Caso Marielle: perícia descartou hipótese de adulteração nos áudios
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Um documento anexado ao inquérito que investiga o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSol) e de seu motorista Anderson Gomes – o crime ocorreu em 14 de março de 2018 no Largo do Estácio, região central do Rio de Janeiro – mostra que o Ministério Público desmentiu o depoimento do porteiro sem fazer perícia nos computadores em que os arquivos de áudio foram gravados.
Em dois depoimentos à polícia civil e revelados pela Rede Globo na noite de 29 de outubro, um porteiro do condomínio Vivendas da Barra, onde mora o presidente da República, Jair Bolsonaro, disse à polícia civil do Rio que um dos presos por dirigir o carro usado no atentado, o ex-policial militar Élcio Queiroz, esteve na portaria do residencial horas antes do crime e, após um contato do porteiro com a casa 58, foi autorizado a entrar. A autorização, supostamente feita por celular já que o condomínio não dispõe de interfones, teria sido dada da casa 58 por alguém que se identificou como “senhor Jair”.
A casa mencionada pela testemunha pertence ao presidente Jair Bolsonaro (PSL). Ao entrar no condomínio, porém, segundo o relato da testemunha, Queiroz foi para outra casa, a 65, de Ronnie Lessa, ex-policial militar e matador de aluguel que assim como Élcio foi preso em março deste ano por efetuar os disparos que mataram a vereadora e o motorista. Menos de 24 horas depois que a matéria foi para o ar, o MPRJ tratou de desmentir o depoimento com base em uma perícia realizada também após a repercussão da reportagem.
Foto: Reprodução
A procuradora Simone Sibílio afirmou categoricamente na entrevista coletiva do MPRS, convocada às pressas na quarta-feira, 30, um dia depois das revelações do porteiro vazadas pela imprensa, que a testemunha teria mentido no depoimento. Para fazer o desmentido, a promotora Carmen Carvalho, apoiadora de Bolsonaro, foi incluída na equipe que investiga o crime pelo MPRJ.
Imagem: Reprodução
PLANILHA – As declarações do porteiro coincidem com o que ele próprio anotou em uma planilha manuscrita de controle de visitantes, mas não com os áudios da guarita de segurança incluídos no inquérito. Logo após a divulgação de um vídeo por Jair Bolsonaro com declarações agressivas e declarações da sua defesa, afirmando que ele estava em Brasília na data do crime, a Promotoria tratou de desmentir o depoimento, sob o argumento de que as declarações não coincidem com as provas materiais. Para provar isso, foi apresentado um laudo pericial emitido naquele mesmo dia. Ao descartar o depoimento, o MPRJ não considerou a hipótese de adulteração dos registros em áudio sobre o ingresso de visitantes no condomínio.
Os áudios da portaria do condomínio foram periciados no dia 30, ou seja, depois que o caso revelado no telejornal ganhou repercussão e gerou reações indignadas do clã Bolsonaro. A análise de áudios relativos a três meses de movimentação na portaria do condomínio ficou pronta em apenas duas horas e 25 minutos aproximadamente. O pedido de perícia nos áudios foi oficializado às 13h05m11s do mesmo dia da coletiva das procuradoras. Às 15h30, depois da análise, o MPRJ sustentou que a testemunha havia mentido e que Queiroz não recebera autorização vinda da casa 58 para entrar no condomínio. “A perícia nos áudios dos interfones no dia do assassinato de Marielle só foi feita um dia após a divulgação do caso na Globo e ficou pronta em apenas 2h25. A perícia sequer consegue identificar se realmente é a voz do porteiro que afirma que falou com o “seu Jair” duas vezes. Como a perícia conseguiu responder às perguntas das promotoras (uma delas Bolsonaro de carteirinha) em menos de três horas, já que havia 3 meses de conversas gravadas?”, questionou em uma rede social o senador Humerto Costa (PT).
Questionada durante a coletiva sobre os métodos usados para periciar os áudios, a promotora se limitou a afirmar que não foi identificada “nenhuma fraude” pelos técnicos da promotoria nos quesitos investigados. O laudo a que jornalistas tiveram acesso, no entanto, mostra que entre os quesitos investigados não consta a hipótese de exclusão de arquivos de áudio no dia do assassinato. O documento também comprova que os peritos da promotoria não tiveram acesso ao equipamento do condomínio, o que descarta a possibilidade de verificar se houve inserção de arquivos com data e hora forjada ou se houve exclusão de arquivos.
Foto: Reprodução
Segundo as anotações do porteiro na planilha mostrada pela Rede Globo, consta que Élcio seguiu para a casa 65 e não para a 58. Ao todo, ocorreram 19 entradas de visitantes no condomínio entre as 15h e as 18h42. O laudo do MPRJ não especifica se cada acesso anotado na planilha corresponde ao respectivo áudio do horário aproximado que foi fornecido pelo condomínio. A planilha, com data de 14 de março de 2018, só foi incluída nas investigações em meados outubro deste ano, após o envio dos dados de uma perícia feita no celular de Ronnie Lessa a pedido da Promotoria e executada pela empresa israelense Cellebrite.
O documento com as anotações sobre o fluxo de visitantes no condomínio poderia ter sido recolhida quando Ronnie Lessa foi preso, junto com Élcio, em março deste ano, o que não foi feito pelos investigadores. Questionada por jornalistas, a promotora Letícia Emile se limitou a responder que “foi um erro de análise”.
Imagem: Reprodução Imagem: Reprodução