Superqualificação assusta empresários, e doutores criam seus próprios empregos
Foto: Ignis/Divulgação
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Empresário que não é doutor pode se sentir intimidado com a presença de um “doutor na empresa”, pois ele imagina que o doutor, devido à sua maior formação, venha a querer “mandar na empresa”. Por outro lado, quando o empresário também é doutor e a empresa é bem-sucedida, ele provavelmente desejará contar com outras pessoas com o mesmo nível de formação, o que naturalmente gerará mais oportunidades para doutores, contextualiza o presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) Odir Dellagostin.
“Os doutores frequentemente enfrentam desafios específicos no mercado de trabalho. A maioria busca oportunidades na área acadêmica, mas essas são limitadas em relação ao número de doutores formados anualmente. Além disso, a contratação de doutores por empresas consolidadas ainda é baixa, refletindo uma desconexão entre a qualificação dos doutores e a demanda do setor privado”, avalia Dellagostin.
Além disso, muitas empresas não enxergam a necessidade de contratar doutores, e o ambiente empresarial carece de incentivos à inovação. Nesse contexto, empreender surge como uma alternativa para aplicar conhecimento acadêmico em soluções práticas, criar produtos inovadores e contribuir para o crescimento econômico e social.
Diante desse cenário ele acredita ser crucial incentivar jovens doutores a empreenderem, transformando o conhecimento gerado no ambiente acadêmico em novos produtos, processos e serviços. “A iniciativa Programa Doutor Empreendedor, da Fapergs, não só amplia as opções de carreira para doutores, mas também contribui para a inovação, o crescimento econômico e a competitividade do país. Estimular a integração entre academia e mercado é uma estratégia fundamental para maximizar o impacto social e econômico da formação avançada”, projeta o presidente.
Pesquisa, inovação e negócio próprio
Foto: Ignis/Divulgação
Após terminar o doutorado em Medicina Veterinária, a farmacêutica e bioquímica Josiane Feijó viu sua superqualificação não ser acolhida nem valorizada o suficiente pelo mercado de trabalho. Então aplicou o conhecimento acadêmico, científico e a credibilidade que o doutorado traz para lançar a própria empresa em 2019, a Ignis Animal Science. Incubada na Incubadora de Base Tecnológica Conectar da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), hoje distribui, no mercado nacional e com expansão para a América Latina, o suplemento bovino hipocalcemia.
O produto busca solucionar a deficiência em cálcio nas vacas leiteiras, no período em que estão em lactação. Josiane percebeu que, até então, não havia suplementos nacionais do tipo no mercado, apenas oriundos de multinacionais. “Isso me incomodou bastante. Foi aí que vi uma grande oportunidade de empreender, desenvolvendo produtos farmacêuticos e nutricionais para a área animal”, conta. A hipocalcemia atinge cerca de 50% do rebanho justamente no momento em que estão na produção leiteira. Com o cálcio direcionado para o leite, a mãe acaba tendo seu nível reduzido.
A falta de investimentos na empregabilidade de doutores na maioria das empresas, no entanto, acabou sendo uma oportunidade para Josiane. Ela explica que há universidades privadas que sequer exigem doutorado hoje, apenas mestrado para poder pagar menos. “Quando se tem doutorado, acaba se tendo maior dificuldade de conseguir uma colocação até nos espaços acadêmicos. E as indústrias e as empresas em geral não estão preparadas para empregar nem para pagar salário de doutor”, constata.
Doutores empresários
Foto: Fapergs/Divulgação
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Segundo Dellagostin, para 2025, um edital para apoiar 50 novos doutores empreendedores já foi lançado. No total, serão investidos R$ 12,3 milhões de recursos da Fapergs e mais recursos do Sebrae na forma de serviços de treinamento, consultoria e assessoria. Isso representa um aumento de mais de 30% no número de empresas que serão criadas e mais de 65% no volume de recurso investido.
Os projetos se concentram em inovação tecnológica (inteligência artificial e plataformas digitais), biotecnologia e bioinsumos (soluções para agricultura e controle biológico), sustentabilidade (captura de carbono e reuso de água), saúde (tecnologias para saúde humana e animal) e materiais avançados (materiais ecológicos e reciclados). Porém, há empreendimentos também na área de educação e psicologia.
“O sucesso do programa tem inspirado outros estados a seguir o mesmo caminho, com muitos já lançando ou planejando lançar iniciativas similares. O Rio de Janeiro, por exemplo, já está na sua terceira edição, registrando resultados expressivos e consolidando o impacto positivo dessa abordagem”, ressalta o presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa.
Josiane Feijó aponta que a virada de chave para o crescimento da empresa foi exatamente o recurso do Programa Doutora Empreendedora. “Para a minha manutenção e desenvolvimento foi fundamental, porque não tinha como me manter dentro da empresa sem a bolsa do programa, e o recurso deu para o desenvolvimento e a pesquisa do produto, que agora está nacionalmente sendo distribuído”.
Foto: Ignis / Divulgação
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