CNJ promove caça a juízes progressistas
Foto: Lorien Bessa
Em ato de ofício, o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, emitiu pedido de providências para que a magistrada Kenarik Boujikian do Tribunal de Justiça de São Paulo preste informações à respeito de sua recente declaração contrária ao posicionamento do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, que disse que no seu entendimento não houve nem golpe, nem revolução em 1964, mas um movimento.
Kenarik, que em 2010 condenou o ex-médico Roger Abdelmassih a 278 anos de prisão por 52 estupros e quatro tentativas de estupro em 39 mulheres, hoje é desembargadora da justiça paulista e já enfrentou um processo no CNJ por soltar presos que já haviam cumprido pena, mas que continuavam presos. Na ocasião, foi absolvida por unanimidade. Nessa manhã, 18, a Associação Juízes para a Democracia (AJD) emitiu nota “Em defesa intransigente da liberdade de expressão de juízes e juízas”.
Para Rubens Casara, juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e escritor, embora não se refira especificamente ao caso, “a liberdade de expressão é um direito constitucional que só pode ser limitado nos termos da própria constituição. Não se pode fazer interpretações extensivas de normas restritivas de direitos fundamentais. Não se pode, por exemplo, interpretar a expressão ‘dedicar-se à atividade político-partidária’ para além dos seus limites semânticos e jurídicos ou comparar a crítica de uma fala política de um juiz com a ilegítima crítica de uma decisão”. Casara ainda diz que é preciso ter muita calma e cuidado para evitar que “o espírito de Joseph Raymond McCarthy retorne em pleno século XXI.”, conclui.
“Vocês acreditam que a corregedoria foi atrás dela pedindo ‘esclarecimentos sobre as suas críticas’?”, ironiza o advogado Igor Leone, que se tornou conhecido nacionalmente por apresentar o canal jurídico Justificando. Hoje, à frente de outro veículo, o coisasquevoceprecisasaber, Leone mesmo responde: “Bicho que piada. Existe uma perseguição clara, escancarada, de juízes progressistas nesse país. Então é assim: Relativizar a ditadura: ok; Criticar quem relativiza a ditadura: processo”, registra ao lembrar que não é a primeira vez que Kenarik é processada. “Detalhe, quem processou ela foram outros juízes”, denuncia Leone.
Foto: Facebook/Divulgação
Leone usa como exemplo para o que chama de perseguição o caso de outro magistrado paulista, Ivan Sartori, titular da 4ª Câmara Criminal de São Paulo. “A título de curiosidade, duas tragédias mundiais passaram pela 4ª Câmara Criminal: a reintegração de posse de Pinheirinho e a anulação do julgamento dos policiais que executaram presos no Carandiru. Nas redes sociais desse juiz tem uma clara manifestação política e ideológica, com o slogan de Bolsonaro é a Kenarik que é chamada para dar explicações?”, fala indignado. Sartori chegou a ser notificado pelo CNJ, mas não sofreu até agora maiores constrangimentos, embora o caso possa ser considerado até mais grave.
Na mesma linha se posiciona o criminalista mineiro Leonardo Isaac Yarochewsky. ” O CNJ deveria se preocupar em punir aqueles magistrados que estão do lado do autoritarismo, que estão contra a democracia e não os que defendem o Estado Democrático de direito. É lamentável”. Para Yarochewsky, Kenarik Boujikian é uma desembargadora que honra a magistratura brasileira, “uma pessoa séria, competente e comprometida com os direitos fundamentais”, afirma.
O criminalista ainda destaca que vê com muita preocupação a atitude do CNJ. “A crítica da desembargadora é extremamente importante e pertinente. Não podemos negar a história. É clara! Houve um golpe, repito um golpe em 1964, que nos levou a uma ditadura de duas décadas, com mortes, com pessoas torturadas, com pessoas desaparecidas”, Finaliza.
Leia entrevista que o Extra Classe fez com a magistrada Kenarik Boujikian em dezembro passado.