Governador culpa direitos humanos por matança de jovens no Rio
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No estado governado pelo ex-juiz e adepto do extermínio como método para combater a criminalidade, Wilson Witzel (PSC), ocorrem em média seis tiroteios por dia entre policiais militares e traficantes. Em meio essa guerra, quem morre são os civis sem envolvimento com a criminalidade, na sua maioria atingidos por balas perdidas, e invariavelmente jovens e negros.
Durante a inauguração da primeira operação Segurança Presente da Baixada Fluminense, Witzel voltou a se utilizar de um argumento falso para alegar que quem matou os jovens teriam sido traficantes que estariam em liberdade devido à defesa dos direitos humanos, a quem chamou de “pseudodefensores dos direitos humanos” e “coveiros desses jovens e dessas famílias que hoje estão chorando”.
Sem nenhum contrangimento em defender sua política de abate de suspeitos, Witzel discursou: “Quando eu digo que quem está de fuzil na mão deve ser abatido, levantam-se vários defensores dos direitos humanos. Quando eles matam inocentes, dizem que foi a polícia que matou. Mas quando digo que tem que abater quem tá de fuzil, eles são contra. Mas são esses que estão de fuzil a tiracolo nas comunidades que atiram nas pessoas inocentes”.
Diante das câmeras, o governador aumentou a artilharia contra os direitos humanos, como se seguisse o roteiro de um filme da série Rambo: “pseudodefensores dos direitos humanos não querem que a polícia mate quem está de fuzil, mas aí quem morre são os inocentes. Esses cadáveres não estão no meu colo, estão no colo de vocês, que não deixam que as polícias façam o trabalho que tem que ser feito. Quanto mais vocês defenderem esses narcoterroristas, outros cadávares serão colocados no colo de vocês, pseudodefensores dos direitos humanos”, disparou.
PM do Rio é protagonista de seis tiroteios por dia
Foto: Reprodução
Em menos de 80 horas, desde a última sexta-feira, 9, até quarta, 14, foram mortos seis jovens com idades entre 16 e 21 anos na periferia do Rio de Janeiro. Segundo relatórios da própria PM, eles foram atingidos por balas perdidas. Nenhum tinha envolvimento com o crime.
O número de confrontos no estado cresceu 25% nos primeiros oito meses deste ano comparados com o mesmo período de 2018, de acordo com o Observatório de Segurança RJ, resultando na morte de 151 pessoas. Foram 1.452 confrontos entre policiais e “suspeitos” entre janeiro e agosto deste ano, segundo a plataforma digital Fogo Cruzado, o que representa seis tiroteios envolvendo agentes do Estado por dia.
Um evento com a presença do governador Witzel foi interrompido na noite de quarta-feira, por manifestantes que entraram nos jardins do Palácio Solar do Jambeiro, no Ingá, em Niterói, para protestar contra a matança de inocentes em ações da PM: “Tem que parar de matar aluno, governador!”.
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Em nota, o governo lamentou as mortes de civis, mas reafirmou que manterá sua política de segurança. Desde a campanha, Witzel defende o abate de suspeitos de envolvimento com o tráfico na periferia. “O governador e o governo do estado lamentam profundamente todas essas mortes. Essas e todas as outras que possam acontecer. Nós estamos todos os dias trabalhando para que elas não aconteçam”, disse o secretário de segurança, Cleiton Rodrigues. Segundo ele, trata-se de combater “narcoterroristas e máfias”.
Em nota, a OAB do Rio criticou a política de segurança de Witzel. “As mortes recentes de seis jovens pardos e negros é algo inadmissível e não podem ser tratadas como efeito colateral aceitável de uma política de enfrentamento truculenta, sem inteligência e respeito a direitos e garantias da população”. A entidade alertou que as mortes “evidenciam grave desleixo com a vida do cidadão”, principalmente jovens negros e pardos da periferia, cuja “segurança e integridade ficam comprometidas em ações em que as forças oficiais têm licença para matar”.
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Nenhum indicador de violência ou “propósito pacificador” justifica incursões policiais que desprezem a vida humana, “com corte de raça e classe tão eloquente”, aponta o comunicado, que menciona comportamentos inaceitáveis do governador: “medidas como edição de manuais secretos para operações aéreas e mensagens de estímulos à matança generalizada não somam esforços. Pelo contrário, são instrumentos de acirramento dos ânimos e amplificadores dos níveis de letalidade”, adverte a OAB.
Nesta sexta-feira, o governador questionou a autenticidade das cartas de crianças moradoras da Maré fizeram para protestar contra a violência, afirmando que as crianças teriam sido manipuladas por traficantes. Uma das 1,5 mil cartas escritas pelas crianças da Maré e entregues ao Tribunal de Justiça do estado critica uso de helicóptero da polícia em operações na comunidade. As mensagens pedem a volta de uma Ação Civil Pública (ACP), suspensa em junho deste ano, que regulamenta as operações policiais na localidade.
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MASSACRE DE JOVENS – De acordo com o Atlas da Violência 2019, divulgado em junho pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com base em dados de 2017 do Ministério da Saúde, o Brasil atingiu, pela primeira vez em sua história, o patamar de 31,6 homicídios por 100 mil habitantes. A taxa, registrada em 2017, corresponde a 65.602 homicídios naquele ano e revela a premência de ações efetivas para reverter o aumento da violência. Desse total, quase 60% das vítimas, 35.783, são jovens de 15 a 29 anos: isso equivale a uma taxa de 69,9 homicídios para cada 100 mil jovens, recorde nos últimos 10 anos.
“Que bala perdida é essa que deixa uma pessoa toda furada?”
Foto: Reprodução
Em ao menos quatro dos seis casos de mortes registrados desde o último final de semana, as vítimas foram atingidas por tiros disparados em virtude de operações ou ações de patrulhamento da Polícia Militar. Margareth Teixeira, 17 anos, foi atingida na noite de terça-feira, 13, por uma bala perdida, na comunidade do 48, em Bangu, zona oeste do Rio. O filho da adolescente, de 2 anos, foi atingido por um disparo no pé. Ambos foram levados para o Hospital Municipal Albert Schweitzer, em Realengo, na zona oeste. Margareth não resistiu aos ferimentos. A jovem estava a caminho da igreja com o filho e acabou ficando no meio do fogo cruzado. A família foi informada da morte da jovem somente na manhã de quarta-feira. Rayane Carmo, 23 anos, relatou que a irmã queria ser policial militar. “Ela sempre falou dos tiroteios, ela estudava à noite. Que bala perdida é essa que deixa uma pessoa toda furada? Minha irmã está com dez buracos no corpo”, indagou Meirielle Teixeira, outra irmã da jovem. Dois suspeitos que não tiveram seus nomes revelados pela polícia foram mortos na operação, que resultou na apreensão de dois fuzis, duas pistolas, rádios comunicadores e carregadores.
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Em Niterói, Dyogo Coutinho, 16 anos, jogador das categorias de base do América, que estava a caminho de um treino de futebol foi atingido por tiros durante uma operação da PM na comunidade da Grota. O avô de Dyogo, Cristóvão, que é motorista de ônibus, passava pelo local e levou o neto para o hospital, mas o adolescente não resistiu. “Eu peguei ele no hospital quando ele nasceu e agora peguei ele no colo quando ele morreu. Ainda falaram para mim que meu neto é traficante. Era só chamar ele, mandar encostar e verificava a bolsa. Ia ver que ele ia treinar e liberava”, lamentou. Moradores da favela da Grota fecharam ruas e incendiaram um ônibus.
Gabriel Alves, de 18 anos foi morto na Tijuca, zona norte, e Henrico de Jesus, de 19 anos, em Magé, na Baixada Fluminense, na terça, 13. Os jovens foram mortos por disparos em duas ações nas quais a Polícia Militar alegou ter sofrido ataques de traficantes. Em Água Santa, zona norte da capital, outros dois jovens foram mortos por bala perdida em uma festa: o militar do Exército Lucas Monteiro e Tiago Freitas, ambos de 21 anos. Manifestantes atearam fogo em pneus e jogaram pedras na sede da prefeitura em Magé, na Baixada Fluminense, durante um protesto pela morte de Henrico, que não tinha antecedentes e trabalhava em um supermercado.