JUSTIÇA

Valter Nagelstein é condenado por crime racial

Ex-vereador do PSD e candidato derrotado à prefeitura de Porto Alegre compartilhou áudio com declarações racistas contra parlamentares negros do PSol, PCdoB e PT após as eleições de 2020
Por Gilson Camargo / Publicado em 9 de março de 2022

Foto: Débora Ercolani/ Arquivo/ CMPA

Em nota, o ex-vereador lamentou a condenação, disse que vai recorrer e naturalizou a conduta racista: “criminalizam a nossa forma de pensar e impõem aos nossos filhos o que é certo ou errado segundo a visão de militantes”

Foto: Débora Ercolani/ Arquivo/ CMPA

O ex-vereador de Porto Alegre pelo PSD, Valter Nagelstein, foi condenado em primeira instância pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), por crime racial, a uma pena de dois anos de reclusão em regime aberto. Por se tratar de réu primário, o juiz de Direito Sidinei José Brzuska, da 3ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, determinou que a pena seja convertida em restrição de direitos e multas – e cumprida em liberdade. Cabe recurso ao TJRS.

Nagelstein foi denunciado pelo Ministério Público com base no artigo 20, da Lei 7716/89 por “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, após um áudio enviado a um grupo de apoiadores no WhatsApp. A denúncia foi acatada pelo judiciário no dia 15 de abril do ano passado e ele virou réu na ação penal.

Na gravação, o então parlamentar e candidato derrotado à prefeitura de Porto Alegre classificou vereadores eleitos na Câmara Municipal nas eleições de 2020 como “jovens, negros sem nenhuma experiência, sem nenhum trabalho e com pouquíssima qualificação formal”.

“Evidente que chamar alguém de negro não configura o racismo, assim como se admite que chamar uma pessoa de negra não a desqualifica; contudo, quando este termo está associado a uma palavra pejorativa ou a uma sequência de falas negativas – como as do áudio vergastado –, ele assume esta tônica e se torna ofensivo”, considerou o magistrado na decisão.

Para Brzuska, “o pensamento ideológico do réu excedeu o limite do debate político, pois em se tratando de uma pessoa pública, bastante conhecida nesta seara, quando lança uma voz dessa magnitude dentro de um grupo de pessoas, é razoável que tome essa proporção, tanto que tomou”.

A pena privativa de liberdade de dois anos de reclusão em regime aberto foi substituída por duas penas restritivas de direito: prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 20 salários mínimos, além da multa cumulativa no valor de 20 vinte dias-multa à razão de um salário-mínimo vigente à época dos fatos. A condenação é passível de recurso.

Injúria racial

As ofensas ocorreram após a eleição municipal de Porto Alegre, em 2020. Descontente com o resultado, Nagelstein gravou e compartilhou o áudio, atribuindo a eleição da maior bancada negra da história do Legislativo da capital a uma suposta “ocupação” promovida pela esquerda e desqualificando os vereadores e vereadoras eleitos.

“Fica cada vez mais evidente que a ocupação que a esquerda promoveu nos últimos 40 anos da universidade, das escolas, do jornalismo e da cultura produzem os seus resultados. Basta a gente ver a composição da Câmara: cinco vereadores do PSol, muitos deles jovens, negros. Quer dizer, o eco àquele discurso que o PSol foi incutindo na cabeça das pessoas. Vereadores estes sem nenhuma tradição política, sem nenhuma experiência, sem nenhum trabalho e com pouquíssima qualificação formal”, afirma.

Argumentos embebidos de racismo estrutural

Ao analisar o caso, Brzuska considera que no áudio não é possível afastar a referência a “negros” de um contexto de expressões pejorativas e que as afirmações estão carregadas de racismo estrutural e eugenia.

“Veja-se que não existem quaisquer elementos idôneos, ou seja, que não estejam embebidos em racismo estrutural e em ideias eugênicas, que permitam que a expressão “negros” possam demonstrar inexperiência. Para todas as demais expressões existem argumentos lógicos que podem atrelá-los à ideia de inexperiência: seja pelo decurso do tempo, seja pela vivência ou pela falta de experiências, etc. Para a expressão negros, entretanto, não há nada que possa justificar o vínculo à crítica quanto à falta de preparo”, sustenta o magistrado.

As razões enumeradas pelo juiz para embasar a sentença também esvaziam as ideias do ex-vereador sobre “tradição” e “aptidão”.

“A origem étnica, a cor da pele, a presença de melanina em maiores níveis, ou qualquer outra característica física, cultural, genética, étnica relacionada aos negros não têm o condão de torná-los menos capacitados ao cargo – e acreditar nisso, por qualquer razão, é defender a supremacia branca, o que deve ser rechaçado em um país que adotou constitucionalmente a obrigação de defender e assegurar a igualdade racial”, detalha o magistrado.

Conduta reprovável

“Admite-se que o réu fez uma reflexão acerca do resultado da eleição e que sua fala tinha cunho eminentemente político, notadamente ao referir a respeito dos resultados advindos da ocupação que a esquerda promoveu nos últimos quarenta anos da universidade, das escolas, do jornalismo e da cultura”, continua o juiz.

“Contudo, partindo-se desse intróito crítico e negativo, sua conduta se torna penalmente reprovável a partir do momento em que ao externar sua opinião disparou fala que agrediu a população negra, referindo-se àquela etnia de maneira depreciativa ao adjetivar os vereadores eleitos na Câmara como ‘jovens, negros sem nenhuma experiência, sem nenhum trabalho e com pouquíssima qualificação formal’”, analisa.

“Forma de pensar”

Em nota, o ex-vereador reafirmou suas declarações racistas, justificando que elas expressam uma “forma de pensar”.

Ele afirmou que recebe a sentença “com profunda tristeza, porque mostra exatamente o que tenho denunciado, o judiciário e a educação tomados por ideologia. Isto sim põe a democracia em risco, porque criminalizam a nossa forma de pensar e impõem aos nossos filhos o que é certo ou errado segundo a visão de militantes”.

Nagelstein promete recorrer da decisão e que segue “acreditando na justiça imparcial, aquela que aprendi a ver o meu pai, como magistrado, perseguir e aplicar”.

Com informações do TJRS.

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