Bolsonaristas fazem listas de boicote e sugerem perseguição a eleitores do PT
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Uma estrela afixada na porta do escritório de um profissional liberal, na loja de um pequeno comerciante ou prestador de serviços. Não, a estrela não é amarela como a que na década de 1940 era pintada à frente de estabelecimentos e até nas residências de judeus por nazistas na Alemanha de Hitler. Ela agora é a estrela do Partido dos Trabalhadores (PT) e tem o objetivo de identificar aqueles que votaram ou mesmo supostamente apostaram em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para presidente do Brasil na eleição de 30 de outubro.
Segundo relato da professora aposentada e advogada Janaíra Ramos, essa é uma das sugestões que surgem em grupos bolsonaristas na cidade de Casca, Rio Grande do Sul.
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Como em grande parte de cidades gaúchas da área de transição entre o Planalto Médio e a Região Serrana do estado, listas estimulando a perseguição e o boicote de “cidadãos de bem” a seus opositores circulam em grupos de WhatsApp.
Em comum, municípios pequenos onde Bolsonaro teve expressiva votação. Casca, por exemplo, tem 9.070 habitantes. Destes, 4.557 eleitores votaram em Bolsonaro e 1.748 em Lula, em um universo que ainda contemplou cerca de 15% de abstenção no segundo turno.
Reações PT
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Grupo denominado Guapo Segue, focado na cidade de Guaporé estimula: “Não comprem nada em comércios não itilizem (Sic.) serviços de quem for esquerdista aqui em guaporé (Sic.) deixem esses vermes que querem destruír (Sic.) nosso país sentirem o prejuízo no bolso”.
Textos semelhantes com listas anexadas começam a provocar reações. Se em Casca, a advogada Janaira fez denúncia e cobra do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) um posicionamento, Guaporé já apresenta pelo menos dois Boletins de Ocorrência (BOs) de comerciantes que se sentiram lesados e pedem investigação.
Em uma das denúncias, em especial, o proprietário de uma loja estabelecida há 20 anos na cidade faz a denúncia por crime de difamação.
No BO, o comerciante diz que “não possui envolvimento político partidário algum” e se viu incluído entre uma série de estabelecimentos e profissionais liberais no grupo de WhatsApp denominado “PTzada de Guaporé”.
Isso, continua o documento
policial, que ainda registra que o denunciante emprega um funcionário eleitor de Bolsonaro, gera uma família abalada com um filho de dez anos de idade sofrendo perseguições em sua escola.
Em São Paulo, a realidade também é sentida e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) daquela região já se movimenta para notificar por dano moral os inúmeros responsáveis por listas que têm advogados como alvos.
Estrela do PT na porta
Para Gisele Cittadino, professora e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-Rio e fundadora da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), “a questão é aguentar tudo isso até janeiro. Depois, acaba. Bolsonaro parou no cercadinho e deu declarações de que está lutando com todos os meios legais. Só piora. Mas é o que ele quer”.Janaíra, lembrando seu período como professora de história nas redes pública e privada, enfatiza, no entanto, a gravidade do que está acontecendo.
“Os nazistas começaram identificando os estabelecimentos comerciais e casas dos judeus; depois, passaram a os identificar em suas roupas. Tudo culminou nos campos de concentração e nas câmaras de gás”, afirma.
Crítica do que chama “autoridades silentes, sem se manifestar sobre o assunto, apesar de provocadas, porque eu estou provocando”, Janaíra questiona: “vai haver uma lista de Auschwitz para ver quem vai primeiro para os campos de concentração?”.
Ela ainda aponta uma “curiosidade” no boicote proposto em Casca, o machismo. “Estão destacados os nomes de mulheres. Por exemplo, muitos advogados aqui votaram no Lula, mas só duas advogadas estão na lista. Nas empresas, mesmo havendo proprietários homens, o nome destacado é o da coproprietária”.
Marcela Ortiz, advogada criminalista especialista em Direito Processual Penal pelo Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu da Universidade de Coimbra (Portugal) e em Direito Penal Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) diz que, em uma situação normal, a proposta, em si só, de um boicote não deveria ocupar tempo da Justiça. Deveria ser deixado “quieto” para que seus organizadores não alcancem o objetivo da publicidade.
Com todas as ressalvas, ela, no entanto, diz que os caso que “pipocam” pelo Brasil ganham contornos diferentes de uma proposta de boicote a uma empresa que, por exemplo, se utiliza de trabalho escravo.
Para ela, as reações e possíveis inquéritos se justificam pelo contorno antidemocrático de não aceitação da vontade expressa nas urnas. Isso, somado aos bloqueios ilegais de estradas e pedidos de intervenção militar, dão ares de algo estimulado por interesses de grupos que se organizam de forma orquestrada para colocar o resultado das eleições em xeque, entende, apesar de deixar claro que só uma investigação séria pode ou não comprovar isso.
Realidade paralela e coincidências
Marcela apesar de estabelecida na capital paulista, é oriunda de Guaratinguetá, interior do estado.Ela afirma que na sua cidade também tomou conhecimento de lista semelhante à de Casca e Guaporé. Nela, assinala o que entende como “surreal”.
O prefeito da cidade, Marcus Soliva (PSC) fez campanha aberta para o candidato de Bolsonaro ao governo do estado de São Paulo, Tarcísio Freitas (Republicanos) e integra a lista daqueles a serem boicotados na cidade.
“Como pode se ver nas inúmeras postagens nas redes sociais, a ultima coisa que se pode pensar é que o prefeito seja petista”, ironiza.
Inclusive, lembra Marcela, nem pessoas com o sobrenome Alckmin escaparam da inquisição de Guará como é carinhosamente conhecida a cidade.
“O Alckmin é de Pindamonhangaba, cidade também do Vale do Paraíba, e, por isso, tem diversos parentes em Guará”, explica.
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Supremacistas da Georgia
Na lista de Guaratinguetá, um número chama a atenção. Seu endereçamento deixa clara a procedência do estado norte-americano da Georgia.
Coincidência ou não, foi na Georgia que um dos casos mais conhecidos de antissemitismo dos Estados Unidos aconteceu: o linchamento de Leo Frank, em 1915.
Foi lá ainda que, em 1958, um grupo de supremacistas brancos chamado Confederate Underground (Subterrâneo Confederado) explodiu uma bomba em uma das maiores e mais significativas sinagogas da cidade de Atlanta.
Para além das tristes coincidências com o estado norte-americano que também abriga a maior homenagem do mundo à supremacia branca, o Monte Rushmore, a advogada gaúcha Janaíra diz sentir em Casca a dor das pessoas que estão sendo vítimas.
“É gente com cônjuge adoentado, gente que tem um pequeno salão de beleza, por exemplo, e não está podendo trabalhar. Isto é desumano”, lamenta.
Lembrando que em 2018 quando Bolsonaro foi eleito presidente e houve o recolhimento do lado oposto à condição “de oposição e ponto final”, Janaíra desabafa e lembra os bloqueios de estrada que ele quer saber quem de fato financia.
“Cercearam nosso direito de ir e vir, trabalhar, nos sustentar e nos manifestar. Qual é a liberdade que essa gente defende?”, indaga.