JUSTIÇA

Justiça do Trabalho bloqueia bens de arrozeiros que exploravam trabalho escravo em São Borja

Cerca de R$ 3 milhões, veículos e armas dos donos das granjas Maragato e Marquezan foram arrestados a pedido do Ministério Público do Trabalho para garantir verbas rescisórias a sete trabalhadores
Por Gilson Camargo / Publicado em 6 de março de 2022

Foto: MPTRS/ Divulgação

Três jovens foram resgatados na Granja Maragato, no início de fevereiro. Outros quatro estavam na Granja Marquezan

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A Justiça do Trabalho concedeu tutela cautelar à unidade do Ministério Público do Trabalho (MPT-RS) em Uruguaiana e determinou o bloqueio de bens dos proprietários das granjas de arroz Maragato e Marquezan, localizadas no interior de São Borja, até o limite de R$ 1.141.648,85 e R$ 1.737.736,08, respectivamente, para pagamento de verbas e indenização por danos morais a trabalhadores mantidos em condições degradantes nas duas propriedades.

Os trabalhadores aliciados por “gatos” eram explorados na aplicação manual de agrotóxicos nas lavouras, sem treinamento para o manejo de venenos, sem equipamentos de proteção individual, e dormiam sobre estrados de madeira em galpões de chão batido.

Além dos bloqueios de bens móveis e imóveis, a juíza substituta do Trabalho em São Borja, Luciana Caringi Xavier, determinou o arresto de veículos e armas dos donos das granjas, com base no artigo 243 da Constituição Federal. A ação foi proposta pelo procurador do MPT-RS em Uruguaiana, Hermano Martins Domingues.

O flagrante de exploração de trabalho análogo à escravidão, crime previsto no artigo 149 do Código Penal, ocorreu no início de fevereiro. Uma força-tarefa composta pelo MPT, pela Gerência Regional do Trabalho de Uruguaiana, e pela Polícia Federal de São Borja, resgatou sete trabalhadores em ambas as propriedades. Quatro estavam na granja Marquezan, registrada com a razão social Comercial Agrícola Missioneira Ltda. (Comis) e tem como sócio majoritário Cezar Lucio Dall Aqua.

Granja Maragato: dois flagrantes em um mês

Outros três trabalhadores eram mantidos na granja Maragato. A propriedade representada no processo por Lissandra Severo da Rocha teria apenas o nome fantasia. Nos documentos apresentados ao judiciário para comprovar a atividade da granja, um detalhe chama a atenção: “recrutamento de mão de obra”.

De acordo com a sentença, “a Granja Maragato não possui personalidade jurídica própria. Junta documentos que indicam que os requeridos exercem ou se beneficiam do empreendimento econômico, recrutando os trabalhadores ou dirigindo os serviços”.

A propriedade  é conhecida dos fiscais do trabalho por ser reincidente neste tipo de crime e por estar no centro de uma suspeita dos fiscais em relação à atuação de um mesmo aliciador de mão de obra escrava em mais de uma ocorrência.

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Condições em que os trabalhadores eram mantidos excedeu desrespeito à legislação trabalhista: “atingiu patamares de desrespeito humano e a condições de vida básicas mais singelas, implicando em conduta criminosa”, destacou a juíza do Trabalho

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Em janeiro, outras nove pessoas em situação de abandono, uma delas um menor de idade foram resgatados da propriedade. Além da autuação do MPT, o caso é investigado na esfera criminal pela Polícia Federal de São Borja e pelo Ministério Público Federal. As autoridades investigam a hipótese de envolvimento de uma mesma organização criminosa (gatos) no aliciamento e fornecimento de mão de obra escravizada nos dois casos.

Após o resgate, os proprietários foram orientados a pagar as verbas rescisórias aos trabalhadores como requisito para qualquer acordo a ser formalizado via Termo de Ajuste de Conduta (TAC). No entanto, as contas não foram acertadas com todos os funcionários resgatados. Um dos fazendeiros pagou apenas as verbas rescisórias dos envolvidos na ocorrência mais recente e o outra não formalizou os contratos de serviço.

Devido ao descumprimento, o MPT-RS pediu em ação cautelar o bloqueio de todos os bens móveis, imóveis, veículos e ativos depositados em instituições financeiras pelos proprietários. No caso da granja Maragato, o bloqueio foi até o limite de R$ 1.141.648,85 para garantir o pagamento de R$ 41.648,85 em verbas rescisórias não saldadas com os nove primeiros resgatados e já incluindo os valores que serão pedidos em uma Ação Civil Pública a título de indenizações por danos morais individuais e coletivos.

Fronteira não é terra sem lei, diz procurador

Na outra propriedade, a Marquezan, o bloqueio foi até R$ 1.737.736,08, valores que serão depositados em conta judicial enquanto durar o julgamento do mérito da ação. “É preciso demonstrar que a Fronteira Oeste não é uma ‘terra sem lei’ e que, independentemente da boa condição financeira, a Justiça existe para todos”, advertiu o procurador Hermano Martins Domingues.

Após o primeiro resgate, em janeiro, com a suspeita de que o mesmo aliciador continuava agindo, o MPT-RS em Uruguaiana e a Gerência Regional do Trabalho organizaram uma força-tarefa com a presença de um procurador do MPT-RS, auditores-fiscais do trabalho e agentes da Polícia Federal para nova inspeção, quando ocorreu o segundo resgate.

Conduta criminosa

Em ambos os flagrantes, os trabalhadores foram encontrados em péssimas condições de alojamento. Eram mantidos em galpões de estrutura precária, de chão batido. As camas, insuficientes para todos os trabalhadores, eram improvisadas com estrados de madeira com colchões velhos. A falta de condições de higiene nos alojamentos surpreendeu os fiscais do trabalho.

Os trabalhadores aliciados não tinham carteira assinada. Sem receber qualquer treinamento para o manejo de venenos e sem equipamentos de proteção individual, eram encarregados de aplicar agrotóxicos nas plantações de arroz vermelho nas duas propriedades. De acordo com o MPT, algumas pessoas que foram resgatadas já manifestavam sintomas de problemas provocados pela exposição direta ao veneno – aplicado com um método chamado “barra”, em que duas latas furadas com agrotóxico são fixadas em ambas as extremidades de uma trave metálica.

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