JUSTIÇA

MPF quer investigar verba de propaganda do governo federal

Secom direciona dinheiro para sites ideológicos e censura veículos críticos ao governo. Secretário é acusado de improbidade
Por Gilson Camargo* / Publicado em 22 de maio de 2020
MPF recomenda investigação do secretário especial de Comunicação Fabio Wajngarten, por improbidade administrativa por descumprir a legislação

Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

MPF recomenda investigação do secretário especial de Comunicação, Fabio Wajngarten, por improbidade administrativa ao descumprir a legislação

Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal, enviou na quinta-feira, 21, à Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Distrito Federal uma representação para o ajuizamento de ação civil pública com vistas a garantir a transparência e a publicidade dos gastos realizados pelo governo federal com campanhas publicitárias. O documento também pede investigação sobre eventual improbidade administrativa por parte do secretário de Comunicação da Presidência da República, Fabio Wajngarten, em razão do descumprimento do que estabelece a legislação. A Procuradoria dos Direitos do Cidadão já havia pedido no dia 6 de maio a responsabilização do chefe da Comunicação do governo por apologia a crimes contra a humanidade. No dia anterior, a conta oficial da Secom no Twitter faz apologia à prática de crimes cometidos durante a ditadura militar. A postagem classifica como “heróis do Brasil” os agentes públicos que atuaram no contexto da repressão à Guerrilha do Araguaia. A publicação é acompanhada de imagem de encontro entre o presidente da República e Sebastião Curió, um dos mais brutais oficiais do Exército brasileiro em ação naquela campanha.

Conta oficial do governo no Twitter, administrada por Wajngarten, fez apologia a crimes da ditadura

Imagem: Twitter/ Reprodução

Conta oficial do governo no Twitter, administrada por Wajngarten, fez apologia a crimes da ditadura

Imagem: Twitter/ Reprodução

Na nova representação, a PFDC pede a adoção de providências com o propósito de que a Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência se abstenha de selecionar anunciantes para veiculação de publicidade oficial em razão de afinidades ideológicas ou para retaliar grupos de mídia críticos ao governo. Também é requisitado que o órgão seja impedido de realizar declarações, por meio de seus agentes, que caracterizem censura indireta, inclusive ameaças de restrições na concessão de autorizações públicas e convocação de boicotes.

A Procuradoria defende, ainda, a adoção de medidas judiciais para assegurar que o governo federal crie site na internet para divulgar os gastos com publicidade oficial, de modo a concentrar as informações de todas as despesas da administração direta e indireta, abrangendo todas as etapas da despesa e no momento de sua realização. O pedido é para que a medida seja aplicada, inclusive, quanto à decisão de veicular determinada campanha e a distribuição da publicidade entre os veículos de mídia e o valor destinado a cada um – com sua fundamentação, com detalhes sobre cada órgão e ente público, bem como informações consolidadas sobre os valores pagos a cada fornecedor.

No documento, os procuradores elencam fatos que indicam a disposição do governo federal para utilizar recursos públicos destinados à publicidade oficial como forma de retaliação contra os que lhe parecem adversários e financiar outros que lhe são simpáticos. Destacam que o presidente da República já ameaçou cancelar assinaturas do jornal Folha de S. Paulo, que chegou a ser excluído de licitação, em retaliação à sua linha editorial. Também defendeu boicote a anunciantes do diário, como forma de pressionar empresas privadas a não divulgarem publicidade em veículos de imprensa críticos a seu governo. Recentemente, o presidente ameaçou não renovar a concessão de emissora de televisão por discordar da linha editorial adotada.

“Mais que prejuízos financeiros aos grupos de mídias específicos que são alvo das ameaças e retaliações do governo federal, a distribuição arbitrária e discriminatória da publicidade oficial tem impacto na liberdade de expressão e de imprensa de uma forma geral, pela potencialidade de inibição de reportagens investigativas e críticas sobre a atual administração, o que significa censura, ainda que por outros métodos”.

O órgão do Ministério Público Federal ressalta que nenhum grupo de mídia possui o direito de receber recursos públicos da publicidade oficial, sendo lícito ao Estado reduzir ou até mesmo deixar de ter esse tipo de gasto. “Contudo, quando o Estado decide contratar empresas privadas para divulgação de sua publicidade oficial, deve fazê-lo com base em critérios lícitos, objetivos e públicos, sem qualquer discriminação por preferências ideológicas ou motivadas pelas linhas editoriais dos veículos, sob pena de incorrer em ilicitude, por afronta à liberdade de expressão e de imprensa”, ressalta o documento.

Falta de transparência

No dia 5 de maio, o número de mortos pela Covid-19 batia em 8 mil, mas um post da Secom no Twitter exaltava o “Placar da Vida”

Imagem: Twitter/ Reprodução

No dia 5 de maio, o número de mortos pela Covid-19 batia em 8 mil, mas um post da Secom no Twitter exaltava o “Placar da Vida”

Imagem: Twitter/ Reprodução

No documento, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão aponta que recentemente foi preciso que profissionais da imprensa impetrassem o Mandado de Segurança nº 16.903 perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) para obter informações sobre os valores gastos pelos órgãos da Administração Pública federal com publicidade, discriminados por veículo de comunicação.

Na decisão, o STJ determinou o fornecimento das informações, ressaltando a ausência de respaldo jurídico na negativa. No entanto, mesmo após a decisão, não se viu uma ampliação da transparência dos gastos públicos com publicidade e propaganda. “O Poder Executivo federal continua se negando a fornecer amplamente informações sobre gastos com publicidade”.

A PFDC também destaca que a divulgação dos recursos destinados à publicidade do Executivo federal é feita de forma dispersa, nos endereços eletrônicos dos diversos ministérios, secretarias, autarquias e empresas estatais – o que dificulta sobremaneira o conhecimento dos destinatários desses recursos públicos. “Se a imprensa especializada e o Tribunal de Contas da União enfrentam enormes dificuldades para apurar a aplicação desses recursos, seu conhecimento pelo cidadão comum é praticamente impossível”, aponta o texto ao referenciar procedimento existente no âmbito do TCU para apurar irregularidades na distribuição da publicidade oficial do governo. Uma cópia da representação foi, inclusive, enviada ao tribunal.

O documento é assinado pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e pelo procurador da República Gabriel Pimenta, integrante do Grupo de Trabalho da PFDC sobre Comunicação Social.

*Com informações do MPF.

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