Sob pressão, TRF4 reage com criminalização de movimentos sociais
Foto: Sylvio Sirangelo/TRF4
Às vésperas do julgamento de Lula, cria-se um clima belicoso em Porto Alegre, transformando as expectativas de manifestações pacíficas em ameaças ao Judiciário. Um forte esquema de segurança vem sendo montado ao longo da semana, a começar pelo credenciamento de jornalistas para a cobertura do julgamento.
Os jornalistas, que não terão acesso ao local do julgamento, foram selecionados para permanecer confinados em uma sala com telão na parte interna do TRF4 ou em uma área externa, ambos sob forte vigilância. Antes, tiveram seus nomes submetidos aos órgãos de segurança.
“O presidente do Tribunal (desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores) tem dito constantemente que o ambiente está difícil, e inclusive os juízes (três desembargadores que vão julgar Lula) tiraram as famílias de Porto Alegre”, afirma o presidente da Central Única dos Trabalhadores no Rio Grande do Sul (CUT-RS), Claudir Nespolo, referindo-se ao clima tenso.
Ele não tem dúvidas de que “a beligerância” dos últimos dias é intencional, para criminalização dos movimentos sociais, rotulando-os como agressivos e influenciando pessoas a não participarem das manifestações. Nesta sexta-feira, 19, o presidente do TRF4 ouviu do ministro da Justiça e Segurança Pública, Torquato Neto Jardim, que “existem muitas pessoas fazendo ameaças por fazer, protegidas pelo anonimato.
Mas nada de concreto até agora foi apurado para que se tome alguma medida específica”. Jardim veio a Porto Alegre para tratar da “cooperação entre as instituições para o andamento pacífico das manifestações”.
Foto: Luiz Eduardo Achutti
Pactos mínimos
Claudir Nespolo tem participado de reuniões na Secretaria de Segurança Pública (SSP), “para garantir alguns pactos mínimos” que assegurem paz nas ruas nos dias anteriores e depois do julgamento.
“As negociações estão difíceis”, relata. Faltando menos de uma semana para a sessão no TRF4, os administradores públicos ainda não tinham decidido quais os pontos da cidade que estarão livres para a extensa agenda de atividades populares. Cerca de 50 mil pessoas deverão participar das atividades de rua.
São esperadas caravanas vindas de cidades do interior gaúcho, das principais capitais brasileiras e de outros países, especialmente do Uruguai e Argentina.
Deverão chegar também delegações de organizações mundiais de trabalhadores, como a Confederação Sindical Internacional (CSI) e o Sindicato Mundial dos Trabalhadores na Indústria, que mobilizam entidades filiadas, especialmente da América Latina, para se solidarizarem em Porto Alegre, até porque a situação política no Brasil tem reflexos nas nações vizinhas.
A CUT e a Via Campesina destacaram uma equipe de 2 mil militantes para a segurança. “Será uma equipe orientativa, informativa, para acolher as pessoas”, explica o diretor do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS), Amarildo Cenci.
A equipe de segurança de militantes estará identificada com braceletes, orientada inclusive a não deixar que mascarados participem das atividades e está autorizada a chamar a polícia em caso de necessidade.
Todo cuidado é pouco em um estado com histórico de violações aos direitos humanos. Em 2016, por exemplo, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal no RS, divulgou nota pública em que manifestou “profunda irresignação com notícias de violência e adoção de medidas que indicam uma intolerável criminalização de movimentos sociais”.
No documento destacou a detenção e ilícitos penais, como associação criminosa, imputados a um grupo de estudantes “que tão somente buscava a defesa de melhorias das precárias condições das escolas públicas”.
Criminalização dos movimentos sociais
A Brigada Militar tem colecionado agressões contra moradores de rua, professores, repórteres. Nas áreas rurais, a criminalização de índios é explícita, em megaoperações que contam com a Polícia Federal. “Somos massacrados. Nossas lideranças são presas para que sejam impedidas de lutar pela demarcação de terras.
Muitos não mereciam estar aí, julgando causas que são a vida de pessoas, a vida de inocentes, a vida de crianças”, afirma Deoclides de Paula, um dos cinco Kaingang levados para a cadeia em Charqueadas. Ele é cacique da Terra Indígena Votoro-Kandóia, em Faxinalzinho, onde o agronegócio e autoridades municipais frequentemente entram em confronto com índios.
A liderança cita a conjuntura política em que mais de cem projetos de lei tramitam no Congresso contra direitos indígenas, e o recente parecer 001/2017 da Advocacia Geral da União para a paralisação dos processos de demarcação dos territórios tradicionais.
“No TRF4, nos últimos anos nunca houve uma decisão que concedesse liberdade de indígenas, conseguimos a reversão de prisões no STJ em função da absoluta falta de elementos que justificassem a prisão”, exclama um dos advogados que militam no direito indigenista no Rio Grande do Sul.
PIADA – Arredio às mobilizações sociais, o prefeito da capital, Nelson Marchezan Júnior, comunicou aos seus seguidores no facebook, no início de janeiro, que pediu a Michel Temer apoio da Força Nacional e do Exército para proteção contra o que ele denominou de “uma invasão em Porto Alegre”, mas acabou não sendo atendido e virou piada nas redes sociais, pois a competência para tal pedido somente poderia vir do Executivo estadual.
Para esquentar o clima gaúcho, na terça-feira, 16, o Jornal Nacional também deu sua contribuição, divulgando imagens do encontro do presidente do TRF4 com a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, em Brasília, e reproduzindo a argumentação de que os desembargadores que julgarão o ex-presidente estariam sofrendo ameaças anônimas.
Na Secretaria de Estado de Segurança Pública, na quarta-feira, 18, o secretário Cezar Schirmer recebeu jornalistas pedindo “coberturas equilibradas, mesmo neste clima de hostilidades recíprocas”. A reunião tratou apenas da logística para o trabalho dos profissionais. Nenhuma definição sobre medidas de segurança.
O secretário de Segurança se limitou a avisar que o acesso ao perímetro em torno do TRF4 será permitido somente a pessoas credenciadas e ressalvou que mesmo as decisões tomadas até agora ainda poderão ser alteradas. Os repórteres perguntaram sobre os locais que serão reservados para os protestos e Schirmer comentou: “As manifestações têm limites. E o limite é a lei”. As informações sobre os espaços reservados aos manifestantes deverão ser divulgadas na segunda-feira, dia 22, dois dias antes do julgamento.
Órgãos públicos sediados em torno do tribunal, como Receita Federal, IBGE, Incra, Ministério da Fazenda e Câmara dos Vereadores terão expediente encerrado às 12h de terça-feira, dia 23.
OBSERVADORES – Tudo o que acontecer em Porto Alegre nestes dias será testemunhado por observadores nacionais e internacionais, pois o julgamento tomou proporções globais.
Estão sendo organizados protestos em pelo menos uma dezena das principais cidades do mundo, no domingo, 21, como em Barcelona, que deverá realizar protesto em praça pública promovido pelo Comitê Internacional pela Anulação do Impeachment.
Também haverá atividades em capitais como Nova York e Paris. Na última segunda-feira, o jurista italiano Luigi Ferrajoli, referência mundial nos estudos das garantias democráticas e temas constitucionais, citou, em nota divulgada em Roma, que o processo contra Lula tem “traços inquisitórios”, e aponta o “inaceitável protagonismo dos juízes, que se pronunciaram inúmeras vezes aberta e publicamente contra o ex-presidente fora dos âmbitos do processo contra o acusado”.
A coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos da Universidade do Vale dos Sinos (Unisinos), Fernanda Frizzo Bragato, cita a petição feita pelo próprio Lula ao Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), com base no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos que o Brasil ratificou em 1992, um dos diversos acordos internacionais que são validados nacionalmente com força de lei. “Consequência previsível e legal é a exposição do Judiciário como um todo ao constrangimento internacional”, ressalta.
Professora de pós-graduação em direito, Fernanda trabalha com equipes de especialistas na elaboração de relatórios relacionados a “riscos de atrocidades cometidas contra indígenas no Brasil”, com foco nos Kaiowá Guarani, do Mato Grosso do Sul, para encaminhamentos à Organização das Nações Unidas (ONU).
Acampamento e programação
Na tarde desta sexta-feira, 19, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul celebrou acordo extrajudicial entre movimentos sociais, Governo do Estado e Prefeitura, definindo o Anfiteatro Pôr-do-Sol (orla do Guaíba) como área destinada ao acampamento dos visitantes que estarão em Porto Alegre para as atividades relacionadas ao julgamento do ex-presidente Lula.