JUSTIÇA

Direitos humanos no Brasil ainda provocam polêmica

No próximo dia 10 de dezembro completam 60 anos da assinatura, em Paris, da Declaração dos Direitos Humanos. O Brasil foi um dos 58 países signatários naquela longínqua 3ª Sessão da Assembléia Geral da Org
Por José Weis / Publicado em 19 de dezembro de 2008

Em 28 de dezembro de 1972, 18 dias depois do 24º aniversário da Declaração dos Direitos Humanos, César Augusto Teles e Maria Amélia Almeida Teles foram presos em São Paulo por agentes do regime militar. Um dia depois, os filhos do casal, Edson (4 anos) e Janaína (5 anos) foram sacados de casa, em Cidade Ademar, na zona leste de São Paulo, e encaminhados para o prédio do DOI-Codi, junto com a tia Criméia Alice Schmidt de Almeida (irmã de Amélia), então grávida de sete meses.

O casal era militante de esquerda e obviamente contra a ditadura militar instaurada desde 1964 no país. Pai e mãe foram torturados na frente dos filhos em uma operação liderada pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Em 9 de outubro passado, Ustra foi considerado torturador pela Justiça do Estado de São Paulo após a sentença do juiz Gustavo Santini Teodoro. A decisão em primeira instância foi comemorada pela família Teles. Mas não por muito tempo.

No dia 13 de novembro, o juiz federal Clécio Braschi, da 8ª Vara Cível da Justiça Federal em São Paulo, suspendeu a ação civil pública contra os militares reformados Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel, ambos ex-comandantes DOI-Codi. A ação havia sido proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) e também considerava a União como ré. Para julgar a ação, o juiz alegou ser necessário definir se os crimes comuns, praticados por agentes públicos contra opositores políticos, estão compreendidos na Lei da Anistia ou não. Por causa dessa controvérsia constitucional, o juiz suspendeu o processo até que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue essas questões. O Ministro do STF, Eros Grau, pediu informações à Advocacia Geral da União (AGU) e ao Congresso Nacional sobre a aplicação da Lei da Anistia para elaborar seu voto. No dia 13 de novembro, a AGU pediu prorrogação para se manifestar sobre o assunto. (Até o fechamento desta edição, a AGU ainda não havia se manifestado)

RUSGA – O tema resultou em uma rusga entre os ministérios da Justiça e da Defesa, respectivamente comandados por Tarso Genro e Nelson Jobim. O primeiro deu declarações posicionandose favorável à revisão da Lei de Anistia para que se permita julgar casos de tortura e assassinato. Na outra ponta, Jobim discorda de tal revisão e diz que o assunto só diz respeito ao Judiciário e não deve passar pelo Executivo, mesma posição das Forças Armadas. No meio disso, o presidente Lula declarou que “não seria momento para esse tipo de debate”, visivelmente contrariado com Genro. Certamente essa pendência histórica ainda está longe de ter uma conclusão.

Ampla, geral e irrestrita?

A Lei da Anistia foi aprovada no governo Figueiredo, o último general presidente do regime militar, em julho de 1979. Naquele momento, a anistia não foi ampla, nem geral, tão pouco irrestrita. Nem todos os presos políticos foram libertados logo após a sua publicação. Muitos casos seriam decididos por comissões especiais a serem criadas. Foram necessários quase 30 anos para que os que foram punidos pela ditadura tivessem direito a uma reparação. Muitos ainda não foram.

Instituída em 2002, pela Lei 10.559/2002, que regulamentou o Artigo oitavo do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT , este decreto criou a Comissão de Anistia, vinculada ao Ministério da Justiça. Esta comissão, por sua vez, vem percorrendo diversos estados brasileiros com a Caravana da Anistia, desde abril desde ano, para julgar casos dos perseguidos pelo regime militar e se os requerentes têm direito à reparação. “O Conselheiro tem uma relevante função de interesse público e social, julgando os processos de pedidos de indenização nos termos da lei”, explica o professor de Pós-Graduação em Direito da Unisinos, José Carlos Moreira da Silva Filho, membro da entidade. “Cada sessão de julgamento dá uma experiência para quem assiste que nenhum livro pode descrever: a experiência de quem foi perseguido, torturado, preso”, descreve. No entanto, não é raro o caso de um requerente do pedido de indenização acabe falecendo ao longo do processo.

DEBATE – A discussão mais recente sobre o chamado “Caso Ustra” trouxe à tona a questão da tortura que os operadores dos órgãos de segurança do regime militar cometeram contra os que lutavam contra a ditadura. Para o professor José Carlos, seria necessária uma nova interpretação da Lei 1979. Ações como seqüestros e assaltos a banco, praticados por quem se envolveu com a resistência armada contra o regime, devem ser caracterizados como crimes comuns. “Só que estes crimes comuns têm na sua raiz um crime político, a luta contra um regime que subiu ao poder por meio de um golpe que acabou com a ordem jurídica e democrática da época”, esclarece. É um legítimo direito de reação contra um Estado Arbitrário, uma ação que é reconhecida por organismos internacionais, como informa Moreira da Silva Filho. “Quem agiu na repressão e torturou, não estava cometendo um crime político, mas ainda assim um crime”. O professor da Unisinos acrescenta que os agentes que torturaram não estavam sendo perseguidos por um regime ditatorial, ao contrário, estavam protegendo o que achavam ser a ordem legal no país naquele momento. “Nem mesmo as leis da ditadura falavam em tortura”, lembra o professor e justifica que estes crimes foram crimes comuns, não deveriam ser contemplados pelo projeto enviado ao Congresso em 1979. Ele sintetiza: “a tortura é um crime imprescritível, de lesa humanidade, pelo menos desde de 1945, com o tratado de Nüremberg, que o Brasil também assinou”.

Em outros países latino-americanos que tiveram experiências traumáticas com regimes militares, houve julgamentos dos torturadores, como no Chile e na Argentina. Militares envolvidos foram julgados e condenados. Houve o que se denomina Justiça de Transição, “Lá, até mesmo a violência é menor e há inclusive um grau de satisfação dos direitos humanos bem mais elevado do que o Brasil”, conclui.

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