JUSTIÇA

Juíza do TRT4 será investigada pelo CNJ por artigo sobre genocídio no Brasil

Para a magistrada do TRT4, decisão do corregedor Humberto Martins com base em resolução que limita a participação de juízes nas redes sociais é inconstitucional
Por Flávio Ilha / Publicado em 24 de julho de 2020
"Por que não posso assinar um artigo de caráter acadêmico sobre uma questão política relevante?”, questiona a magistrada

Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

“Por que não posso assinar um artigo de caráter acadêmico sobre uma questão política relevante?”, questiona a magistrada

Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Um artigo publicado na segunda-feira, 20, na página Democracia e Mundo do Trabalho em Debate, que reúne profissionais e pesquisadores de instituições pública e privadas, provocou a instauração de um pedido de providências por parte da Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ), que acompanha e investiga a conduta de juízes em todo o país.

Mais de 400 magistrados reagiram contra a intimidação e em apoio à juíza ao assinarem um manifesto organizado pela Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 1ª Região (Amatra-1): “Não é legítimo que órgãos de controle estabeleçam qualquer medida, direta ou indireta, de censura ou punição, sobretudo quando se trata de artigo científico, ainda que traga críticas veementes a quaisquer medidas governamentais”, protesta a Amatra.

O artigo Por que é possível falar em política genocida no Brasil de 2020, assinado pela juíza do trabalho Valdete Souto Severo, repercute declarações do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, sobre a participação dos militares no que ele chamou de “política genocida” praticada no Brasil. O corregedor Humberto Martins instaurou o procedimento com base na Resolução CNJ 305/19, que limita a participação de juízes nas redes sociais.

A juíza, vinculada ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), acusa a Corregedoria de censura. “É uma prática que tem, infelizmente, se tornado corriqueira como instrumento de intimidação para um grupo de juízes com opinião política”, afirma a magistrada. Valdete explica que sequer foi notificada pela Corregedoria. “Fiquei sabendo do procedimento por meio de um site especializado em notícias jurídicas”, disse.

Segundo o documento do ministro Humberto Martins, publicado pelo portal Conjur na quinta-feira, 23, a instauração do pedido de providências considera a necessidade de averiguar fatos “que, em tese, podem caracterizar conduta que infringe os deveres dos magistrados estabelecidos na Lei Orgânica da Magistratura (Loman) e no Código de Ética da magistratura”.

A Resolução CNJ 305/19 é polêmica e tem, inclusive, uma ação de inconstitucionalidade tramitando no STF. O documento recomenda que juízes ou desembargadores “evitem emitir opiniões ou compartilhar informações que possam prejudicar o conceito da sociedade em relação à independência, à imparcialidade, à integridade e à idoneidade do magistrado”.

Segundo o site Conjur, o pedido de providências foi instaurado “de ofício”, ou seja, numa decisão monocrática do corregedor. Não é a primeira vez que Martins investe contra juízes que têm posicionamento crítico em relação ao atual governo. No ano passado, a própria juíza Valdete Souto Severo foi cobrada porque a Associação dos Juízes para a Democracia, presidida por ela, assinou uma moção de apoio a um pedido de impeachment do presidente Jair Bolsonaro.

Em maio, o corregedor determinou em caráter liminar que o juiz Douglas de Melo Martins, titular da Vara de Interesses Difusos e Coletivos da Comarca de São Luís (MA), não participasse de debates virtuais que possuam conotação política ou que tenham a presença de possíveis candidatos nas eleições municipais. Mais uma vez, a notícia foi tornada oficial pelo mesmo portal de notícias jurídicas. O caso irá ao plenário do CNJ na sessão do próximo dia 29 de julho.

Segundo a juíza, as associações de magistrados tentaram convencer o plenário do CNJ a não aprovar a Resolução 305, mas tiveram seus pedidos ignorados. “A nova regra vai contra a Constituição ao impedir que magistrados se manifestem como seres políticos, um direito de qualquer cidadão. Por que não posso assinar um artigo de caráter acadêmico sobre uma questão política relevante?”, questiona a magistrada, que cursa pós-doutorado em Ciência Política.

A partir da notificação, Valdete Souto Severo terá 15 dias para se defender junto à Corregedoria.

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