MPF homologa TAC com Carrefour no valor de R$ 115 milhões pela morte de Beto
Foto: Igor Sperotto
Nesta segunda-feira, 13, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) – órgão do Ministério Público Federal (MPF) – homologou arquivamento de inquérito civil referente à morte de João Alberto Silveira Freitas, ocorrida em 19 de novembro de 2020, nas dependências do supermercado Carrefour, em Porto Alegre (RS). As investigações visavam a apurar a responsabilidade da rede de supermercados no evento. O Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado em junho deste ano, estabeleceu às empresas envolvidas o cumprimento de obrigações no valor total de R$ 115 milhões, todas elas relacionadas à promoção da igualdade racial e dos direitos humanos em geral no acesso ao emprego e à educação, bem como no ambiente de trabalho.
Ao homologar o ajuste, a decisão considerou adequadas e pertinentes, tanto do ponto de vista da forma como de seu conteúdo, as obrigações de reparação assumidas pelas empresas no âmbito do TAC. O compromisso firmado pelo Carrefour prevê a elaboração de Plano Antirracista, cujas ações estão divididas em cinco eixos: protocolo de segurança, prevenção e tratamento de denúncias, relações de trabalho, sociedade e rede de fornecimento sustentável. Um novo modelo de atuação interno deve ser adotado voltado à valorização dos direitos humanos, à diversidade e ao combate à discriminação. “É louvável que se tenha conseguido obter das empresas em questão compromissos tão sólidos e estruturantes”, afirmou o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Alberto Vilhena, ao destacar a importância de mecanismos de solução consensual de conflitos como o termo de ajustamento de conduta, tendo em vista custos e incertezas relativas à máquina judicial estatal.
Direitos humanos e racismo
Segundo o TAC, o Carrefour deve implementar uma política de fiscalização dos contratos de serviços terceirizados que estimule a realização de treinamentos que visem à prevenção de práticas discriminatórias no âmbito da prestação de serviços de vigilância patrimonial e segurança privada, além de revisar a Política #eupraticorespeito, no intuito de reforçar medidas de enfrentamento à discriminação e à violência. Outra obrigação assumida é a não contratação de empresas de vigilância que possuam, como proprietários ou empregados, policiais da ativa ou quaisquer pessoas que tiveram ou tenham registros criminais relacionados a envolvimento com organizações criminosas ou atividades de milícias. Além da atualização do Código de Ética e Conduta do Carrefour Brasil, o TAC prevê a realização de um censo interno na rede de supermercados para verificar a composição étnico-racial e de gênero dos trabalhos dentro do ambiente corporativo.
A maior parte dos recursos oriundos das obrigações assumidas será destinada à concessão de bolsas de estudo para pessoas negras. Serão utilizados R$ 68 milhões, prioritariamente, para bolsas em nível de graduação e de pós-graduação, e R$ 6 milhões em bolsas de estudos ligadas a idiomas, inovação e tecnologia, com foco na formação de jovens profissionais para o mercado de trabalho. Redes incubadoras e aceleradoras de empreendedores negros também deverão ser beneficiadas, com a previsão de investimentos na ordem de R$ 8 milhões.
Projetos ligados à reflexão sobre o processo de escravidão e do tráfico transatlântico de pessoas africanas na região do Cais do Valos, localizado na zona portuário do Rio de Janeiro, receberão R$ 2 milhões. Além disso, serão disponibilizados R$ 14 milhões para a realização de campanhas educativas e projetos sociais e culturais com foco no combate ao racismo.
O TAC prevê ainda a destinação de R$ 4 milhões para programa específico de estágio e de trainee para pessoas negras, a fim de fomentar os quadros de liderança da companhia. Em até 3 anos, o Carrefour deverá contratar ao menos 30 mil colaboradores negros, respeitando a diversidade racial e de gênero da população do país. Uma auditoria externa independente verificará anualmente o cumprimento das obrigações firmadas no Termo de Ajustamento de Conduta. De acordo com Vilhena, o TAC reafirma o “papel central a ser assumido pelas empresas na garantia e efetivação de direitos humanos”.
Assinaram o ajuste, além do MPF e as empresas Carrefour Comércio e Indústria LTDA., Comercial de Alimentos Carrefour LTDA . e Atacadão S.A., o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MPRS), o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul (DPE-RS), a Defensoria Pública da União (DPU) e as entidades Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro) e Centro Santo Dias de Direitos Humanos.
Entenda o caso
Após o espancamento que resultou na morte de João Alberto Silveira de Freitas nas dependências de um supermercado da rede Carrefour em Porto Alegre em novembro do ano passado, os órgãos públicos signatários instauraram procedimentos com o fim de apurar a responsabilidade civil por danos morais coletivos, bem como o funcionamento de mecanismos de segurança privada.
Cabe ao Ministério Público Federal a competência para atuação de casos que envolvam o serviço de vigilância patrimonial, regulado pela Lei Federal nº 7.102/83 e pela Portaria nº 3.233/2012-DG/DPF, que estabelecem a competência das Delegacias de Controle de Segurança Privada das Superintendências da Polícia Federal nos Estados para regular, autorizar e fiscalizar as atividades de segurança privada. O Ministério Público do Trabalho já tinha inquérito civil instaurado envolvendo as repercussões e medidas de adequação no âmbito das relações de trabalho.
João Alberto, um homem negro, fazia compras com a esposa quando foi abordado violentamente por dois seguranças no estabelecimento. Ele foi agredido com chutes e socos por mais de cinco minutos, sufocado e não resistiu. O espancamento foi registrado em vídeo por uma câmera de celular. A morte violenta de João Alberto ganhou destaque na mídia porque ocorreu às vésperas do Dia da Consciência Negra, 20 de novembro.
Logo após o ocorrido, houve a propositura de ação civil pública pela Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, Educafro e Centro Santo Dias, bem como a instauração de procedimentos administrativos pelos demais órgãos públicos, que resolveram se reunir para buscar uma atuação conjunta que resultasse em medidas concretas em prol dos direitos humanos e contra práticas racistas, passando a negociar com o Grupo Carrefour um possível acordo.
A negociação encerrou-se em junho de 2021. As medidas acordadas serão fiscalizadas pelos órgãos compromitentes, verificadas por auditoria externa independente e aquelas destinadas à seleção de projetos e concessão de bolsas implementadas por meio de editais públicos.
Para os órgãos públicos compromitentes, o acordo nos patamares negociados simboliza resposta relevante à sociedade e fixa um importante paradigma para o enfrentamento ao racismo e aplicação dos direitos humanos ao setor privado.
Confira a íntegra do TAC e da decisão do PFDC.