AMBIENTE

Após críticas da ONU, Gilmar Mendes suspende debate sobre demarcações

Sob pressão, STF suspende temporariamente mesa de conciliação do Marco Temporal. Enquanto isso, o garimpo devasta terra indígena em Rondônia e Mato Grosso
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 6 de março de 2025
Após críticas da ONU, Gilmar Mendes suspende debate sobre demarcações

Foto: Greenpeace/ Divulgação

Enquanto Mendes defende no STF a exploração de terras indígenas, o garimpo ilegal devasta 78 hectares da Terra Indígena Sete de Setembro, habitada pelo povo Paiter Suruí entre Rondônia e Mato Grosso

Foto: Greenpeace/ Divulgação

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, acatou na última semana o pedido da Advocacia-Geral da União (AGU) e suspendeu a mesa de conciliação que discutia a Lei do Marco Temporal para demarcação de terras indígenas. A decisão, no entanto, só interrompeu temporariamente os debates e não permitiu alterações na minuta elaborada e apresentada para se buscar um consenso sobre a Lei 14.701/2023 que trata sobre a demarcação de terras indígenas. Mendes limitou-se a estender o prazo para que as partes envolvidas cheguem a um acordo.

Após a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) se retirar da mesa de conciliação do marco temporal em agosto de 2024, no mês de outubro o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) indicou cinco lideranças indígenas para dar continuidade ao fórum.

Em sua retirada, a Apib denunciou falta de clareza sobre os objetivos da conciliação, ausência de transparência nos processos, percepções de inconstitucionalidade e discriminação nas discussões.

A suspensão ocorre em meio a críticas de relatorias da Organização das Nações Unidas (ONU) que expressaram “profunda preocupação” com a proposta de conciliação. As relatorias apontaram possíveis violações ao Direito Internacional e destacaram que a proposta contradiz diretamente a Constituição brasileira e até decisões anteriores do próprio STF. Assim, para os relatores da ONU, o acordo nos moldes que está sendo construído pode culminar na remoção de povos indígenas de seus territórios tradicionais.

Garimpo ilegal devasta Terra Indígena

Paralelamente à decisão de Gilmar Mendes, um levantamento do Greenpeace Brasil revelou que o garimpo ilegal devastou aproximadamente 78 hectares da Terra Indígena (TI) Sete de Setembro. A região é habitada pelo povo Paiter Suruí entre Rondônia e Mato Grosso.

Para se ter uma ideia da dimensão, o estrago cometido pela atividade ilegal é o

equivalente a 109 campos de futebol e está concentrada nas ramificações do rio Fortuninha e nos braços do rio Fortuna. Essas ramificações atingem respectivamente a região central da TI e sua parte nordeste.

Monitoramentos anteriores do Greenpeace Brasil mostram que a destruição tem se intensificado. Em 2022, a área devastada pelo garimpo na TI Sete de Setembro era de 55 hectares. Ela aumentou para 72,16 hectares em 2024 e alcançou os atuais 78 hectares em janeiro de 2025.

“O povo Paiter Suruí vem sofrendo um aumento dos conflitos territoriais dentro da TI Sete de Setembro há mais de uma década, tendo de resistir a diversas formas de pressão de invasores que tentam se apropriar de seus recursos naturais, como o ouro, diamantes e cassiterita”, alerta Jorge Eduardo Dantas, porta-voz da Frente de Povos Indígenas do Greenpeace Brasil.

Dantas também ressalta a necessidade de uma resposta urgente do governo. “É urgente que as autoridades tomem medidas de proteção, com ações efetivas de fiscalização e monitoramento para impedir a abertura de novas áreas de garimpo e garantir a recuperação das áreas já degradadas pela atividade ilegal, além da desintrusão dos garimpeiros”, afirma.

O levantamento foi realizado a partir do sistema de monitoramento remoto Papa Alpha, desenvolvido pelo Greenpeace Brasil. O sistema utiliza imagens de satélite do Planet Lab, do GLAD (Global Analysis and Discovery) e de radar do RAAD (Radar for Detecting Deforestation). Imagens feitas em campo pela organização também mostram a presença de maquinários como escavadeiras, evidenciando a estrutura montada para a exploração ilegal.

Fronteira agrícola avança sobre áreas protegidas

Após críticas da ONU, Gilmar Mendes suspende debate sobre demarcações_

Foto: Greenpeace/ Divulgação

Na TI Sete de Setembro, o garimpo ilegal está destruindo a floresta para extração de ouro, diamantes e cassiterita

Foto: Greenpeace/ Divulgação

Diante desse cenário, lideranças indígenas, como o cacique Almir Suruí e o vice-cacique Anderson Suruí, denunciaram o avanço do garimpo à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Em reunião realizada em Brasília, as lideranças apresentaram evidências do impacto da mineração ilegal em suas terras e solicitaram ações imediatas para a retirada dos invasores.

A Terra Indígena Sete de Setembro, que possui uma área de 248 mil hectares está inserida no chamado “arco do desmatamento”. É uma região crítica onde a fronteira agrícola avança sobre áreas protegidas.

Dados do Programa de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes) indicam que o desmatamento atingiu seu pico em 2021. Na ocasião, houve a perda alarmante de 1.420 hectares de vegetação. Desde 2008, mais de 5.000 hectares foram desmatados no território.

Além dos danos ambientais, como assoreamento e contaminação dos rios, a presença de garimpeiros representa um risco à segurança das comunidades indígenas. Os nativos enfrentam ameaças, desestruturação social e impactos ao seu modo de vida tradicional.

“É muito preocupante pensar que se essa proposta de abrir terras indígenas para exploração econômica for aceita, as cenas de destruição do garimpo hoje vistas em vários territórios protegidos, como a Sete de Setembro, serão cada vez mais frequentes e comuns. O Brasil precisa superar o modelo econômico que encara a floresta e a natureza apenas como recursos a serem explorados. Precisamos de uma abordagem mais racional e sustentável”, conclui Dantas.

A minuta capitaneada pelo ministro Gilmar Mendes na mesa de conciliação prevê a possibilidade de exploração econômica, incluindo a mineração, em terras indígenas. A proposta sugere que, em casos de “relevante interesse público da União”, a exploração de minerais estratégicos poderia ser autorizada nessas áreas, mesmo contra a vontade dos povos indígenas.

Para o Greenpeace Brasil, a combinação da suspensão das negociações sobre o Marco Temporal por Mendes e o avanço do garimpo ilegal ressalta a urgência de medidas efetivas para proteger os direitos territoriais dos povos indígenas e conter a destruição ambiental.

A ONG enfatiza a necessidade de cumprimento da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) e outras normas legais para garantir a proteção da TI Sete de Setembro, além da retirada imediata dos invasores, inutilização do maquinário e responsabilização dos envolvidos na exploração criminosa.

Comentários