Tese do estupro sem intenção é alvo de protestos
Foto: Reprodução redes sociais/Divulgaçãoo
As cenas que viralizaram hoje, 3, nas redes sociais onde a promoter e influenciadora digital Mariana Ferrer aparece sendo humilhada pela defesa do empresário André de Camargo Aranha estão ecoando forte em Brasília. Uma das integrantes mais ativas da bancada feminina na Câmara Federal, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) se declara “extremamente indignada” com o desfecho que teve por base a tese de um suposto “estupro culposo” que levou a uma cínica decisão: a absolvição do réu porque ninguém deve ser condenado por um crime que não existe.
A primeira tese apresentada no processo pelo Ministério Público era estupro de vulnerável. Mas, nas alegações finais, o próprio MP reconheceu que não tinha como comprovar o estado de consciência da vítima e que por isso, não haveria dolo. Como não existe a previsão no Código Penal de estupro culposo, Aranha foi inocentando.
Promotoria investigada
“Todo estupro é intencional! A base é a coerção. Olha, é terrível. Estou tão indignada com isto”, reage a deputada Rosário à tese de que Aranha não teria condições de saber se a jovem de 23 anos estaria ou não em condições de consentir a relação.
Foi o promotor público de Santa Catarina Thiago Carriço de Oliveira quem afirmou não existir a “intenção” de estuprar. O próprio promotor já vinha sendo investigado pela Corregedoria Nacional do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). A apuração tramita em sigilo. A reclamação disciplinar foi instaurada, no dia 9 de outubro, pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Precedente perigoso
Rosário demonstra preocupação de que, caso a sentença não seja reformada, crie uma “perigosa jurisprudência”. Ela chegou a encaminhar um pedido de parecer a sua equipe para ver possibilidades de uma ação imediata. “É tudo tão esdrúxulo que, mesmo que eu queira fazer algo na legislação, não posso porque não tem nada pra ser suprimido ou alterado. Se isto acontecer, se a sentença não for reformada, muito estuprador por aí poderá vir a não ser condenado”, explica.
A parlamentar participou ativamente da reformulação do Código Penal em 2009, quando o estupro era classificado de um crime contra os costumes. Assim, diz Rosário, não é possível aceitar um retrocesso como o ocorrido em Santa Catarina. “Estupro é claramente, desde então, classificado como um crime contra a pessoa, com direito a vários agravantes”, fala. Registra ainda que a bancada feminina já está em movimento para denunciar e exigir que uma justiça de verdade seja feita.
Advogado expôs a vítima
“Me parece que o passo inicial para a contestação judicial deve ser feita por Mariana Ferrer, mas imagino como essa menina deva estar diante da violência que passou, diante da humilhação que passou, diante de um juiz que deveria lhe garantir seus direitos”, fala Rosário que se coloca totalmente à disposição de Mariana.
Ela se refere claramente as atitudes do advogado de André de Camargo Aranha, Cláudio Gastão da Rosa Filho. Na ocasião, para defender seu cliente, o advogado mostrou foto de Mariana Ferrer que classificou de “ginecológicas”; zombou da emoção da denunciante e, desclassificando-a, alegou que seu “ganha-pão” seria a “desgraça dos outros”.
Conduta de Juiz será avaliada pelo CNJ
No meio da tarde de hoje, 3, o integrante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Henrique Ávila apresentou uma representação para que a corregedoria do órgão analise a conduta do juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis. Para Ávila, as imagens tornadas públicas são chocantes e equivalem a “uma sessão de tortura psicológica no curso de uma solenidade processual”.
No início dessa terça-feira, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes usou sua conta no Twitter para demonstrar seu descontentamento com o ocorrido no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC). “As cenas da audiência de Mariana Ferrer são estarrecedoras. O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram”, escreveu.