JUSTIÇA

Guedes e Campos Neto serão convocados para explicar empresas de offshore

Além do ministro da Economia e do presidente do Banco Central, Pandora Papers aponta operações suspeitas da Prevent Senior e empresários Luciano Hang e Eike Batista, entre outros
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 4 de outubro de 2021

Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Guedes tinha 9,5 bilhões de dólares em uma offshore quando virou ministro de Bolsonaro

Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

A presença do ministro da Economia do governo Bolsonaro, Paulo Guedes, e do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, na lista de pessoas que mantêm empresas em paraísos fiscais caiu como uma bomba não só nos meios políticos do país. Além das consequências que vão de investigação no âmbito da Procuradoria-Geral da República a convocações do Congresso para que Guedes e Campos Neto apresentem explicações, o debate sobre as operações offshore tende a se ampliar.

Resultado do trabalho do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), a revelação batizada de Pandora Papers feita neste domingo, 3, reacende os questionamentos sobre a legalidade desse tipo de organização empresarial que muitas vezes está ligada a ações nebulosas, ilícitas, como corrupção, evasão fiscal, fraudes e até tráfico de drogas.

De acordo com a apuração, em janeiro de 2019, cinco anos depois de abrir a offshore e depositar 9,55 milhões de dólares, “Guedes virou o principal fiador do governo Bolsonaro e assumiu o cargo de ministro da Economia, sob cuja responsabilidade está um enorme leque de decisões capazes de afetar seus próprios investimentos no exterior”.

Já Campos Neto criou sua offshore em 2004, com um capital de 1,09 milhão de dólares, que valiam à época R$ 3,3 milhões. Se fossem repatriados hoje, esses valores chegariam a R$ 5,8 milhões. Ele também continuava como controlador de offshore ao assumir o BC no governo Bolsonaro, em fevereiro de 2019.

“Os dois principais responsáveis por combater a desigualdade no país e fiscalizar o sistema financeiro têm conta em paraísos fiscais onde não se paga impostos e esconde-se recursos. E estão promovendo mudanças na lei a seu favor. Escândalo pouco é bobagem”, resumiu o ex-banqueiro e escritor Eduardo Moreira.

Não são à toa os questionamentos. Nas audiências realizadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado sobre a covid-19, por exemplo, se descobriu que uma offshore de Cingapura que receberia o pagamento antecipado de R$ 220 milhões pela vacina Covaxin estava sediada em um escritório de contabilidade.

Todos os indícios levantados pela CPI até agora apontam que, na realidade, tais valores seriam a parte da Precisa Medicamentos. Até ver seu negócio abortado pelas investigações do Senado, a empresa tinha emplacado junto ao Ministério da Saúde um medicamento até então sem nenhum aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), enquanto tradicionais farmacêuticas como a Pfizer nem sequer tinham suas propostas consideradas.

Conflito de interesses

Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

Roberto Campos Neto: offshore no Panamá com R$ 5,8 milhões

Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

O Caso de Guedes e de Campos Neto apontam para outra e não menos importante direção.

Responsáveis pela condução da economia do Brasil, os dois estariam impedidos pelo artigo 5º do Código de Conduta da Alta Administração Federal que proíbe servidores como o ministro e o presidente do Banco Central de ter “investimento em bens cujo valor ou cotação possa ser afetado por decisão ou política governamental a respeito da qual a autoridade pública tenha informações privilegiadas”.

Apesar de ambos terem afirmado que apresentaram esses investimentos à Comissão de Ética Pública da República na ocasião de assumir seus atuais encargos, muitas dúvidas ainda pairam no ar, em especial sobre Guedes.

Se de um lado, Campos Neto diz não ter realizado nenhuma movimentação em suas contas, quatro no total, o ministro não deixou isto claro, na opinião de parlamentares que se movimentam para buscar maiores esclarecimentos.

Mauro Menezes, ex-presidente e ex-membro da Comissão de Ética Pública, entende que o órgão deve investigar o caso, mesmo que nenhuma irregularidade tenha sido identificada nas informações prestadas por Guedes e Campos Neto em 2019.

Como exemplo de um possível conflito de interesses, ele cita que o ministro consentiu com as mudanças feitas pela Câmara dos Deputados no projeto da reforma do Imposto de Renda. A reforma aprovada excluiu a regra que taxa anualmente recursos de brasileiros em paraísos fiscais.

Blindagem

Abertas em territórios onde a tributação é menor e com legislação que concede anonimato às contas de empresas e seus titulares, as offshores não são consideradas ilegais.

No entanto, a falta de transparência delas permite que devedores de alta renda, bem assessorados jurídica e contabilmente, as usem como artifícios para blindar seu patrimônio de eventuais questionamentos e cobranças.

É o caso de Eike Batista e mais de 60 brasileiros que estão entre os maiores devedores de impostos no país, com R$ 16,6 bilhões em dívidas à União.

Para analistas, os donos da Prevent Sênior, empresa envolvida em uma série de denúncias de mau atendimento e fraudes que podem ter levado pacientes à morte na crise da covid-19, caso sejam responsabilizados, também podem ter uma eventual cobrança de indenização dificultada.

A apuração realizada pelo ICIJ identificou os proprietários da operadora de saúde como detentores de contas em paraísos fiscais. O empresário bolsonarista Luciano Hang, dono da Havan, também aparece na investigação. Ele manteve por 17 anos uma empresa num paraíso fiscal no Caribe sem informar ao fisco naquele período. Dois anos após ser regularizada, a empresa Abigail Worldwide tinha um saldo de 112,6 milhões de dólares.

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