Campanha alerta para risco de crescimento da exploração do trabalho infantil
Foto Agliberto Lima/ MPT/ Divulgação
Foto Agliberto Lima/ MPT/ Divulgação
Em um período de 16 anos, antes da disseminação da Covid-19, quase 100 milhões de crianças foram resgatadas do trabalho infantil em todo o mundo, o que representa uma redução de 246 milhões de crianças que eram exploradas no ano 2000 para 152 milhões em 2016. A fim de evitar um aumento dessa estatística em 2020 e perseguir a meta de erradicar essa violação até 2025, a campanha mundial faz um chamamento aos países para que incrementem políticas públicas de proteção visando assegurar os direitos fundamentais de crianças e adolescentes, inclusive o direito ao não trabalho.
O diretor do Escritório da OIT no Brasil, Martin Georg Hahn, destaca que a pandemia e a consequente crise econômica e social global têm um grande impacto na vida e nos meios de subsistência das pessoas. “Para muitas crianças, adolescentes e suas famílias, a crise significa uma educação interrompida, doenças, a potencial perda de renda familiar e o trabalho infantil”, explica. Para Martin Hahn, é imprescindível proteger todas as crianças e adolescentes e garantir que eles sejam uma prioridade na resposta à crise gerada pela Covid-19, com base nas convenções e recomendações da OIT e Convenção das Nações Unidas. “Não podemos deixar ninguém para trás”, alerta.
O trabalho infantil é tipificado como crime no Brasil. Mesmo assim atinge pelo menos 2,4 milhões de meninos e meninas com idades entre 5 e 17 anos, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua 2016, do IBGE. De acordo com o Ministério da Mulher, da Família e do Direitos Humanos (MMFDH), em 2019, das mais de 159 mil denúncias de violações a direitos humanos recebidas pelo Disque 100, cerca de 86,8 mil tinham como vítimas crianças e adolescentes. Desse total, 4.245 eram de trabalho infantil.
“Os dados revelam o tratamento negligente que o Estado brasileiro tem dispensado a crianças e adolescentes e o enorme distanciamento entre os preceitos constitucionais e a realidade vivenciada; conduzem à inevitável conclusão de que o Estado não se importa com o valor prospectivo da infância e juventude, como portadoras da continuidade do seu povo”, alerta a procuradora Ana Maria Villa Real, coordenadora nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância), do Ministério Público do Trabalho.
Para a procuradora, “o princípio da proteção integral é o único caminho para se chegar a uma vida adulta digna; não há atalhos para isso! Crianças e adolescentes têm direito à dignidade, a florescerem e a crescerem com as vivências próprias de suas épocas. Não há dignidade pela metade. Dignidade é inegociável”, completa.
A ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Kátia Arruda, coordenadora do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo a Aprendizagem da Justiça do Trabalho, alerta que “está na hora de compreender que toda criança é nossa criança e o mal que se faz com a exploração do trabalho infantil afeta toda a sociedade”. Ela destaca que as violações têm grave repercussão no nível educacional, no desenvolvimento físico e psicológico e, principalmente na qualidade de vida de meninos e meninas. “É preciso que o exercício de direitos e de solidariedade comece pela proteção de nossas crianças e jovens”, aponta.
Sem direito à infância: agronegócio explora 580 mil crianças
Os números do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde mostram o quanto o trabalho precoce é nocivo: entre 2007 e 2019, 46.507 crianças e adolescentes sofreram algum tipo de agravo relacionado ao trabalho, entre elas, 279 vítimas fatais notificadas. Entre as atividades mais prejudiciais, está o trabalho infantil agropecuário: foram 15.147 notificações de acidentes com animais peçonhentos e 3.176 casos de intoxicação exógena por agrotóxicos, produtos químicos, plantas e outros.
Em um período de 10 anos, de 2009 a 2019, 13.591 crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos sofreram acidentes de trabalho graves no estado de São Paulo e outros 35 perderam a vida trabalhando. No mesmo período, o Ministério Público do Trabalho no estado recebeu 9.260 denúncias de trabalho infantil e ajuizou 500 ações civis públicas com o tema.
O levantamento do Sinan mostra que a maioria das vítimas dos acidentes trabalhavam na informalidade, na construção civil, na agricultura, como empregados domésticos e como açougueiros, entre outras atividades. Todas são definidas pelo Decreto 6.481/2008 como piores formas de trabalho infantil. Ou seja, são proibidas para pessoas com menos de 18 anos.
No Brasil, a campanha nacional de erradicação do trabalho infantil realizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), Justiça do Trabalho, OIT e Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), com ações em todo o mês de junho, como o lançamento de 12 vídeos nas redes sociais com histórias reais de vítimas – confira a programação.
Um estudo inédito publicado no dia 25 de maio pelo Fórum Nacional revela ainda que mais de 580 mil crianças e adolescentes de até 13 anos trabalham em atividades ligadas à agricultura e à pecuária, que estão na lista das piores formas de trabalho infantil. A pesquisa teve como base o Censo Agropecuário de 2017, divulgado pelo IBGE em 2019. Apesar da redução obtida desde 2006, quando o número era de mais de 1 milhão, com a Covid-19, o trabalho infantil agropecuário também pode voltar a crescer.
Para a secretária executiva do FNPETI, Isa Oliveira, a luta contra o trabalho infantil apresenta desafios ainda maiores no contexto da pandemia. “Crianças e adolescentes estão ainda mais vulneráveis, o que exige do Estado brasileiro medidas imediatas e eficazes para protegê-las do trabalho infantil e proteger suas famílias”, ressalta.
*Com informações do MPT.