Variações da população indígena se devem a componentes demográficos e deslocamentos, mas também ao aprimoramento da metodologia nesses 12 anos

Foto: IBGE/ Divulgação

Uma comparação entre os dois últimos censos do IBGE mostra que apesar de sofrerem de forma mais acentuada as consequências das desigualdades sociais e econômicas, da violência e da marginalização, as populações indígenas do país quase duplicou nos últimos 12 anos. Ao mesmo tempo, o período registra o maior êxodo rural dos povos originários do país, que está se deslocando das Terras Indígenas, reservas, demarcações e outras áreas na região rural para os grandes centros das regiões metropolitanas. Em ao menos três capitais, Goiás, Rio de Janeiro e Distrito Federal, mais de 90% da população é indígena.

A população total do país é de 203.080.756 habitantes, sendo que 177 milhões (87,4%) são residentes em áreas urbanas e 25.572.339 de pessoas (12,59% do total) vivem em áreas rurais. Os povos indígenas representam menos de 1% dos brasileiros.

No censo do IBGE de 2010 eles totalizavam 896.917 pessoas, ou 0,47% da população do país. Os dados do último censo, divulgados na quinta-feira, 19, revelam que esse contingente cresceu nesses 12 anos, totalizando 1.694.836 pessoas em 2022, correspondendo a 0,83% da população total do país. A população indígena no país aumentou 88,96% nesse período.

Os indígenas residentes em áreas urbanas em 2022 totalizam 914.746 pessoas, ou 53,97% do total dessa população. Em 2010, era de 324.834 pessoas, ou 36,22% do total de indígenas. De 2010 para 2022, a população indígena em áreas urbanas aumentou 181,6%, ou mais 589.912 pessoas frente a 2010. Já a população indígena em situação rural chegou a 780 090 pessoas, ou 46,03% das pessoas indígena do país, crescendo 36,36% desde 2010, o equivalente a mais 208.007 pessoas indígenas.

Marta Antunes, coordenadora do Censo de Povos e Comunidades Tradicionais do IBGE, ressalva que “as variações da população indígena de 2010 para 2022 não se devem exclusivamente a componentes demográficos ou a deslocamentos populacionais entre áreas urbanas e rurais, mas também aos aprimoramentos metodológicos do Censo 2022, que permitiram uma melhor captação da população indígena, inclusive em áreas urbanas”.

População indígena cresce 89% e se desloca para áreas urbanas

Infográfico: IBGE

Infográfico: IBGE

Indígenas nas capitais

Os maiores percentuais de indígenas residindo em áreas urbanas em 2022 foram observados em Goiás (95,52%), Rio de Janeiro (94,59%) e Distrito Federal (91,84%). Por outro lado, os estados com as maiores proporções de pessoas indígenas residindo em áreas rurais em 2022 foram Mato Grosso (82,66%), Maranhão (79,54%) e Tocantins (79,05%).

Dos 5.570 municípios do país, 4.833 têm população indígena. No Amazonas, 59 (95,16%) dos 62 municípios que abrigam 28,44% da população indígena do país tiveram perda percentual de população indígena em áreas rurais. Cenário semelhante de perdas de população indígena em áreas rurais ocorreu em Roraima (11 dos 15 municípios) e no Acre (15 dos 22 municípios).

Mais jovens

A idade mediana divide uma população em duas partes iguais, separando sua metade mais jovem da metade mais velha. Os indígenas têm idade mediana de 25 anos, menor em 10 anos do que da população do país (35 anos).

A idade mediana da população indígena que residia em áreas urbanas e fora de terras indígenas era de 32 anos em 2022. Já os indígenas residindo em áreas rurais e dentro de terras indígenas tinham idade mediana de 18 anos, ou seja, metade desta população tinha até 18 anos de idade.

Mais mulheres

População indígena cresce 89% e se desloca para áreas urbanas

Foto: Governo do Estado de Rondônia/ Divulgação

Crianças das 25 aldeias da Terra Indígena Rio Branco, na região de Alta Floresta d’Oeste, Sul de Rondônia, estão sendo incentivadas a falar a língua materna ameaçada de extinção há anos após o choque etnocultural com o não indígena

Foto: Governo do Estado de Rondônia/ Divulgação

A razão de sexo da população indígenas mostra que, dentro de terras indígenas, havia 104,9 homens para cada cem mulheres. Nas terras indígenas em áreas urbanas, havia 101,55 homens para cada cem mulheres. Nas terras indígenas em áreas rurais, havia 105,33 para cada cem mulheres.

Além disso, em áreas rurais fora de terras indígenas, havia 106,65 homens para cada cem mulheres. No entanto, em áreas urbanas fora de terras indígenas, havia 89,37 homens para cada cem mulheres.

Analfabetismo

De 2010 para 2020, a taxa de analfabetismo da população indígena recuou de 23,40% para 15,05%, mas ainda equivale a quase o dobro do índice de analfabetismo da população não indígena – que também diminuiu. Entre os indígenas residindo em áreas rurais, essa taxa caiu de 32,16% para 20,80%. Para os indígenas em áreas urbanas, recuou de 12,29% para 10,86%.

Dentro das terras indígenas, a taxa de analfabetismo recuou de 32,30% para 20,80%, de 2010 para 2022. No mesmo período, a taxa de analfabetismo da média da população do país recuou de 9,62% para 7,00%.

Crianças

No Censo 2022, a existência de registros de nascimentos foi pesquisada para todas as pessoas até cinco anos de idade. Na população do país nessa faixa de idade, 99,32% foram registradas em cartório ou possuíam Registro Administrativo de Nascimento Indígena (Rani).

As crianças indígenas com até cinco anos de idade que residem fora das terras indígenas e em situação urbana apresentam as maiores proporções de existência de registros de nascimento de cartório ou Rani (97,57%), sendo o registro de nascimento em cartório responsável por 93,33% dos registros de nascimento desse subgrupo indígena.

Um patamar de existência de registros de nascimentos mais próximos da população residente, que é de 99,32% em 2022, do que da população indígena como um todo que é de 94,09%.

As crianças indígenas com até cinco anos de idade que residem fora das terras indígenas em situação rural apresentam a segunda maior proporção de existência de registros de nascimento de cartório ou Rani com 96,74%, sendo o registro de nascimento em cartório responsável por 93,33% dos registros de nascimento (91,97%) desse subgrupo indígena.

Menor acesso ao saneamento

População indígena cresce 89% e se desloca para áreas urbanas

Infográfico: IBGE

Infográfico: IBGE

No Brasil, 97,28% da população urbana residia em domicílios conectados à rede geral de abastecimento de água ou a poço, fonte, nascente ou mina canalizada até dentro do domicílio.

Entre os indígenas residentes em áreas urbanas e fora das terras indígenas, esse percentual era de 89,92%. Ou seja, 13,33% da população indígena residindo em áreas urbanas e fora de terras indígenas tinha acesso a água em condições de maior precariedade, enquanto para a média da população urbana do país esse percentual era 2,72%.

Situação similar ocorre em relação ao esgotamento sanitário. Cerca de 83,05% da população urbana do país reside em domicílios conectados à rede geral ou pluvial de esgoto, ou com fossa séptica ou fossa filtro, modalidades que são consideradas adequadas.

No entanto, apenas 59,24% da população indígena residindo em áreas urbanas e fora das terras indígenas tinham acesso a esse tipo de saneamento básico em 2022.

Além disso, mesmo fora de terras indígenas e residindo em áreas urbanas, a proporção dos moradores indígenas com precariedades na destinação do lixo (5,83%) é quatro vezes superior à da população urbana do país (1,43%).

Para Marta Antunes, “os povos tradicionais residindo em territórios remotos, com predominância em áreas rurais não poderiam apresentar os mesmos percentuais de acesso ao saneamento básico que a média da população do país. No entanto, o Censo 2022 mostra que, mesmo residindo em áreas urbanas e fora de seus territórios oficialmente reconhecidos, a população indígena tem menor acesso aos serviços de saneamento básico que o conjunto da população do país”.

Média de moradores por domicílio

Em 2022, o Brasil tinha cerca de 72,5 milhões de domicílios particulares permanentes, com 2,79 moradores por domicílio. A média de moradores dentro de terras indígenas era de 4,59 pessoas. Nos domicílios particulares permanentes dentro de terras indígenas e em situação rural, essa média é um pouco maior: 4,63 pessoas.

No entanto, nos domicílios particulares permanentes localizados fora de terras indígenas e em situação urbana, a média de moradores era mais baixa (3,32 pessoas), assim como a média de moradores fora de terras indígenas e em situação rural (3,62 pessoas).

Convivência geracional

Na distribuição percentual dos moradores em unidades domésticas com pelo menos um morador indígena, destaca-se a quase ausência das categorias cônjuge ou companheiro do mesmo sexo, pensionista, empregado doméstico e parente do empregado doméstico, inclusive em Terras Indígenas.

Nas unidades domésticas com pelo menos um morador indígena, a proporção de cônjuges do mesmo sexo era de 0,54%, sendo de 0,12% nas unidades em terras indígenas. Na população total do país, esse percentual era de 0,54% em 2022.

Já a presença de neto está em torno de 7,0%, denotando a existência de uma convivência intergeracional no interior das unidades domésticas com pelo menos uma pessoa indígena. Essa proporção de netos encontra-se 3 pontos percentuais acima da proporção nas unidades domésticas da população do país, que é de 4,0%.

Importante observar o peso relativo dos filhos do responsável e do cônjuge nas unidades domésticas com presença indígena, que é mais elevado quando o responsável é indígena (26,36%) do que quando é não indígena (21,16%). Essa distância amplia-se dentro das terras indígenas, sendo o peso relativo dos filhos do responsável e do cônjuge de 37,88% quando o responsável é indígena e de 28,34% quando não é indígena. Para fins de comparação, esse peso no total das unidades domésticas é de 19,2%.

Localidades e terras indígenas

População indígena cresce 89% e se desloca para áreas urbanas

Infográfico: IBGE

Infográfico: IBGE

O Censo 2022 identificou 8.568 localidades indígenas no país, presentes em todos os estados e no Distrito Federal. Localidades indígenas são lugares com aglomerados permanentes de 15 ou mais moradores indígenas, organizadas de forma contígua, em áreas urbanas ou rurais, dentro ou fora de terras Indígenas reconhecidas, podendo compreender aldeias, comunidades, sítios, acampamentos, instituições de acolhimento, entre outras formas de organização socioespacial dos povos indígenas.

Dentre as localidades identificadas pelo Censo 2022, 6.130 (71,55%) estavam localizadas em terras indígenas declaradas, homologadas, regularizadas ou encaminhadas como reservas indígenas na data de referência da pesquisa, enquanto 2.438 (28,45%) localidades encontravam-se fora dessas áreas.

Em 2022, a Região Norte (44,47%) tinha o maior número de pessoas indígenas (753 780 pessoas) e a maior parcela das localidades indígenas identificadas, com 5.158 (60,20%) das localidades do país. Em seguida vieram o Nordeste, com 1.764 (20,59%), o Centro-Oeste, com 1.102 localidades (12,86%), o Sul, com 308 (3,59%) localidades e o Sudeste com 236 (2,75%).

O estado do Amazonas tinha o maior quantitativo de localidades (2.571), reunindo 30,00% das localidades de todo o país. Em segundo lugar estava o Mato Grosso, com 924 (10,78%) localidades, seguido do Pará, com 869 (10,14%) localidades, e do Maranhão, com 750 (8,75%).

Os maiores percentuais de localidades indígenas fora de terras indígenas declaradas, homologadas, regularizadas ou encaminhadas como reservas indígenas estavam no Rio Grande do Norte (100%) e no Distrito Federal (100%), onde não havia terras indígenas nessa situação fundiária, seguidos do Piauí (97,56%), do Ceará (79,50%) e do Rio de Janeiro (75,00%).

Os maiores quantitativos de localidades indígenas fora de terras indígenas estavam no Amazonas, com 1.078 localidades (41,93%), em Pernambuco, com 237 (56,97%), no Pará, com 187 (21,52%), no Ceará, com 159 (79,50%) e na Bahia, com 138 (68,32%).

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